Editora da UFRN lança obras de Luís da Câmara Cascudo
A Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), por meio da Editora Universitária (EDUFRN), em parceria com o Ludovicus – Instituto Câmara Cascudo, realiza o lançamento conjunto de duas obras de Luís da Câmara Cascudo no próximo dia 15 de maio de 2025, às 16h, no Auditório Otto de Brito Guerra, na Reitoria da UFRN. O evento celebra a quinta edição de História da cidade do Natal e a publicação inédita de Ruas da cidade do Natal, tornando íveis duas obras fundamentais de Cascudo a respeito da capital potiguar.
Publicado originalmente em 1947, História da cidade do Natal é um clássico da historiografia potiguar. A obra narra o percurso da capital potiguar desde sua fundação até meados do século XX. Com estilo envolvente, erudição e olhar crítico, Cascudo constrói uma narrativa densa, povoada por episódios históricos, perfis sociais, aspectos urbanísticos e manifestações culturais, tornando-se referência fundamental para estudiosos e leitores interessados na história da cidade.
Já Ruas da cidade do Natal foi escrito por Cascudo em 1956 a pedido do prefeito Djalma Maranhão. A obra permaneceu guardada no acervo particular do autor por quase sete décadas, tendo seus originais descobertos e organizados recentemente pela equipe do Ludovicus – Instituto Câmara Cascudo. O volume traz a descrição de 463 logradouros da cidade, com informações históricas, toponímicas e culturais, além de esboços dos 13 bairros existentes à época. A publicação une o rigor histórico característico do autor à tradição oral, em uma verdadeira cartografia afetiva da cidade.
Luís da Câmara Cascudo
Luís da Câmara Cascudo (1898-1986) é um dos maiores nomes da cultura brasileira. Etnógrafo, historiador, folclorista, jornalista e professor, dedicou sua vida ao estudo das manifestações culturais do Brasil, com especial atenção ao Nordeste e ao Rio Grande do Norte. Sua vasta obra, que ultraa cem títulos, é marcada por erudição, sensibilidade e profundo enraizamento local. Reconhecido nacionalmente, Cascudo deixou uma contribuição duradoura para os estudos sobre a história, a cultura e a memória brasileira.
Serviço:
Lançamento de História da cidade do Natal e Ruas da cidade do Natal, de Luís da Câmara Cascudo.
Dia: 15 de maio de 2025.
Hora: 16h.
Local: Auditório Otto de Brito Guerra – Reitoria da UFRN.
No Brasil sempre existiu uma polêmica envolvendo a participação da Força Expedicionária Brasileira (FEB) em solo italiano na Segunda Guerra Mundial e trata sobre seus principais adversários – os militares alemães.
Desde muito jovem escutei essas coisas aqui em Natal, principalmente quando estava na loja do meu pai, lá no tradicional bairro da Ribeira. Ficava ouvindo a conversa dos mais velhos, que de quando em vez rememoravam a participação do Brasil na guerra e o que não faltavam eram críticos a ida das nossas tropas a Itália. Eu ouvia coisas do tipo “– A FEB lutou com soldados alemães velhos e cansados”. Ou algo como “– As tropas alemãs que lutaram na Itália não tinham treinamento adequado e foi tudo muito fácil para os brasileiros”. Tinha também “– Os alemães que combateram a FEB eram pessoas que anteriormente não seriam aproveitadas nas tropas de Hitler, mas com a guerra chegando ao fim os líderes nazistas empurraram para frente de combate qualquer tipo de gente”. Depois descobri através de textos antigos que esse tipo de pensamento em relação a FEB, de uma maneira ou de outra, já vinha acontecendo desde o fima da Segunda Guerra Mundial.
Soldados Brasileiros da FEB treinando com morteiros – Colorizada por Ricardo Morais – @imagemepoesia
Talvez por haver escutado essas críticas, eu sempre me perguntei quem eram esses alemães que combateram a FEB?
Sei que existe muita informação sobre as unidades germânicas que enfrentaram os brasileiros na Itália, a maioria delas veteraníssimas nas várias frentes de combate que as forças de Hitler atuaram. Mas confesso que sempre quis saber algo mais sobre esses combatentes, mas por aqui esse tipo de informação é limitada.
Comboio de viaturas da FEB rodando pela Itália – Colorizada por Ricardo Morais – @imagemepoesia.
É verdade que no Brasil foi lançado o livro As duas faces da glória: a FEB vista pelos seus aliados e inimigos” (São Paulo. Ed. Planeta, 2015), do jornalista William Waack“. Esse livro, tido como polêmico na sua essência, até que trouxe alguns relatos e memórias de militares alemães que atuaram na Itália contra a FEB, mas ele não respondeu aquilo que mais desejava saber – Quais os motivos para as forças armadas da Alemanha Nazista a continuar lutando na Itália e em outros locais, quando a guerra já estava claramente perdida?
A Visão Alemã da “Ponte Longe Demais”
Recentemente eu tive a oportunidade de ler o interessante livro “It Never Snows in September” – The German View of Market-Garden and The Battle of Arnhem, September 1944” (“Nunca Neva em Setembro” – A visão alemã de Market Garden e a Batalha de Arnhem, setembro de 1944), de autoria do norte-americano Robert J. Kershaw.
Esse livro foca nas batalhas travadas no sul da Holanda, ou Países Baixos, entre os dias 17 a 25 de setembro de 1944, como parte da famosa Operação Market Garden, o maior lançamento de paraquedistas que aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial.
Não vou detalhar os fatos envolvendo essa operação, já bastante esmiuçado em livros, filmes, documentários e na internet, mas basicamente essa história se resume assim – Após os desembarques aliados no dia 6 de junho de 1944 na Normandia, França, as forças alemães recuaram e perderam a França e a Bélgica. No começo de setembro os Aliados estavam na fronteira da Holanda, com os alemães recuando e se nada fosse feito, logo depois entrariam na Alemanha. Foi quando o general inglês Bernard Law Montgomery decidiu realizar um grande ataque. A ideia básica seria o lançamento de 34.000 paraquedistas ingleses, norte-americanos e poloneses na Holanda, que deveriam conquistar nove pontes, sendo os alvos principais as pontes sobre os rios Waal e o Baixo Reno, nas cidades de Nimegen e Arnhem. Os paraquedistas deveriam lutar e manter as suas posições, enquanto uma grande quantidade de unidades blindadas e de infantaria Aliadas, com mais de 50.000 homens, partiriam da Bélgica. Após o encontro das duas forças, eles avançariam sobre a Alemanha.
Paraquedas abrem no alto enquanto ondas de paraquedistas pousam na Holanda durante operações do 1º Exército Aerotransportado Aliado. Setembro de 1944.
A questão é que os Aliados saltaram em uma região onde estavam acampadas divisões blindadas, de paraquedistas e tropas de infantaria do Exército Alemão e das temidas e fanáticas unidades SS.
Ao final de oito dias de combate mais de 17.000 militares das forças de Montgomery foram mortos, feridos, ou caíram prisioneiros dos alemães. Os blindados aliados não conseguiram se unir aos paraquedistas e estes, apesar de muito heroísmo, foram subjugados. No final das contas, o estrago foi tanto que Arnhem só seria libertada no final da guerra na Europa e, como sempre, quem mais sofreu foram os civis. Nos meses seguintes após os combates, o oeste da Holanda ficou sem fornecimento de alimentos e durante o inverno de 1945 morreram mais de 20.000 pessoas.
Operação Market Garden.
Os fatos ligados a história da Operação Market Garden são bem conhecidas no Brasil através do livro “Uma Ponte Longe Demais” (A Bridge Too Far), do inglês Cornelius Ryan e publicado em 1974. O resultado desse trabalho serviu de base para um filme homônimo rodado em 1977, que obteve um grande sucesso e foi dirigido pelo também inglês Richard Attenborough. Muitos outros materiais foram criados com foco nesse grande fracasso militar. Só que o livro de Robert J. Kershaw, lançado pela primeira vez em 1990, fez algo bem diferente dos demais, pois ele buscou uma perspectiva que contemplou as experiências dos soldados alemães comuns envolvidos nesses combates e no qual eles saíram vitoriosos.
Estávamos Preparados Para Continuar Lutando
Segundo Kershaw, os documentos alemães para este período são incompletos e por isso ele recorreu a relatos contemporâneos de testemunhas oculares e grande parte deste livro se preocupou com experiências individuais.
Hitler nos primeiros anos do Nazismo na Alemanha.
Na época de sua pesquisa ele teve a oportunidade de conversar com antigos combatentes do Exército Alemão (Wehrmacht), das tropas SS (Waffen SS) e da Força Aérea Alemã (Luftwaffe). Nessa última os principais entrevistados foram os sobreviventes das famosas Fallschirmjäger, os paraquedistas alemães. Além das entrevistas o autor teve o a diários pessoais e correspondências não publicadas para leitura. Mas o autor não deixou de ir aos arquivos na Holanda, Alemanha, Inglaterra, França, Bélgica, Estados Unidos e outros locais, bem como percorreu as áreas dos combates na Holanda e conversou com os sobreviventes locais daqueles dias intensos e complicados.
No livro “It Never Snows in September”, Kershaw escreveu nas páginas 53 a 62 um texto intitulado “Beliefs and concerns” (Crenças e preocupações), onde o autor norte-americano basicamente respondeu ao meu questionamento. E muitas das respostas vieram dos próprios alemães que Kershaw entrevistou.
Como, por exemplo, o cabo mensageiro Alfred Ziegler, um jovem de 19 anos, que fazia parte da equipe antitanque da 9ª Divisão Panzer SS Hohenstaufen. Ziegler relembrou a atmosfera e a situação da sua unidade pouco antes de chegar à cidade belga de Mons (285 km de Arnhem), onde a unidade foi reorganizada como uma companhia de infantaria de resposta rápida na véspera da famosa Operação Market Garden:
“O moral estava bom, mas não tínhamos ilusões de que a guerra tinha acabado. A piada quando fomos enviados para Tamopol, na Rússia, era: “Estamos a caminho para escolher um bom quartel na Sibéria”. As coisas melhoraram com a invasão da Normandia, agora tínhamos mais probabilidade de acabar cortando lenha no Canadá! Um dos meus melhores amigos me disse em segredo: “Não banque o herói, a guerra está perdida”.
Já Wolfgang Dombrowski, outro membro da SS na Holanda em 1944, se colocou de maneira que o autor definiu como “filosófico, mas em um sentido prático”:
“Nós pensávamos que a guerra provavelmente acabaria logo. Mas você deve ter em mente que as classes de tropas tinham apenas 18 ou 19 anos. Nossos oficiais tinham 24 ou 29. Eles ainda eram jovens! As questões mais profundas da vida não nos preocupavam muito. Estávamos preparados para continuar lutando”.
Os reveses catastróficos sofridos pelos militares alemães em todas as frentes de combate no verão de 1944 serviram para ressaltar o principal fator que os manteve unidos até o fim: uma crescente consciência de que a Pátria estava agora em perigo. Este fator por si só provavelmente encorajou a vontade de resistir mais do que toda a propaganda nazista.
O Medo Universal Não Era a Morte
Kershaw apontou através de seus estudos e entrevista que o medo de perder a guerra raramente era expresso abertamente e certamente não era mencionado pelos oficiais e suboficiais aos soldados. Dúvidas sobre um final feliz teriam enfraquecido a resistência. E o único final feliz concebível naquela época era defender as fronteiras da pátria e negociar para preservar o status quo pré-guerra com a ajuda das novas “armas maravilhosas”, a V1 e a V2. Ninguém poderia imaginar as consequências de uma derrota total. Mesmo no meio do desastre do Bolsão de Falaise[1], na Normandia, um cabo assim escreveu para a sua esposa em 18 de agosto de 1944:
“Tivemos que recuar às pressas. O resto das unidades recuou sem disparar um tiro e nos fez ficar para trás para cobri-los… Eu me pergunto o que será de nós. O bolsão está quase fechado, e o inimigo já está em Rouen. Acho que nunca mais verei meu lar. Apesar de tudo, lutamos pela Alemanha e por nossos filhos, e não importa o que aconteça conosco. Estou finalmente esperando que um milagre aconteça e que eu veja meu lar novamente”.
Para Kershaw, de qualquer forma, o soldado alemão nas frentes de combates nunca encontrou a paz e a solidão necessárias para pensar no curso da guerra. Sua preocupação imediata era a mera sobrevivência. O medo universal não era a morte, mas algo pior: que ninguém sairia da guerra com vida. Ninguém queria morrer heroicamente ou sofrer mutilação naquela altura do campeonato. Para a maioria, e particularmente para os veteranos, o período de maior ansiedade era a espera nas áreas de reunião antes de partir para a troca de tiros na linha de frente. Os substitutos novatos demonstraram uma ignorância feliz, até receberem o duvidoso privilégio da experiência de combate.
Portanto, a sobrevivência era uma questão mais importante na frente do que a política e o partido. De vez em quando havia reclamações sobre os “chefões do partido” em casa. Quando as cartas das suas famílias mencionavam os escândalos de membros importantes do partido, a resposta geralmente era: “Espere até chegarmos em casa e acertaremos as contas…”
O interessante é que Kershaw aponta que tais declarações raramente eram levadas a sério pelos oficiais superiores que censuravam as correspondências, dando pouca atenção a tais manifestações. Afinal, reclamar era prerrogativa do soldado na frente de batalha. Desabafar fez mais bem do que mal. O mais significativo foi que as reclamações sobre os líderes do partido nunca chegaram a Hitler; talvez ainda houvesse uma medida de confiança ou fé cega nele. Um comandante de batalhão ecoou as opiniões de seus homens quando escreveu depois da guerra:
“Não sabíamos quão tensa ou desesperadora era a situação no front, nem sabíamos nada sobre o impacto negativo que as diferenças entre Hitler e seus generais tiveram nas decisões operacionais”.
Poder de Combate
Robert J. Kershaw comentou que era inevitável que o súbito afluxo de pessoal clinicamente inapto e mal treinado causasse uma séria deterioração no moral das forças alemãs estacionadas na Holanda. Mas os soldados ainda dependiam de transmissões de rádio, jornais de primeira linha, correspondências e ordens para acompanhar a situação geral.
O que um soldado viu em primeira mão teve um impacto profundo, e a retirada da França abriu os olhos de muitos, mas não era esperada uma oposição em massa à guerra. A disciplina estava profundamente enraizada, e os soldados alemães apreciavam as medidas organizacionais e de controle instituídas nos vários destacamentos de recepção. Os horrores da retirada prenunciaram um colapso potencial que poucos poderiam imaginar ou mesmo pensar inconscientemente.
De fato, o “sistema” os manteve juntos. A formação de uma linha defensiva no início de setembro ao longo do Canal Albert, na Holanda, foi um excelente exemplo da resiliência do Estado-Maior Alemão em retardar a derrota total.
Kershaw aponta que o autor Martin van Creveld[2] escreveu trabalhos sugerindo que o Exército Alemão infligiu mais baixas per capita em seus inimigos do que qualquer um de seus adversários Aliados durante a Segunda Guerra Mundial. Isto foi alcançado através do desenvolvimento de uma infraestrutura militar dedicada quase exclusivamente às operações. Construído para atender às necessidades operacionais, sociais e psicológicas do combatente; produziu por unidade uma maior concentração de “poder de combate” do que qualquer outro Exército Aliado.
O Estado-Maior Alemão desempenhou um papel fundamental em tudo isso. O planejamento inteligente e preciso do quartel-general, que continuou a funcionar apesar da aniquilação das unidades de combate, desempenhou um papel fundamental na restauração da ordem entre os comandantes da frente, sobrecarregados por crises locais. Os soldados alemães ansiavam por ordem e lutavam melhor quando estavam organizados.
Nos níveis mais baixos, os laços de camaradagem também mantinham a coesão. Dificuldades compartilhadas produziram amizades próximas, que significavam mais do que identificação com Hitler e o Terceiro Reich quando se tratava de lutar e morrer. O exército levou esses laços em consideração ao estruturar o sistema de treinamento que o apoiaria para o serviço ativo. As divisões eram responsáveis por treinar seus próprios recrutas em batalhões de substituição, os Feldersatz, cujas três companhias tinham como objetivo alimentar os três regimentos que formavam a divisão. Após a conclusão do treinamento, os recrutas eram designados para os “Batalhões em marcha”, que eram unidades inteiras que podiam ser enviadas como reforços em qualquer estágio da jornada até o front, se a situação local exigisse.
Esse era o sistema adotado pelos centros de recepção localizados atrás da linha de frente no sul da Holanda. Lá os “Batalhões em marcha” eram frequentemente empregados por necessidade, antes que tivessem a chance de formar uma identidade como unidade. Uma das maneiras de promover a identidade era nomear a unidade em homenagem ao seu oficial em comando. Por exemplo, durante as lutas dos alemães contra os Aliados na Operação Market Garden, os Kampfgruppen (Grupos de combate) “Walther”[3], “Chill”, “Möller” e outros, seguiram esse padrão.
O quartel-general conhecia a personalidade dos oficiais em questão e, com o tempo, os soldados podiam sentir certo grau de associação com seus comandantes. O sistema era preferível à atribuição de um número as unidades, um número que era antes de tudo impessoal.
Verrückte Helmuts
O contato pessoal com as famílias em casa também teve impacto no moral do combatente na frente de batalha. Apesar das restrições, as cartas que chegavam de casa não correspondiam necessariamente aos boletins oficiais publicados. Isso podia ser perturbador para alguns. Entretanto, a principal preocupação dos soldados na frente de batalha era a segurança de suas famílias, expostas a terrível e destruidora campanha de bombardeios dos Aliados.
Kershaw descobriu o caso da Senhora Doris Dantscher, que tinha 71 anos quando sofreu os efeitos dos bombardeios em Munique. A carta escrita aos filhos em 20 de julho de 1944 é típica das centenas recebidas pelas tropas no front. Ela tinha acabado de ser evacuada para a cidade de Münnerstadt, na Baixa Francónia.
“Desde quinta-feira, não temos mais um teto sobre nossas cabeças; perdemos tudo. Tudo aconteceu tão rápido que não conseguimos salvar nada; Tudo o que resta é o que estava no porão, que sobreviveu… a casa está completamente queimada… O pai conseguiu limpar a entrada do porão nos fundos com uma pá. É impossível entrar pela rua, você tem que descer a Zentnerstraße e ar pelo jardim para entrar… Johanna me tirou desse inferno na segunda-feira e me levou para Münnerstadt. O pai ainda está em Munique, e estou muito preocupada porque ele tem que viver e dormir no porão… Espero que ele ainda esteja vivo, porque nos dias 18 e 19 houve ataques intensos em Munique… Ainda não consigo me acostumar com o fato de que não temos mais um lar. Em nosso infortúnio, temos a sorte de ter a tia Johanna, com quem conseguimos nos recuperar. Quem diria que quando você saiu da casa dos seus pais pela última vez, seria para sempre. Tudo o que foi querido para nós teve que ser abandonada… Não pudemos nos mover por cinco dias. Não havia água, nem eletricidade, nem gás. Foi um alívio poder lavar roupa em Münnerstadt.
Essas cartas, que muitas vezes chegavam atrasadas, tinham um efeito particularmente negativo no moral dos envolvidos. Às vezes, essas notícias nem eram comunicadas. Quando isso acontecia, oficiais superiores tentavam amenizar o golpe por meio de camaradas que eram amigos próximos da pessoa em questão.
Mas os soldados alemães estavam constantemente preocupados com suas famílias e por vezes surgiam reclamações como esta – “É uma inutilidade de lutar, se nossas famílias estão sendo mortas em casa“. Ou também – “Por que ouvir discursos sobre armas maravilhosas quando a Luftwaffe não pode mais abater bombardeiros inimigos!“
Kershaw aponta que as notícias das atrocidades perpetradas pelo Exército Vermelho na Prússia Oriental e as tragédias contínuas causadas pela ofensiva de bombardeio criaram os chamados “Verrückte Helmuts” (Helmuts Loucos). Um veterano paraquedista relatou que “havia um em cada pelotão“. Homens que perderam tudo — famílias, namoradas, casas — ficaram despersonalizados pelo desespero. Eles não tinham mais nada pelo que viver, exceto talvez lutar e vender suas vidas para se vingar. Esses indivíduos imprevisíveis se tornaram adversários mortais para o inimigo, apesar de seu treinamento inadequado, mas sua imprudência fanática tinha que ser constantemente monitorada por seus comandantes.
Queimado Suas Pontes
Todos esses fatores tiveram um impacto coletivo na qualidade da luta na frente. Talvez a principal emoção que motivou a tenacidade alemã nessa fase da guerra, e que muitas vezes não é reconhecida, foi o medo de que logo estariam lutando em suas próprias ruas e praças, juntamente com o desejo de proteger sua terra natal e suas famílias contra os mesmos crimes que foram perpetrados pelos exércitos alemães em suas próprias campanhas até então.
Seria incorreto dizer que isso era um sentimento de culpa sobre a guerra, já que a extensão total da matança sistemática de judeus e “indesejáveis” estava apenas gradualmente começando a se tornar pública. A maioria dos alemães, como eles próprios afirmam, desconhecia as atrocidades perpetradas no submundo istrado pelo braço político da SS. Mas havia evidências visíveis o suficiente para deixar qualquer um desconfortável.
Isso produziu uma resignação fatalista: uma consciência de que o Reich havia “Queimado suas pontes“[4] e que a única saída era continuar lutando. Na época, isso não estava claro para o combatente, que já estava cansado da pressão dos acontecimentos. Começava a surgir um sentimento de mal-estar, que era sentido, embora ainda não definido.
Fritz Fullriede
O diário do Oberstleutnant (tenente-coronel) Fritz Fullriede[5], que tantas vezes criticou a condução das operações durante esse período, não mostra nenhuma emoção. O que ele escolheu não contar é, em alguns aspectos, mais significativo do que o que ele contou. Depois de discutir a situação com seus camaradas no refeitório dos oficiais em Utrecht, Holanda, no dia 2 de setembro, ele escreveu em seu diário:
“A Frente Ocidental acabou, o inimigo já está na Bélgica e na fronteira alemã; Romênia, Bulgária, Eslováquia e Finlândia pedem paz. É exatamente como em 1918”.
Para aquela geração, o ano de 1918 foi o equivalente ao ano zero. Teríamos que começar tudo de novo, do zero.
Em 1944, a Wehrmacht e a Waffen SS não estavam totalmente imunes às atrocidades que haviam cometido até então. As divisões que estavam em campo na Frente Oriental, que eram a maioria naquela época, testemunharam o tratamento dado aos guerrilheiros e prisioneiros soviéticos. Consequentemente, pouca misericórdia era esperada dos Aliados como um todo e nenhuma dos Russos. Dos 5,7 milhões de prisioneiros de guerra soviéticos, 3,3 milhões morreram em cativeiro. E aqueles infelizes alemães que foram cercados pelos soviéticos após o colapso do Grupo de Exércitos do Centro[6], estavam recebendo o mesmo tratamento.
Kershaw informa que relatórios oficiais alemães se referiam aos guerrilheiros como “bandidos“. Não havia lugar na mentalidade militar alemã organizada, ou em sua doutrina tática, alguma norma ou mesmo ideias para lidar com civis irregulares. Essa incapacidade da Wehrmacht de compreender a mentalidade da “guerrilha” foi responsável por sua incapacidade de enfrentar levantes de Resistência e pela utilização em larga escala de um terror cruel e sádico para combatê-las. Historicamente, esse tem sido o caso desde a Guerra Franco-Prussiana de 1870 até a Primeira Guerra Mundial e igualmente na Segunda.
Milhares de soldados foram designados para tarefas policiais nas áreas de retaguarda da Frente Oriental. Incapaz de lidar com o mesmo fenômeno na Frente Ocidental, atrocidades como as de Vercors[7] e Oradour-sur-Glane[8] ocorreram. Os guerrilheiros holandeses, capturados ou suspeitos, eram frequentemente fuzilados de maneira rápida. Houve execuções perto de Arnhem pouco antes do desembarque dos paraquedistas.
Em 1944, a derrota do Exército Alemão na Holanda e no resto da Europa era iminente. Mesmo que houvesse dúvidas sobre as qualidades de liderança do Führer Adolf Hitler após os desastres no Leste e no Oeste no verão de 1944, a exigência dos Aliados de “Rendição incondicional” provocou uma resposta visceral e instintiva de que não havia outra saída a não ser continuar lutando.
Essa situação obscureceu as diferenças entre nazistas e antinazistas. Uma pesquisa dos Aliados com prisioneiros alemães revelou que, em uma unidade típica, nazistas fanáticos, nazistas apolíticos e antinazistas eram praticamente iguais. Os nazistas eram consideravelmente mais numerosos entre os oficiais subalternos e suboficiais, e estes últimos, como espinha dorsal das tropas, escolheram continuar lutando.
Durante as entrevistas, ao perguntar a um antigo cabo o que ele pensava em relação à derrota da Alemanha próximo do final da guerra, ele me disse que certa vez perguntou a um suboficial de sua inteira confiança o porquê deles não se renderem, se tudo estava praticamente perdido?
Sua resposta evasiva e sarcástica, cheia de humor negro, foi: “Aproveite a guerra enquanto pode, porque a paz será terrível.“
E O Que Tem Isso Com a FEB?
Realmente, como comentamos anteriormente, o material produzido pelo norte-americano Robert J. Kershaw está focado na atuação dos alemães na Holanda em setembro de 1944, mesmo mês em que a FEB se engajava nos seus primeiros combates na Itália.
Mas, ao ler o livro de Willian Waack (páginas 298 a 290), o autor parece não deixar muitas dúvidas que o alemão que combatia na Holanda era o mesmo que estava na Itália.
Transcrevo essas páginas e deixo os leitores à vontade para considerarem essa minha opinião correta, ou não!
“Quando se considera a situação sem saída dos alemães a partir de meados de 1944, ainda assim se pode estabelecer a hipótese plausível de que o soldado raso alemão, sem grandes possibilidades de ouvir rádios estrangeiras (a população “em casa” tinha mais o a esse tipo de informação “inimiga” do que o soldado na frente), nutrisse àquela altura algum tipo de crença na possibilidade de uma vitória. Para oficiais com discernimento médio, em posições de comando, as dificuldades de abastecimento, a superioridade material inimiga e o constante movimento de recuo – fora as assombrosas notícias sobre derrotas alemãs na Frente Russa – deveriam constituir, no mínimo, motivo para alguma reflexão. Para oficiais inteligentes, como o general von Gablenz ou o coronel Herre (que muito antes do final da guerra já se preparava para o seu prosseguimento sob a forma da “guerra fria”), em 1944 o conflito era abertamente dado como perdido para a Alemanha. A motivação do alemão que enfrentou brasileiros na Itália a partir de outubro de 1944 teria sido a crença na vitória? A motivação ideológica? O fanatismo do desespero?
Não. Nenhum dos sobreviventes aponta a “motivação ideológica” como elemento central para prosseguir numa luta desigual contra um adversário reconhecidamente superior. Deve ser verdade. A grande maioria dos entrevistados ara por horrores em outras frentes e pensava, sobretudo em sair viva de uma guerra na qual já não via muito sentido. “O general von Gablenz tinha um jeito especial de pedir maiores esforços às tropas”, recorda-se o ex-major Goetze. “Ele se dirigia frequentemente aos homens dizendo que a única maneira de voltar logo para casa seria resistir e organizar uma retirada cautelosa, que nos permitisse chegar à fronteira da Suíça e ar daí para a Alemanha. Entregar-se ao inimigo não era solução, ele dizia, e seu apelo tinha muito efeito.”
Os soldados alemães na Itália eram veteranos experimentados com a própria propaganda e a adversária. O que os mantinha juntos e ainda, mal ou bem, lutando parecia ser um forte senso de disciplina e, no caso de alguns oficiais, de dever profissional (se se preferir, de uma falsa ética vilipendiada por uma causa errada, prova de que as “virtudes” têm de ser consideradas sempre em relação aos propósitos que se perseguem), mesmo que isso levasse a casos beirando o fatalismo inútil.
Alguns, como o capitão Otto Schweitzer, gostam de lembrar (talvez um álibi) o caso do coronel Kurt Stöckel, oficial declaradamente simpático aos social-democratas, “mas preocupado em cumprir seu dever como soldado”. “O que dizer dos brasileiros, o que estavam fazendo lá, se não cumprindo seu dever como soldados, da mesma maneira que nós fizemos? Acho que deve ter sido ainda mais difícil explicar para os brasileiros o que tinham a fazer na Itália do que a nós mesmos, que já não compreendíamos o sentido daquela luta.”
Outros, como o capitão Alfred Pfeffer, pergunta-se qual teria sido a alternativa: “Que iria eu fazer? Mandar meus homens se entregarem?
Sabotar a linha de frente? Tinha, afinal, de pensar também na minha responsabilidade frente aos outros camaradas nos outros trechos da frente, que poderiam ser dominados pelo inimigo se eu abandonasse meu pedaço.” Ao longo do tempo, evidentemente, os oficiais sobreviventes fizeram questão de serem tratados só como os soldados profissionais que afirmam ter sido – e sequer dos mais entusiasmados: apenas um grupo preso a uma resignação obstinada, ao sabor de um destino sobre o qual julgavam não ter a menor influência.
NOTAS————————————————————————
[1] O Bolsão de Falaise, ou Batalha do Bolsão de Falaise, foi o engajamento decisivo da Batalha da Normandia na Segunda Guerra Mundial e ocorreu entre 12 a 21 de agosto de 1944. As forças aliadas formaram um bolsão ao redor da cidade sa de Falaise, no qual o Grupo de Exércitos B alemão, consistindo do 7º Exército e do 5º Exército Panzer, foram cercados pelos Aliados Ocidentais. A batalha resultou na destruição da maior parte do Grupo de Exércitos B a oeste do rio Sena, o que abriu caminho para Paris, depois Bélgica, Holanda e a fronteira franco-alemã.
[2]Fighting Power. German and US Army Performance 1939—45 (Greenwood Press, USA, 1982)
[3] Um exemplo desses “Grupos de Combate” é o Kampfgruppe Walther, que surgiu em meio às lutas da Operação Market Garden com o objetivo inicial de aniquilar as concentrações de paraquedistas ingleses e americanos e bloquear qualquer avanço adicional dos Aliados. Esse grupo de batalha improvisado foi formado sob o comando do coronel Erich Walther, do Fallschirmjäger (paraquedistas), e eventualmente consistiu em soldados de todos os serviços; Fallschirmjäger, Luftwaffe, exército regular e SS. O grupo entrou em ação pela primeira vez em 11 de setembro de 1944, depois que a Divisão de Guardas Britânica capturou a ponte em Lommel/Neerpelt, apelidada de Ponte de Joe. Depois o Kampfgruppe Walther lutou contra os americanos e britânicos em uma série de batalhas sangrentas nos pântanos de Peel, ainda na Holanda. A história culmina na Batalha de Overloon, sudeste da Holanda, onde algumas das lutas foram as mais difíceis travadas desde a Normandia e as baixas aliadas e alemãs foram horrendas. Durante seu breve período de existência o Kampfgruppe Walther lutou contra a 101ª Divisão Aerotransportada e a 7ª Divisão Blindada, ambas norte-americanas, como também contra a 3ª Divisão, a Divisão de Guardas e a 11ª Divisão Blindada, todas britânicas.
[4] A expressão “Queimar pontes” tem suas origens em estratégias militares antigas. Quando um exército cruzava uma ponte rumo ao território inimigo, era comum destruí-la atrás de si. Essa atitude eliminava qualquer possibilidade de recuo, simbolizando um compromisso irreversível com a batalha.
[5] Fritz Fullriede (4 de janeiro de 1895 – 3 de novembro de 1969) foi um oficial alemão e criminoso de guerra durante a Segunda Guerra Mundial . Fullriede lutou na invasão alemã da Polônia , na Frente Oriental , no Afrika Korps e na Campanha Italiana . O último comandante do Festung Kolberg , Fullriede recebeu a Cruz de Cavaleiro da Cruz de Ferro com Folhas de Carvalho em 1945. A defesa capaz de Fullfriede de Kolberg permitiu que 70.000 civis e 40.000 militares evacuassem Kolberg por via marítima para outras partes da Alemanha. Após a guerra, Fullriede foi julgado e condenado por um tribunal holandês por seu papel no ataque de Putten em 1944. Ele foi sentenciado a 2,5 anos de prisão.
[6] Grupo de Exércitos do Centro, ou Heeresgruppe Mitte, foi um grupo de exércitos da Wehrmacht (Exército Alemão), criado durante a Segunda Guerra Mundial para lutar primordialmente na Frente Oriental. Foi um dos três exércitos reunidos pelos alemães para a chamada Operação Barbarossa, a invasão da antiga União Soviética em 1941.
[7] A Batalha de Vercors, ocorrida entre julho e agosto de 1944, foi um intenso combate entre um grupo rural das Forças do Interior sas (FFI), os conhecidos “Maquis”, e as forças nazistas que ocuparam a França desde 1940. Os Maquis usaram o Massif du Vercors (Planalto de Vercors) como refúgio e de onde partiam para realizarem sabotagens e operações contra os alemães. Os Aliados apoiaram os insurgentes com lançamentos de armas de paraquedas e fornecendo equipes de conselheiros e treinadores. Mas a revolta foi prematura. Em julho de 1944, até 10.000 soldados alemães invadiram o maciço e mataram mais de 600 Maquis e 200 civis, muitos deles executados. Foi a maior operação da Alemanha na Europa Ocidental contra guerrilheiros.
[8] Oradour-sur-Glane era uma comunidade rural tranquila no centro da França. Na manhã de 10 de junho de 1944, apenas quatro dias após o Dia D, entrou na vila algo entre 120 e 200 soldados do regimento Panzer Der Führer da Waffen-SS (um ramo da 2ª Divisão Panzer SS Das Reich). Sob o comando do SS-Sturmbannführer (Major) Adolf Diekmann, em meio a gritos, empurrões e coronhadas, os SS separaram em três grupos os homens, as mulheres e as crianças no mercado e na igreja local. Carros blindados saíram atrás dos cidadãos que estavam trabalhando nos campos e em uma hora os SS reuniram todos os moradores que puderam encontrar. Na sequência, abriram fogo com suas metralhadoras e pam fogo na igreja., onde. Ao final massacraram 642 seres humanos e queimaram a vila até o chão. Até hoje o motivo do ataque alemão a Oradour permanece desconhecido. As ruínas da vila estão preservadas exatamente como foram deixadas em 10 de junho de 1944. Oradour agora serve como um símbolo de lembrança às atrocidades que os ses enfrentaram sob a opressão nazista.
No Próximo Dia 15 de Dezembro, às 18:00, Na Prefeitura de Parnamirim, Será Lançado o Livro “Parnamirim, Base Norte-Americana nos Trópicos – 1939-1945. Uma História Inclusiva”, de Valdivia S. Beauchamp, Sobre a Nossa Grande Base Aérea na Segunda Guerra Mundial. É Uma Obra Ficcional, Traduzida em Seis Idiomas e Lançada em Vários Países.
Há pouco tempo eu soube através do meu amigo Manoel de Oliveira Cavalcanti Neto, grande pesquisador e escritor do período colonial potiguar, que em breve uma escritora nascida no Brasil, mas que há muitos anos vive nos Estados Unidos, viria para o Rio Grande do Norte lançar um livro intitulado “Parnamirim, Base Norte-Americana nos Trópicos – 1939-1945. Uma História Inclusiva”.
Capa da edição em portugues.
É um trabalho ficcional, que utiliza elementos históricos ligados ao período da Segunda Guerra Mundial no nosso estado e que esse livro foi lançado em português, francês, inglês, italiano, alemão e russo.
Novamente através da ajuda de Manoel Neto, que conhece a autora há muitos anos, consegui ar e conversar com Valdivia Vania Siqueira Beauchamp. Uma brasileira, nascida em Recife, cujo ramo paterno é da cidade potiguar de Assu, o materno da capital pernambucana, que mora no exterior e reside na cidade de Nova York.
Capa da edição sa.
Valdivia é uma mulher de uma biografia muito interessante. Formou-se em jornalismo em Brasília no início da década de 1980, onde se tornou correspondente para a Rede Manchete de Televisão e da Radiobrás, cobrindo o Congresso Nacional e embaixadas na Capital Federal. Depois, nos Estados Unidos fez Pós-graduação na Purdue University, foi professora assistente de português e espanhol nessa universidade e na New York University. Em sua carreira chegou a entrevistar personagens políticos internacionais como Jimmy Carter, Presidente dos Estados Unidos, Valery Giscard d”Estaing, da França e Helmut Kohl, chanceler da Alemanha, além de vários políticos brasileiros. Foi coordenadora cultural da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, a Casa Thomas Jefferson de Brasília.
Capa da edição italiana.
Se tornou escritora e é autora de cinco livros: “Stigma, saga por um novo mundo” (versão em português e inglês), “Because of Napoleon” (versões em francês, inglês e português), “Khatun, Gertrude Bell, mentor de Lawrence d’Arabie” (francês), “My Mesopotamia notes, of Gertrude Bell”, (inglês) e finalmente a ficção “Parnamirim, Base Norte-Americana nos Trópicos – 1939 -1945. Uma História Inclusiva”.
Segundo a sua biografia, que chegou à tela do meu computador através de um e-mail da própria autora, esse livro com uma história baseada na saga de Parnamirim Field foi agraciado com o Troféu Cora Coralina de 2018 como melhor livro de ficção e o Troféu Clarice Lispector de 2021, como melhor livro no exterior (edição alemã “Parnamirim, Nordamerikanische, Militarbasis in Den Tropen – 1939 -1945 – Einenumfassende Geschichte”).
Capas das edições em russo e alemão.
Para a autora, embora seja uma obra ficcional, esse livro traz a importância de um local que chamamos “Trampolim da Vitória”, que devido a sua importância estratégica, tanto ajudou aos americanos e seus Aliados a utilizar os meios disponíveis contra os países totalitários que desejavam subjugar o mundo naquela época.
Para ela Parnamirim Field foi uma das três frentes de ação do Brasil na Segunda Guerra, sendo as outras a criação da FEB (Força Expedicionária Brasileira) e seu deslocamento para lutar na Itália contra os nazifascistas e o bravo combate naval brasileiro e norte-americano no Atlântico Sul, principalmente contra os submarinos alemães e italianos pela manutenção do tráfego marítimo em nossas costas.
Valdivia S. Beauchamp
Bem, agora os que gostam do tema ligado à história da Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte e sobre a grande base de Parnamirim Field, terão uma oportunidade muito interessante e positiva de conhecer esse trabalho e a autora.
Rostand Medeiros – Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
No ano de 2010 soube do desenvolvimento do “Projeto Território Sertão do Apodi – Nas Pegadas de Lampião”, pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Pequenas e Micro e Pequenas Empresas do Rio Grande do Norte – SEBRAE/RN, do qual a gestora era a competente consultora Kátia Lopes. Fui ao seu encontro soube que Kátia planejava criar um grupo para percorrer o mesmo caminho palmilhado por Lampião e seus cangaceiros, como parte de um amplo reconhecimento histórico. Ali estava uma oportunidade imperdível de conhecer esse caminho e o que restava de sua memória.
Foi realmente um momento muito especial e um trabalho maravilhoso. Depois de 2010 eu tive a oportunidade de percorrer esse caminho em mais outras quatro ocasiões. As duas primeiras oportunidades, em 2012 e 2014, foram com pessoas que me contrataram para conhecer trechos no Rio Grande do Norte, com foco nas áreas da Serra de Martins e de Mossoró. Já em 2015 estive percorrendo esse antigo caminho dos cangaceiros durante dezessete dias.
Desta vez partindo da cidade cearense de Aurora, adentrando depois em território paraibano, percorrendo na sequência todo trecho potiguar e encerrando na cidade cearense de Limoeiro do Norte. O objetivo da jornada de 2015 foi à realização da película Chapéu Estrelado, um documentário de longa metragem da Locomotiva Produções Cinematográficas, do Rio de Janeiro, sendo dirigido pelo mineiro Silvio Coutinho, com roteiro de Iaperi Araújo e produção de Valério Andrade e o autor desse texto, esses últimos potiguares. Apesar de filmado com esmero em sistema 4K, com interessantes depoimentos, esse documentário nunca esteve no circuito de festivais e, afora algumas exibições em rede nacional através da TV Brasil, ele foi pouco visto pelo grande público. A razão principal foi o falecimento precoce do diretor Sílvio Coutinho, ocorrido no ano de 2018, em decorrência de um ataque cardíaco fulminante, ocorrido no Rio de Janeiro.
Trajeto dos cangaceiros em 1927, em um mapa do Exército Brasileiro, em escada de 1:100.00, com as propriedades invadidas marcadas. Existe um erro no mapa, pois um dos locais atacados foi denominado como “Carícia”, quando o certo é “Caricé”.
A última oportunidade se deu em 2017, quando uma grande parte do trajeto com o artista plástico e fotógrafo Sérgio Azol. Potiguar de nascimento, mas radicado há muitos anos na capital paulista, Azol me chamou para percorremos esse caminho visando o desenvolvimento de uma exposição fotográfica a ser realizada em São Paulo. Ele clicou as paisagens, as vivendas e as pessoas de forma magistral. Aquela era a segunda oportunidade que percorria o sertão nordestino com Sérgio Azol, tendo tido oportunidade em 2016 de visitar importantes locais ligados a história do Cangaço na Paraíba, Pernambuco e Alagoas.
Essa memória se inicia em um sábado, dia 11 de junho de 1927, o segundo dia de Lampião e seus cangaceiros em solo potiguar.
Antiga casa do Sítio Cascavel, zona rural de Pilões – Foto – Rostand Medeiros
Em meio a um grande lajedo ao norte da atual cidade potiguar de Marcelino Vieira, os cangaceiros vão acordando e se preparando para seguir a sua jornada em direção a Mossoró. Após acordarem parte em direção aos Sítios Cascavel e São Bento, cujas terras em dias atuais são parte do município potiguar de Pilões. Depois atacam os Sítios Poço Verde, Poço de Pedra e a Fazenda Caricé, do prestigiado pecuarista Marcelino Vieira da Costa. Sobre o assalto ao Caricé vejam esse texto que escrevi, onde trago alguns detalhes do episódio – /2019/02/10/marcos-de-religiosidade-no-caminho-de-lampiao-no-rio-grande-do-norte/
Punhal de um cangaceiro deixado no Sítio Poço de Pedra, zona rural de Pilões-RN – Foto – Rostand Medeiros
A partir da velha Fazenda Caricé, mesmo a distância, já é possível visualizar o grande maciço rochoso que formam as Serras de Martins e de Portalegre, onde se encontram alguns dos pontos de maior altitude do Rio Grande do Norte, com locais que ultraam os 800 metros. Essas duas grandes elevações se interpunham diante daqueles viajantes que seguiam em direção a Mossoró vindos do extremo oeste da Paraíba. Para os cangaceiros continuarem em busca do seu alvo principal, vários caminhos se colocavam a disposição. O matreiro Lampião, certamente secundado por Massilon, o mais experiente de todos aqueles bandoleiros em relação aos caminhos potiguares, perceberam que teriam de optar por um desses caminhos.
O primeiro trajeto poderia ser: subir a Serra de Martins, ar pela cidade homônima e descer do outro lado da elevação. Bastava seguir pelo antigo caminho que ligava essa cidade até a Vila de Alexandria. Segundo as pessoas da região, partes do antigo trecho dessa estrada ainda existem, fazendo parte da atual rodovia estadual RN-075.
Aspecto dos caminhos dessa região – Foto – Rostand Medeiros.
O segundo caminho, caso o grupo desejasse seguir em direção a Mossoró sem ar pela cidade de Martins, poderia ser feito do seguinte modo: cavalgar até a extremidade oeste do grande maciço rochoso. Nesse caso, os cangaceiros fatalmente chegariam próximo de Pau dos Ferros. Então, depois de ar ao lado da serra, eles percorreriam a antiga estrada que seguia pela cidade de Apodi e, depois de vários quilômetros, chegariam a Mossoró.
Teoricamente, esses dois caminhos não trariam maiores problemas para um viajante comum. Entretanto, aquele estranho grupo de homens armados poderia ser classificado de tudo, menos de “viajantes comuns”.
Desde a saída do bando no Ceará, os celerados deixaram de lado a discrição, ando para a prática aberta de toda sorte de delitos, chamando a atenção das autoridades potiguares. Inclusive, essas autoridades já tinham entrado em contato e combatido o grupo na Caiçara. Mesmo com a derrota da polícia estadual naquele entrevero, Lampião sabia que a qualquer momento as forças do governo potiguar poderiam dar o devido revide. Se decidissem subir a serra, poderiam facilmente esbarrar em um piquete de homens armados, já previamente alertados. Como o bando tinha poucos recursos humanos e bélicos para realizar combates contínuos, esse possível confronto poderia infringir sérios problemas aos cangaceiros na tentativa de galgar a grande serra.
Rostand Medeiros diante da capela da Fazenda Caricé, zona rural de Marcelino Vieira – RN em 2015 – Foto – Silvio Coutinho.
Se o bando seguisse próximo da cidade de Pau dos Ferros, a maior e a mais policiada da região, para depois trotarem em direção a Apodi (uma cidade invadida por Massilon apenas um mês antes), fatalmente homens armados poderiam estar aguardando o grupo em um desses locais, ou nos dois. Aí os resultados desses novos tiroteios poderiam ser extremamente negativos. Deve-se levar em consideração que, além da polícia potiguar, Lampião se preocupava igualmente com a polícia de outros estados no seu encalço, principalmente a paraibana.
Lampião na Fazenda Morada Nova
Havia outra alternativa: era possível contornar o grande maciço através da extremidade mais a leste dessas elevações, ando por um caminho que os levariam para a Vila de Boa Esperança, atual município de Antônio Martins.
O grupo de bandoleiros então se afastaria de áreas onde presumivelmente haveria mais atividade policial, poderiam então alcançar zonas teoricamente mais desprotegidas e possivelmente ainda não alertadas da presença deles na região. Esse caminho se mostrava mais promissor!
Casa da Fazenda Morada Nova, zona rural de Pau dos Ferros – RN – Foto – Rostand Medeiros.
Contudo, aparentemente, essa decisão não deve ter ocorrido antes ou durante a agem pela Fazenda Caricé, pois, logo depois da saída da propriedade do fazendeiro Marcelino Vieira, os cangaceiros seguiram primeiramente na direção sudoeste, apontando para a cidade de Pau dos Ferros. Após rápida cavalgada, surgiu o próximo alvo daquela jornada insana – A Fazenda Morada Nova.
Quando visitei essa propriedade pela primeira vez em 2010, ali encontrei a senhora Firmina Aquino de Oliveira, então com 95 anos de idade, e sua nora Maria Ivaneide de Aquino. Ivaneide era neta de Antônio Januário de Aquino, antigo dono do lugar, que teve a difícil missão de receber Lampião em 11 de junho de 1927.
Lampião
Elas me informaram que não tinham conhecimento se o parente já falecido possuía laços de amizade, ou de inimizade, com o cangaceiro Massilon. Igualmente não souberam comentar se a chegada do bando se deu a uma indicação desse celerado, ou se a casa dos seus anteados foi atacada simplesmente por ter sido um alvo que surgiu à frente do grupo.
Entretanto, essas senhoras relataram que antes do bando chegar à casa de Aquino, que não mais existia em 2010, eles arrombaram uma residência onde vivia um trabalhador da propriedade, que juntamente com sua família fugiu para o mato. Logo os bandidos pararam diante da casa grande da Fazenda Morada Nova.
Além do proprietário, na casa estavam sua mulher Raimunda Nonato de Aquino, seu filho Cosme e suas três belas e jovens filhas, Raimunda, Arcanja e Maria. Segundo Sérgio Augusto de Souza Dantas (Lampião no Rio Grande do Norte – A História da Grande Jornada, 1ª edição, págs. 119 e 120), foi exigido alimentos e dinheiro ao dono da Fazenda. Antônio Aquino era um produtor próspero, sendo apontado inclusive como dono de um engenho de açúcar e aguardente.
Diante da beleza das moças, alguns cangaceiros logo se mostraram interessados nas meninas. Sérgio Dantas relatou que Aquino pediu proteção a Lampião, que prontamente refreou os ânimos da cabroeira e o próprio chefe chegou a pedir desculpas ao pai das jovens pela falta cometida pelos seus homens. Após varejarem toda a casa e retirarem o que os interessava, a malta de bandidos seguiu viagem.
A Foto
As senhoras Firmina e Maria Ivaneide comentaram que a agem do bando causou extrema comoção entre os membros da família Aquino. Todavia, Antônio Januário se sentiu até mesmo com “sorte”, pois, apesar de ter havido perda material com o saque praticado, o fato das suas filhas não haverem sofrido qualquer tipo de violência, principalmente sexual, foi considerado um resultado extremamente fortuito diante da extrema gravidade do problema.
No dia 11 de novembro de 1928, um domingo, quase um ano e meio depois da agem dos cangaceiros, Antônio Januário reuniu sua família em um estúdio fotográfico de Pau dos Ferros para a realização de um interessante instantâneo. Essa fotografia, que trago com exclusividade e conseguida a partir do material original, possui no verso a seguinte frase “Uma pequena lembrança que ficará para sempre”.
Bando de Lampião, após o ataque a cidade de Mossoró em 1927.
Nela é possível ver Antônio e sua esposa Raimunda sentados em um pequeno sofá de madeira e vime, em uma posse de tranquilo comando de suas vidas e de sua prole familiar, que se encontravam todos presentes. De pé, logo atrás do móvel é possível ver Cosme, tendo a sua direita suas irmãs Maria e Arcanja e ao seu lado esquerdo Raimunda. Essa última e Arcanja trazem dois objetos que escaparam das mãos dos cangaceiros – são dois belos crucifixos com corrente e pedras.
Depois de observar milhares de fotos antigas, ao longo de vários anos de pesquisas, posso comentar que, a exceção de Dona Firmina, todos os outros participantes do instantâneo se vestem com roupas modernas para os padrões sertanejos do interior potiguar da década de 1920. Inclusive suas filhas, onde é possível ver Maria e Arcanja utilizando saias acima do joelho, apesar de estarem com meias. Antônio e Cosme igualmente seguem um padrão de vestimenta masculina bem moderna para a época. Ao olhar detidamente essa foto, vejo o registro de uma família que aparentemente superou o susto causado pelo bando de Lampião.
Violeiros Cantam a História do Assalto
A senhora Ivaneide me comentou em 2010 que nessa propriedade era comum a apresentação de cantadores de viola afamados da região e até de outros estados. Mesmo com o crescimento das bandas de forró eletrônicas, da televisão e outros meios de entretenimento, na época essas cantorias de viola possuíam público cativo na comunidade.
Casa da Fazenda Morada Nova em 2010. Reparem os bancos feitos de troncos de carnaúba, utilizados para a comunidade assistir duelo de cantadores de viola. Ao fundo o maçiço da Serra de Martins – Foto – Rostand Medeiros.
Ela narrou que era praxe as pessoas do lugar transmitirem para os violeiros visitantes os acontecimentos testemunhados pela família Aquino em 1927 e o que eles sabiam do ataque do grupo de cangaceiros a Mossoró. Com isso, solicitava-se que esses artistas transformassem as histórias ouvidas em uma cantoria tipicamente nordestina.
Já as estradas existentes entre as propriedades Caricé e a Fazenda Morada Nova foram sem nenhuma dúvida o pior trecho percorrido para a realização deste trabalho. As maiores dificuldades se encontravam na já rotineira falta de sinalização, mas principalmente no péssimo estado de conservação desses caminhos.
A Fazenda Morada Nova está localizada em um ponto extremamente afastado de áreas urbanas. A cidade de Pau dos Ferros fica a cerca de 24 quilômetros de distância, já a zona urbana de Pilões se encontra a 16 quilômetros e a cidade de Antônio Martins a 19. Entretanto, o melhor o utilizado é a partir de Antônio Martins, onde o motorista percorre oito quilômetros de asfalto da rodovia federal BR-226 e depois segue por mais 11 quilômetros de estradas vicinais. Contudo, nesse caso, existe a imprescindível necessidade de contar com a ajuda de uma pessoa da região que conheça o trajeto. Nesse caso eu contei com o apoio do amigo Chagas Cristóvão, da cidade de Antônio Martins.
Junto a Chagas Cristóvão, da cidade de Antônio Martins, na Fazenda Morada Nova.
Atualmente, Pau dos Ferros é a principal cidade da Região do Alto Oeste Potiguar, com uma população acima de 30.000 habitantes, estando a 389 quilômetros de distância de Natal, ocupando uma área de aproximadamente 260 km² e possuindo uma história bem antiga.
Acredita-se que a toponímia Pau dos Ferros foi criada a partir de uma determinada árvore. Essa árvore certamente devia ser um excelente local para repouso e com ótima sombra, onde vaqueiros viajantes, utilizando ferro em brasa, deixavam marcado no seu tronco as marcas do gado sob sua responsabilidade. Em uma época onde as fazendas não tinham arames farpados e o gado era criado solto, essa prática serviu para esses trabalhadores conhecerem as marcas de outras propriedades. Isso tornava mais fácil a identificação dos animais perdidos nos pastos e a realização de troca das reses encontradas. Não é difícil imaginar como essa árvore ficou bem conhecida na região. Logo ao seu redor se fixaram pessoas e isso deu início a uma pequena comunidade. Já sobre a questão da posse da terra, consta que no ano de 1733, por ocasião da morte do Coronel Antônio da Rocha Pita, foi doada a sesmaria de Pau dos Ferros a seus filhos e herdeiros. Um deles, Francisco Marçal, foi a pessoa que mobilizou os que ali viviam para erguer uma capela em 1738. Somente através da Resolução Provincial nº 344, de 4 de setembro de 1856, Pau dos Ferros tornou-se um município, sendo desmembrada da cidade serrana de Portalegre.
Foto – Rostand Medeiros.
Na trajetória do bando em direção a Mossoró, ao se aproximar dos contrafortes da Serra de Martins, o caminho percorrido por Lampião ou onde atualmente estão localizadas as áreas territoriais das cidades de Serrinha dos Pintos, Antônio Martins, Frutuoso Gomes, Lucrécia e Umarizal.
Muitas vezes usamos certas expressões, mas não temos ideia do que elas significam.
São ditados ou termos populares que através dos anos permaneceram sempre iguais, significando exemplos morais, filosóficos e religiosos.
Tanto os provérbios quanto os ditados populares constituem uma parte importante de cada cultura.
Historiadores e escritores sempre tentaram descobrir a origem dessa riqueza cultural, mas essa tarefa nunca foi nada fácil.
O grande escritor Luís da Câmara Cascudo já dizia que: “os ditados populares sempre estiveram presentes ao longo de toda a História da humanidade”. No Brasil isso não é nenhuma novidade. Muitas vezes ocorrem expressões tão estranhas e sem sentido, mas que são muito importantes para a nossa cultura popular.
Veja aqui algumas dessas expressões ou ditados populares:
Bicho-de-sete-cabeças
Tem origem na mitologia grega, mais precisamente na lenda da Hidra de Lerna, monstro de sete cabeças que, ao serem cortadas, renasciam. Matar este animal foi uma das doze proezas realizadas por Hércules. A expressão ficou popularmente conhecida, no entanto, por representar a atitude exagerada de alguém que, diante de uma dificuldade, coloca limites à realização da tarefa, até mesmo por falta de disposição para enfrentá-la.
Com o rei na barriga
A expressão provém do tempo da monarquia em que as rainhas, quando grávidas do soberano, avam a ser tratadas com deferência especial, pois iriam aumentar a prole real e, por vezes, dar herdeiros ao trono, mesmo quando bastardos. Em nossos dias refere-se a uma pessoa que dá muita importância a si mesma.
Ver (ou adivinhar) arinho verde (MAS PODE SER AZUL, AMARELO, VERMELHO, ROXO E POR AÍ VAI!)
Significa estar apaixonado. O arinho em questão é uma espécie de periquito verde. Conta uma lenda que alguns românticos rapazes do século ado adestravam o bichinho para que ele levasse no bico uma carta de amor para a namorada. Assim, o casal de apaixonados tinha grandes chances de burlar a vigilância de um paizão ranzinza.
Com a corda toda
Antigamente, os brinquedos que possuíam movimento eram acionados torcendo um mecanismo em forma de mola ou um elástico, que ao ser distendido, fazia o brinquedo se mexer. Ambos os mecanismos eram chamados de “corda”. Logo, quando se dava “corda” totalmente num brinquedo, ele movia-se de forma mais agitada e frenética. Daí a origem da expressão.
Favas contadas
De acordo com Câmara Cascudo, antigamente, votavam-se com as favas brancas e pretas, significando sim ou não. Cada votante colocava o voto, ou seja, a fava, na urna. Depois vinha a apuração pela contagem dos grãos, sendo que quem tivesse o maior número de favas brancas estaria eleito. Atualmente, significa coisa certa, negócio seguro.
Fazer ouvidos de mercador
Orlando Neves, autor do Dicionário das Origens das Frases Feitas, diz que a palavra mercador é uma corruptela de marcador, nome que se dava ao carrasco que marcava os ladrões com ferro em brasa, indiferente aos seus gritos de dor. No caso, fazer ouvidos de mercador é uma alusão a atitude desse algoz, sempre surdo às súplicas de suas vítimas.
Tapar o sol com a peneira
Peneira é um instrumento circular de madeira com o fundo em trama de metal, seda ou crina, por onde a a farinha ou outra substância moída. Qualquer tentativa de tapar o sol com a peneira é inglória, uma vez que o objecto é permeável à luz. A expressão teria nascido dessa constatação, significando atualmente um esforço mal sucedido para ocultar uma asneira ou negar uma evidência.
O pomo da discórdia
A lendária Guerra de Tróia começou numa festa dos deuses do Olimpo: Éris, a deusa da Discórdia, que naturalmente não tinha sido convidada, resolveu acabar com a alegria reinante e lançou por sobre o muro uma linda maçã, toda de ouro, com a inscrição “à mais bela”.
Como as três deusas mais poderosas: Hera, Afrodite e Atena disputavam o troféu, Zeus ou a espinhosa função de julgar para Páris, filho do rei de Tróia O príncipe concedeu o título a Afrodite em troca do amor de Helena, casada com o rei de Esparta.
A rainha fugiu com Páris para Tróia, os gregos marcharam contra os troianos e a famosa maçã ou a ser conhecida como “o pomo da discórdia” – que hoje indica qualquer coisa que leve as pessoas a brigar entre si.
Afogar o ganso
No ado, os chineses costumavam satisfazer as suas necessidades sexuais com gansos. Pouco antes de ejacularem, os homens afundavam a cabeça da ave na água, para poderem sentir os espasmos anais da vítima. Daí a origem da expressão, que se refere a um homem que está precisando fazer sexo.
Ave de mau agouro
Diz-se de pessoa portadora de más notícias ou que, com a sua presença, anuncia desgraças. O conhecimento do futuro é uma das preocupações inerentes ao ser humano. Quase tudo servia para, de maneiras diversas, se tentar obter esse conhecimento. As aves eram um dos recursos que se utilizava. Na antiga Roma, a predição dos bons ou maus acontecimentos (Avis spicium, em Latim) era feita através da leitura do voo ou canto das aves. Os pássaros mais usado para isso eram a águia, a coruja, o corvo e a gralha. Ainda hoje perdura, popularmente, a conotação funesta com qualquer destas aves.
Santa do pau oco
Expressão que se refere à pessoa que se faz de boazinha, mas não é. Nos século XVIII e XIX os contrabandistas de ouro em pó, moedas e pedras preciosas utilizavam estátuas de santos ocas por dentro. O santo era “recheado” com preciosidades roubadas e enviado para Portugal.
Mais vale um pássaro na mão que dois voando
Significa que é melhor ter pouco que ambicionar muito e perder tudo. É tradição de antigos caçadores. Eles achavam melhor apanhar logo a ave que tinham atingido de raspão, antes que ela fugisse, do que tentar atirar nas que estavam voando e errar o alvo.
Apressado come cru
Quando não existia o forno microondas, era preciso muito tempo para a comida ficar pronta, ou então comê-la crua. Nessa época, a culinária japonesa ainda não estava na moda e comida crua era vista com maus olhos. Assim, a expressão ou a ser usada para significar afobamento, precipitação.
Chorar as pitangas
Pitangas são deliciosas frutinhas cultivadas e apreciadas em todo o país, especialmente nas regiões norte e nordeste do país. A palavra deriva de pyrang, que, em tupi-guarani, significa vermelho. Sendo assim, a provável relação da fruta com lágrimas, vem do fato de os olhos ficarem vermelhos, parecendo duas pitangas, quando se chora muito.
Farinha do mesmo saco
“Homines sunt ejusdem farinae” esta frase em latim (homens da mesma farinha) é a origem dessa expressão, utilizada para generalizar um comportamento reprovável. Como a farinha boa é posta em sacos diferentes da farinha ruim, faz-se essa comparação para insinuar que os bons andam com os bons enquanto os maus preferem os maus.
Aquela que matou o guarda
Tratava-se de uma mulher que trabalhava para Dom João VI e se chamava Canjebrina, que, como informam os dicionários, significa pinga, cachaça. Ela teria matado um dos principais guardas da corte do Rei. O fato não foi provado. Mas está no livro “Inconfidências da Real Família no Brasil”, de Alberto Campos de Moraes.
Sangria desatada
Diz-se de qualquer coisa que requer uma solução ou realização imediata. Esta expressão teve origem nas guerras, onde se verificava a necessidade de cuidados especiais com os soldados feridos. É que, se por qualquer motivo, se desprendesse a atadura posta sobre as feridas, o soldado morreria, por perder muito sangue.
Colocar panos quentes
Significa favorecer ou acobertar coisa errada feita por outro. Em termos terapêuticos, colocar panos quentes é uma receita, embora paliativa, prescrita pela medicina popular desde tempos remotos. Recomenda-se sobretudo nos estados febris, pois a temperatura muito elevada pode levar a convulsões e a problemas daí decorrentes. Nesses casos, compressas de panos encharcados com água quente são um santo remédio. A sudorese resultante faz baixar a febre.
Cor de burro quando foge
A frase original era “Corra do burro quando ele foge”. Tem sentido porque, o burro enraivecido, é muito perigoso. A tradição oral foi modificando a frase e “corra” acabou virando “cor”.
Pagar o pato
A expressão deriva de um antigo jogo praticado em Portugal. Amarrava-se um pato a um poste e o jogador (em um cavalo) deveria ar rapidamente e arrancá-lo de uma só vez do poste. Quem perdia era que pagava pelo animal sacrificado. Sendo assim, ou-se a empregar a expressão para representar situações onde se paga por algo sem ter qualquer benefício em troca.
De pequenino é que se torce o pepino
Os agricultores que cultivam os pepinos precisam de dar a melhor forma a estas plantas. Retiram uns “olhinhos” para que os pepinos se desenvolvam. Se não for feita esta pequena poda, os pepinos não crescem da melhor maneira porque criam uma rama sem valor e adquirem um gosto desagradável. Assim como é necessário dar a melhor forma aos pepinos, também é preciso moldar o caráter das crianças o mais cedo possível.
Salvo pelo gongo
O ditado tem origem na Inglaterra. Lá, antigamente, não havia espaço para enterrar todos os mortos. Então, os caixões eram abertos, os ossos tirados e encaminhados para o ossuário e o túmulo era utilizado para outro infeliz. Só que, às vezes, ao abrir os caixões, os coveiros percebiam que havia arranhões nas tampas, do lado de dentro, o que indicava que aquele morto, na verdade, tinha sido enterrado vivo (catalepsia – muito comum na época).
Assim, surgiu a idéia de, ao fechar os caixões, amarrar uma tira no pulso do defunto, tira essa que ava por um buraco no caixão e ficava amarrada num sino. Após o enterro, alguém ficava de plantão ao lado do túmulo durante uns dias. Se o indivíduo acordasse, o movimento do braço faria o sino tocar. Desse modo, ele seria salvo pelo gongo. Atualmente, a expressão significa escapar de se meter numa encrenca por uma fração de segundos.
Elefante branco
A expressão vem de um costume do antigo reino de Sião, situado na atual Tailândia, que consistia no gesto do rei de dar um elefante branco aos cortesões que caíam em desgraça. Sendo um animal sagrado, não podia ser posto a trabalhar. Como presente do próprio rei, não podia ser vendido. Matá-lo, então, nem pensar. Não podendo também ser recusado, restava ao infeliz agraciado alimentá-lo, acomodá-lo e criá-lo com luxo, sem nada obter de todos esses cuidados e despesas. Daí o ditado significar algo que se tem ou que se construiu, mas que não serva para nada.
Comer com os olhos
Soberanos da África Ocidental não consentiam testemunhas às suas refeições. Comiam sozinhos. Na Roma Antiga, uma cerimônia religiosa fúnebre consistia num banquete oferecido aos deuses em que ninguém tocava na comida. Apenas olhavam, “comendo com os olhos”. A propósito, o pesquisador Câmara Cascudo diz que certos olhares absorvem a substância vital dos alimentos. Hoje o ditado significa apreciar de longe, sem tocar.
Amigo da onça
Segundo estudiosos da língua portuguesa, este termo surgiu a partir de uma história curiosa. Conta-se que um caçador mentiroso, ao ser surpreendido, sem armas, por uma onça, deu um grito tão forte que o animal fugiu apavorado. Como quem o ouvia não acreditou, dizendo que , se assim fosse, ele teria sido devorado, o caçador, indignado, perguntou se, afinal, o interlpcutor era seu amigo ou amigo da onça. Atualmente, o ditado significa amigo falso, hipócrita.
Estar com a corda no pescoço
O enforcamento foi, e ainda é em alguns países, um meio de aplicação da pena de morte. A metáfora nasceu de anistias ou comutações de pena chegadas à última hora, quando o condenado já estava prestes a ser executado e o carrasco já lhe tinha posto a corda no pescoço, situação que, de fato, é um sufoco. Hoje, o ditado significa estar ameaçado, sob pressão ou com problemas financeiros.
Como sardinha em lata
A palavra sardinha vem do latim sardina. Designa o peixe abundante na Sardenha, conhecida região da Itália. É um alimento apreciado e nutritivo, de sabor bem peculiar. As sardinhas, quando enlatadas em óleo ou em outro molho, vêm coladas umas às outras. Por analogia, usa-se a expressão popular sardinha em lata para designar a superlotação de veículos de transporte público.
O pior cego é o que não quer ver
Em 1647, em Nimes, na França, na universidade local, o doutor Vicent de Paul D’Argenrt fez o primeiro transplante de córnea em um aldeão de nome Angel.
Foi um sucesso da medicina da época, menos para Angel, que assim que ou a enxergar ficou horrorizado com o mundo que via. Disse que o mundo que ele imagina era muito melhor. Pediu ao cirurgião que arrancasse seus olhos.
O caso foi acabar no tribunal de Paris e no Vaticano. Angel ganhou a causa e entrou para a história como o cego que não quis ver. Atualmente, o ditado se refere a a alguém que se nega a itir um fato verdadeiro.
Andar à toa
Toa é a corda com que uma embarcação reboca a outra. Um navio que está “à toa” é o que não tem leme nem rumo, indo para onde o navio que o reboca determinar. Uma mulher à toa, por exemplo, é aquela que é comandada pelos outros. Jorge Ferreira de Vasconcelos já escrevia, em 1619: Cuidou de levar à toa sua dama. Hoje, o ditado significa andar sem destino, despreocupado, ando o tempo.
Casa de Mãe Joana
Este dito popular tem origem na Itália. Joana, rainha de Nápoles e condessa de Provença (1326-1382), liberou os bordéis em Avignon, onde estava refugiada, e mandou escrever nos estatutos: “Que tenha uma porta por onde todos entrarão”.
O lugar ficou conhecido como Paço de Mãe Joana, em Portugal. Ao vir para o Brasil a expressão virou “Casa da Mãe Joana”. A outra expressão envolvendo Mãe Joana, um tanto chula, tem a mesma origem, naturalmente.
Onde judas perdeu as botas
Como todos sabem, depois de trair Jesus e receber 30 dinheiros, Judas caiu em depressão e culpa, vindo a se suicidar enforcando-se numa árvore.
Acontece que ele se matou sem as botas. E os 30 dinheiros não foram encontrados com ele. Logo os soldados partiram em busca as botas de Judas, onde, provavelmente, estaria o dinheiro.
A história é omissa daí pra frente. Nunca saberemos se acharam ou não as botas e o dinheiro. Mas a expressão atravessou vinte séculos. Atualmente, o ditado significa lugar distante, inível.
Quem não tem cão caça com gato
Se você não pode fazer algo de uma maneira, se vira e faz de outra. Na verdade, a expressão, com o ar dos anos, se adulterou. Inicialmente se dizia “quem não tem cão caça como gato”, ou seja, se esgueirando, astutamente, traiçoeiramente, como fazem os gatos.
De pá virada
Um sujeito da pá virada pode tanto ser um aventureiro corajoso como um vadio.
A origem da palavra é em relação ao instrumento, a pá. Quando ela está virada para baixo, é inútil não serve para nada. Hoje em dia, “pá virada” tem outro sentido. Refere-se a uma pessoa de maus instintos e criadora de casos ou a um aventureiro.
Deixar de Nhenhenhém
Conversa interminável em tom de lamúria, irritante, monótona. Resmungo, rezinga.
Nheë, em tupi, quer dizer falar. Quando os portugueses chegaram ao Brasil, eles não entendiam aquela falação estranha e diziam que os portugueses ficavam a dizer “nhen-nhen-nhen”.
Estar de paquete
Situação das mulheres quando estão menstruadas. Paquete, já nos ensina o Aurélio, é um das denominações de navio. A partir de 1810, chegava um paquete mensalmente, no mesmo dia, no Rio de Janeiro. E a bandeira vermelha da Inglaterra tremulava. Daí logo se vulgarizou a expressão sobre o ciclo menstrual das mulheres. Foi até escrita uma “Convenção Sobre o Estabelecimento dos Paquetes”, referindo-se, é claro, aos navios mensais.
Pensando na morte da bezerra
Estar distante, pensativo, alheio a tudo.
Esta é bíblica. Como vocês sabem, o bezerro era adorado pelos hebreus e sacrificados para Deus num altar. Quando Absalão, por não ter mais bezerros, resolveu sacrificar uma bezerra, seu filho menor, que tinha grande carinho pelo animal, se opôs. Em vão. A bezerra foi oferecida aos céus e o garoto ou o resto da vida sentado do lado do altar “pensando na morte da bezerra”. Consta que meses depois veio a falecer.
Não entender patavina
Não saber nada sobre determinado assunto. Nada mesmo.
Tito Lívio, natural de Patavium (hoje Pádova, na Itália), usava um latim horroroso, originário de sua região. Nem todos entendiam. Daí surgiu o Patavinismo, que originariamente significava não entender Tito Lívio, não entender patavina.
Jurar de pés junto
A expressão surgiu das torturas executadas pela Santa Inquisição, nas quais o acusado de heresias tinha as mãos e os pés amarrados (juntos) e era torturado para confessar seus crimes.
Emanuele Filiberto di Savoia
Testa de ferro
O Duque Emanuele Filiberto di Savoia, conhecido como Testa di Ferro, foi rei de Chipre e Jerusalém. Mas tinha somente o título e nenhum poder verdadeiro. Daí a expressão ser atribuída a alguém que aparece como responsável por um por um negócio ou empresa sem que o seja efetivamente.
Erro crasso
Na Roma antiga havia o Triunvirato: o poder dos generais era dividido por três pessoas. No primeiro destes Triunviratos, tínhamos: Caio Júlio, Pompeu e Crasso. Este último foi incumbido de atacar um pequeno povo chamado Partos. Confiante na vitória, resolveu abandonar todas as formações e técnicas romanas e simplesmente atacar. Ainda por cima, escolheu um caminho estreito e de pouca visibilidade. Os Partos, mesmo em menor número, conseguiram vencer os romanos, sendo o general que liderava as tropas um dos primeiros a cair. Desde então, sempre que alguém tem tudo para acertar, mas comete um erro estúpido, dizemos tratar-se de um “erro crasso“.
Lágrimas de crocodilo
O crocodilo, quando ingere um alimento, faz forte pressão contra o céu da boca, comprimindo as glândulas lacrimais. Assim, ele chora enquanto devora a vítima. Daí a expressão significar choro fingido.
Fila indiana
Tem origem na forma de caminhar dos índios americanos, que, desse modo, encobriam as pegadas dos que iam na frente.
ar a mão pela cabeça
Significa perdoar, e vem do costume judaico de abençoar cristãos-novos, ando a mão pela cabeça e descendo pela face, enquanto se pronuncia a bênção.
Gatos pingados
Esta expressão remonta a uma tortura procedente do Japão que consistia em pingar óleo fervente em cima de pessoas ou animais, especialmente gatos.
Existem várias narrativas ambientais na Ásia que mostram pessoas com os pés mergulhados num caldeirão de óleo quente. Como o suplício tinha uma assistência reduzida, tal era a crueldade, a expressão “gatos pingados” ou a significar pequena assistência sem entusiasmo ou curiosidade para qualquer evento.
Queimar as pestanas
Antes do aparecimento da eletricidade, recorria-se a uma lamparina ou uma vela para iluminação. A luz era fraca e, por isso, era necessário colocá-las muito perto do texto quando se pretendia ler o que podia dar num momento de descuido queimar as pestanas. Por essa razão, aplica-se àqueles que estudam muito.
Sem papas na língua
Significa ser franco, dizer o que sabe, sem rodeios. A expressão vem da frase castelhana “no tener pepitas em la lengua”. Pepitas, diminutivo de papas, são partículas que surgem na língua de algumas galinhas, é uma espécie de tumor que lhes obstrui o cacarejo. Quando não há pepitas (papas), a língua fica livre.
A toque de caixa
A caixa é o corpo oco do tambor que foi levado para a a Europa pelos árabes. Como os exercícios militares eram acompanhados pelo som de tambores, dizia-se que os soldados marchavam a toque de caixa. Atualmente, refere-se a uma tarefa que se tem de fazer rapidamente, eventualmente a mando de alguém ou mesmo à força.
Maria vai com as outras
Dona Maria I, mãe de D. João VI (avó de D. Pedro I e bisavó de D. Pedro II), enlouqueceu de um dia para o outro . Declarada incapaz de governar, foi afastada do trono. ou a viver recolhida e só era vista quando saía para caminhar a pé, escoltada por numerosas damas de companhia. Quando o povo via a rainha levada pelas damas nesse cortejo, costumava comentar: “Lá vai D. Maria com as outras”. Atualmente aplica-se a expressão a uma pessoa que não tem opinião e se deixa convencer com a maior facilidade.
Fonte: CASCUDO, Luís da Câmara. Locuções Tradicionais no Brasil. São Paulo, Editora Global/2008.
Quando o chapéu estrelado de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, cruzou a vista dos primeiros alpendres no sertão do Rio Grande do Norte, vindo da Paraíba, o destino do cangaceiro e seu bando já estava traçado: o plano era entrar em Mossoró, a cidade mais próspera do oeste potiguar em busca de dinheiro dos coronéis, tendo a ajuda do jagunço nativo Massilon que já tinha praticado assalto na região um mês antes. Mas a invasão fracassou e o fatídico 13 de junho de 1927 entrou para a história e o folclore do cangaço. A expulsão de Lampião foi registrada por historiadores e também pelos poetas nos versos de cordel, ressaltando o heroísmo dos mossoroenses que rechaçaram o famoso bando de cangaceiros de porteira afora.
Mas até chegar a Mossoró, por onde mais Lampião andou? Em menos de uma semana, o bando cruzou a cavalo um território que compreende 14 municípios do Rio Grande do Norte, incluindo Pau-do-Ferros e Martins, deixando um rastro de violência e impacto que o tempo não apagou da memória dos sertanejos. Foi preciso refazer todo esse chão para trazer à luz novas histórias, um desafio para o escritor e pesquisador Rostand Medeiros que agora chega ao livro “1927: O Caminho de Lampião no Rio Grande do Norte” (Caravela Selo Cultural, 375 págs.), com patrocínio do Edital de Economia criativa do Sebrae.
“1927: O Caminho de Lampião no Rio Grande do Norte” é divido em capítulos por dia em que os cangaceiros aram pelas cidadezinhas. Era manhã de sexta-feira, dia 10 de junho de 1927, quando Lampião cruza a fronteira por Luís Gomes, trecho que hoje seria a BR-405. Sem polícia no encalço, eles então assassinam o lavrador Mané Chiquinho, dono da propriedade chamada Vaquejador. Foi a partir desse crime que as polícias da Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará aram a acompanhar o bando. Fatos importantes foram acontecendo no caminho até o ataque a Mossoró (dia 13) e a prisão e morte de Jararaca no dia 14 seguindo-se a fuga de Lampião para o Ceará.
Imagem dos defensores da frustrada invasão de Lampião: “Eram quatro para 1 cangaceiro”, relata o autor
Algo que se destaca neste livro é a reconstituição dos cenários mais antigos a partir das propriedades rurais. São sítios e fazendas centenárias de nomes curiosos que traçam um caminho de contornos semidesaparecidos: Sítio Bom Jardim, Sítio Diamantina, Fazenda Aroeira, Sítio Corredor, Sítio Gangorrinha, Fazenda Ausente, Sítio Saco, Fazenda Picada, agem de Oiticica, Fazenda Cacimba, Caboré, dentre muitas outras.
Um dos locais da agem é o Sítio Ponta de Serra, com traços preservados. Ao fundo, a Serra de Martins. Foto: Rostand Medeiros.
Idas e vindas
Há mais de dez anos Rostand segue o rastro de Lampião pelo Rio Grande do Norte. Só de viagens foram cinco. De motocicleta, de carro e com diferentes propósitos. A primeira em 2010 a convite do Sebrae-RN, para criar o roteiro de turismo cultural. “A pesquisa fez parte do projeto Pegadas de Lampião, uma ideia do superintendente do Sebrae Zeca Melo, que inclusive prefaciou o livro que estou lançando”, destaca.
Ao final da primeira jornada, o pesquisador entregou o resultado para a instituição e desde então vinha tentando publicar o texto. Até que em 2015 pegou novamente na estrada para participar das filmagens do documentário “Chapéu Estrelado”, do diretor Silvio Coutinho, como principal consultor. “Participei ativamente das filmagens a convite de Silvio, Iaperi Araújo e Valério Andrade e foram vários dias de muito chão, poeira e aprendizado”, conta o escritor.
Vale lembrar que ‘Chapéu Estrelado’ foi apresentado em Natal e exibido no Canal Brasil, que era o co-produtor do documentário junto com a Locomotiva Cinema e Arte. “Quando estava sendo preparado para percorrer os circuitos de festivais de cinema, inesperadamente Sílvio Coutinho faleceu de um ataque cardíaco no Rio e aí tudo parou. Hoje eu nem sei como está a situação dessa obra cinematográfica, lamenta.
Em 2017, de volta a estrada em companhia do artista plástico e fotógrafo potiguar Sérgio Azol, focado em uma coleta de material fotográfico para o desenvolvimento de uma exposição em São Paulo, onde Azol é radicado. A exposição também ou por Natal.
A clássica foto do bando de Lampião em Limoeiro, após a fuga do Rio Grande do Norte.
Histórias coletadas
Após esse tempo de vivência, o autor se voltou aos registros em cartórios, jornais de época e bibliografia anterior. Rostand destaca o livro de Sérgio Augusto de Souza Dantas, que foi “muito elucidativo sobre o caminho”. O livro em questão é “Lampião e o Rio Grande do Norte: A História da Grande Jornada” (Ed.: Gráfica Real, esgotado).
Além desse autor, foram consultados trabalhos de Raul Fernandes e Raimundo Nonato. E ainda os processos criminais abertos em Pau dos Ferros e Martins sobre os ataques dos cangaceiros, reproduzindo depoimentos dos cangaceiros Mormaço, Casca Grossa e Jararaca, nomes famosos que estavam no bando de Lampião à época.
“Nos depoimentos eles declararam que vieram para o Rio Grande do Norte por instância do cangaceiro Massilon e em nenhum dos depoimentos informaram alguma motivação diferente das ações que normalmente os cangaceiros efetuavam na época”, pontua.
Rostand ficou impressionado com o destaque dado pelos jornais de todo Brasil ao ataque a Mossoró e como a agem do bando marcou de forma intensa as muitas comunidades que visitou. “Encontrei poucas pessoas que foram testemunhas diretas dos episódios, mas delas colhi depoimentos preciosos. Principalmente os filhos, que escutaram essas histórias nos alpendres das casas sertanejas antes da chegada do rádio e da televisão, que consegui ótimas memórias da agem do bando”. O autor confrontou o depoimento dos sertanejos às informações que estavam nos livros, jornais e processos.
Noticiário relatado no jornal A República de 16 de junho de 1927.
No livro Rostand reforça que o objetivo de Lampião no Rio Grande do Norte não era guerrear, mas tentar conseguir dinheiro com alguma aliança com os coronéis. “Lampião normalmente só se envolvia em contendas de outras pessoas se isso de alguma forma lhe trouxesse vantagem. Não podemos esquecer que Lampião sequer conhecia o Rio Grande do Norte e aqui não tinha inimigos.”
Para o autor a tentativa de invasão a Mossoró foi o maior combate da história do Cangaço em área urbana e, apesar de haver quatro defensores para cada cangaceiro, a chamada Resistência Cívica do povo de Mossoró contra Lampião e seu bando merece todas as loas.
Mas em acontecimento dessa magnitude não poderia deixar de existir controvérsias. “Uma foi sobre o destino do jovem cangaceiro Menino-de-Ouro. Este teria sido gravemente ferido no combate em Mossoró e por não ar a dor teria pedido a Lampião que o executasse e assim foi feito. Mas o pesquisador Hilário Lucetti encontrou um idoso Menino-de-Ouro morando no sul do Ceará e sua história foi contada em um interessante livro de 1995”.
Outros temas
Rostand Medeiros é escritor, pesquisador e formado em Turismo, e escreve no blog Tok de História. Temas como Segunda Guerra também fazem parque do seu foco de pesquisa. Escreveu “Lugares de Memória: edificações e estruturas históricas utilizadas em Natal durante a Segunda Geurra” (Caravela), “Os Cavaleiros do Céu: A Saga do Vôo Ferrarin Del Prete” (Caravela), “João Rufino: Um Visionário de Fé”, dentre outros.
ALGUMAS FOTOS QUE MOSTRAM A PESQUISA DE CAMPO QUE REALIZEI SOBRE A AGEM DE LAMPIÃO POR TERRAS POTIGUARES, ALÉM DE OUTRAS ANDANÇAS. TODA ESSA EXPERIÊNCIA SE TRANSFORMOU EM MEU NOVO LIVRO – “1927 – O CAMINHO DE LAMPIÃO NO RIO GRANDE DO NORTE” – QUE LOGO ESTARÁ À VENDA.
Lampião e seu bando após o ataque a Mossoró.
Rostand Medeiros – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
Tempos atrás, em cinco ocasiões distintas e com focos distintos, eu percorri o mesmo caminho originalmente palmilhado por Lampião e seu bando no Rio Grande do Norte, cujo objetivo foi realizar o famoso ataque contra população de Mossoró.
Caminho percorrido na visão do fotógrafo e artista plástico Sérgio Azol, com quem tive a honra de trilhar esse chão.
A primeira vez que realizei essa jornada ela fez parte de uma consultoria que realizei para o SEBRAE-RN, onde percorri desde a cidade de Luís Gomes, na fronteira com a Paraíba, até Mossoró, sendo finalizada na zona rural de Baraúna, na fronteira com o Ceará. Houve outras viagens onde o trajeto foi percorrido no todo, ou em parte, com objetivos variados, mas a essência do caminho foi sempre o mesmo!
O chão do sertão nordestino na visão de Sérgio Azol.
Depois de um tempo de planejamento e execução, foi percorrido muito chão poeirento e visitado quase uma centena de sítios, comunidades, poucas cidades e entrevistadas mais de cem pessoas.
Sérgio Azol.
Em meio a milhares de fotos, um bom tempo de filmagens e de ter conversado com pessoas que dividiram seu conhecimento comigo, trago agora o resultado dessa maravilhosa experiência. Em grande parte deste trajeto, a motocicleta se mostrou um aliado muito mais eficiente para se alcançar esses distantes locais.
Com o Sr. Pedro Belo do Nascimento, Sítio Tigre, zona rural de Luís Gomes, Rio Grande do Norte. Na época da agem do bando de Lampião, Seu Pedro percorreu as mesmas fazendas pouco tempo depois das depredações e sequestros realizados e viu muita coisa interessante. No alto dos seus 99 anos, encontrei no ano de 2009 um homem de voz grave, lúcido, que contou muita coisa com riqueza de detalhes e fumando um cigarrinho feito por ele mesmo.
O que de melhor ficou desse caminho foi a oportunidade de sentar e ouvir as memórias e sabedorias da gente do nosso sertão. De sentar com essas pessoas fortes e generosas ao extremo, de olhar em seus olhos e observar as buscas que eles realizaram em suas mentes, de maneira aberta e clara, em busca das informações do ado da sua gente e do seu lugar.
Jornal de Caicó, Rio Grande do Norte, noticiando a ataque em 1927.
Tudo isso para ajudar um estranho que eles nunca viram, mas que trazia algumas poucas informações de um ado remoto, que de uma forma e de outra fazia ligação com as histórias de seus anteados.
Fazenda Campo, em Umarizal, Rio Grande do Norte, onde o bando esteve na manhã de 12 de junho de 1927.
Foi muito sol, muita história e muita poeira, mas valeu!
Junto ao agricultor Pedro Regalado da Costa e sua esposa. Seu Pedro para mim era uma memória viva da agem do bando na comunidade Traíras, zona rural do município de Apodi, Rio Grande do Norte. Conheci Seu Pedro em 2010 e tornei a me encontrar com esse sertanejo em duas outras ocasiões e esse momentos foram memoráveis. Aqui estamos junto ao falecido cineasta mineiro Sílvio Coutinho, quando realizávamos as filmagens do documentário “Chapéu Estrelado”. Houveram tantos sonhos junto a esse documentário, mas não deu. Entretanto ficou na minha memória e no meu coração a realização de uma grande experiência, junto a um grande profissional!
Igreja de São Vicente em Mossoró, Rio Grande do Norte, marco da Resistência em 1927 ao bando de Lampião.
Foi na figura do comerciante Raimundo Francisco das Chagas (conhecido como “Raimundo Fernandes”),que conseguimos ótimos relatos na Comunidade Santana, Caraúbas, Rio Grande do Norte.
No Sítio Ponta da Serra, em Serrinha dos Pintos, Rio Grande do Norte, um dos locais atacados por Lampião. Na foto estou com os amigos Silvio Coutinho e Rivanildo Alexandrino, de Frutuoso Gomes.
No Povoado Cruz, na zona rural de Frutuoso Gomes, Rio Grande do Norte, encontramos em 2010 o agricultor Glicério Cruz e sua família. Aos 96 anos, seu Glicério continuava altivo e memorioso, onde recordou o medo das pessoas da região quando da agem de Lampião e seu bando. Este agricultor lembrou com orgulho como participou da manifestação folclórica conhecida como Rei Congo, ou Rei do Congo, onde atuava no papel do monarca. Último remanescente deste grupo folclórico lamentou que a juventude não se interessava mais por este tipo de manifestação cultural e pelos conhecimentos e memórias dos mais velhos.
Mesmo quando ei por fazendas e sítios que não foram atacados pelo bando de cangaceiros de Lampião, encontrava marcas incríveis do povo do sertão nordestino,como aqui nessa foto, realizada na zona rural de Caraúbas,na fazenda São José, Rio Grande do Norte.
Em grande parte do trajeto a motocicleta foi o meu transporte, como na ladeira do Riacho Preto, em Felipe Guerra, Rio Grande do Norte.
Dona Maria Emília, no Sítio Panati, Marcelino Vieira, , Rio Grande do Norte, guarda em sua casa centenária o oratório repeitado pelos cangaceiros.
Nesta residência, na Fazenda Nova, zona rural do município de Pau dos Ferros, Rio Grande do Norte, era comum a apresentação de cantadores de viola afamados da região e até de outros estados, onde o público se acomodava nestas toras de carnaúba colocados em forquilhas. Sempre era solicitado aos cantadores que narrassem à história do fazendeiro Antônio Januario de Aquino, que em 11 de junho de 1927, pediu a Lampião que não deixasse seus homens fazerem mau a suas três belas filhas e ele foi atendido. A fundo da fotografia vemos os contrafortes da Serra de Martins.
Vista da Serra da Veneza, a partir da estrada que liga as cidades de Pilões e Martins, ambas no Rio Grande do Norte. O ponto branco, marcado com um círculo negro, localizado praticamente no meio da serra, é uma capela dedicada a São Sebastião. Ela foi construída como uma promessa pelo fato de três famílias terem escapados incólumes das garras de Lampião.
Na bela cidade serrana de Martins, Rio Grande do Norte.
Capela de Santo Antônio. Construída 1901, estava em festa quando da agem dos cangaceiros pela vila de Boa Esperança, atual município de Antônio Martins, Rio Grande do Norte.
Trincheira do prefeito Rodolfo Fernandes em Mossoró, Rio Grande do Norte.
Limoeiro do Norte, Ceará.
Dona Terezinha Queiroz, Sítio Juazeiro, zona Rural de Marcelino Vieira, Rio Grande do Norte. Ela me reclamou que os mais jovens da região não se interessavam mais pelas histórias da agem de Lampião.
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Sérgio Azol – Foto meramente ilustrativa.
O agricultor João de Deus de Oliveira, de Felipe Guerra, Rio Grande do Norte, no caminho que segue para a ladeira onde o bando de cangaceiros galgou a Chapada do Apodi.
Após o sequestro de Egídio Dias, na zona rural do atual município potiguar de Lucrécia, um grupo de parentes e amigos tentou buscar seu resgate na antiga vila de Gavião, atual município de Umarizal. No trajeto o grupo encontrou o bando de cangaceiros e três homens foram mortos. As margens da RN-072, este monumento, conhecido como “A cruz dos três heróis”, lembra os falecidos.
Na zona rural de Lucrécia, Rio Grande do Norte, temos a casa do Sítio Serrota e os membros da família Leite em uma visita em 2010. Na noite de 11 de junho de 1927, o fazendeiro Egídio Dias da Cunha foi sequestrado pelos cangaceiros e sua esposa, Donatila Leite Dias ou por sérios apuros.
Reconhecimento a Egídio e Donatila Leite.
Os defensores de Mossoró.
Pelos caminhos do sertão potiguar.
Pelos Caminhos do sertão potiguar…
Sítio Arapuá, zona rural de Felipe Guerra, Rio Grande do Norte,onde conheci um pouco dos fatos relativos à agem do bando, através das memórias do agricultor Edmundo Paulino da Silva (de óculos escuros),que se deixou fotografar junto aos seus familiares.
Na região do Sítio Carnaubinha, zona rural de Governador Dix-Sept Rosado, Rio Grande do Norte, onde próximo existia uma pousada conhecida como “Pouso de Pregmácio”, atacada pelos cangaceiros, o senhor Francisco Barbosa de Lima, conhecido em toda a região como “Caiolin”, aponta o caminho que seu pai afirmava ter sido originalmente percorrido pelo bando para realizar o ataque.
Paredão rochoso as margens do rio Apodi/Mossoró, onde existe uma cavidade natural denominada Taipa de Zé Félix. Aqui a família de Teonila Barra, veio procurar abrigo para fugir dos cangaceiros. Teonila era a proprietária em 1927 da fazenda do Mato Verde, saqueada pelo bando. Foto de 2015.
Em 2010, através da atenção e do apoio do amigo Júnior Marcelino, entrevistei o médico aposentado Francisco Javier de Lucena, conhecido na cidade serrana de Martins-RN
como Dr. Lacy. Apesar de um pequeno problema auditivo encontrei um homem de rara inteligência, franco, aberto, de opiniões fortes e sinceras. Uma das melhores entrevistas que fiz até hoje. Informou muita coisa sobre a agem do bando na região.
Uma pausa para um café. Aqui junto ao mototaxista Moisés Pautilho, de Luís Gomes, Rio Grande do Norte. Este sertanejo honesto e trabalhador rodou comigo em sua moto pelos caminhos de Lampião com segurança e satisfação.
Casa do Sítio Cascavel, na zona rural do município de Pilões, Rio Grande do Norte. Esta foi à primeira casa “visitada” pelo bando na manhã de 11 de junho de 1927.
Segundo os moradores da região, esta ermida, em honra a Jesus, Maria e José, foi uma obra edificada para o pagamento de uma promessa feita pela família do coronel Marcelino Vieira da Costa, proprietário da fazenda Caricé, por se salvarem do bando de Lampião.
Memorial da Resistência em Mossoró em 2017.
Casa da Fazenda Morcego, em Serrinha dos Pintos-RN. Abandonada e sem conservação em 2010.
Marca deixada pelo cano de um fuzil de um cangaceiro em uma das janelas da casa do Sítio Serrota. Batiam nas janelas e portas de madeira para assustar os moradores.
Às margens da rodovia estadual RN-117, na zona rural do município de Mossoró, no Sítio Lagoa dos Paus, encontramos o agricultor Expedito Evangelista de Oliveira, que narrou as agruras que seu sogro, João Abdias de Araujo, ou junto ao bando.
1927 – Defesas em Mossoró.
Ponte ferroviária de Mossoró, local importante na história do cangaceiro Jararaca no ataque de 13 de junho de 1927.
Antiga sede do sítio Veneza, fotografada em 2010 e hoje parte de um assentamento rural – Foto – Rostand Medeiros
Junto ao amigo Sérgio Dantas, o qual seu livro “Lampião e o Rio Grande do Norte – a História da Grande Jornada”, foi meu principal guia nessa empreitada.
Fiquei muito feliz essa semana quando soube através de amigos e do pessoal da Livraria do Centro de Convivência do Campus Universitário, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, que nosso novo livro “Lugares de Memória – Edificações e estruturas históricas utilizadas em Natal durante a Segunda Guerra Mundial” está entre os dez mais vendidos na conhecida Livraria do Campus, uma das maiores no estado, entre os meses de novembro e dezembro de 2019.
Ainda tive a grata surpresa de ter o nome do nosso livro lembrado pelo jornalista Vicente Serejo, que na sua coluna do dia 17 de dezembro, no do jornal Tribuna do Norte publicou a seguinte nota:::
Como foi dito pela imprensa, em suas 170 páginas “Lugares de Memória” traz informações, curiosidades e imagens de edificações e estruturas existentes na capital potiguar durante a Segunda Guerra Mundial, encerrado em 1945.
O livro apresenta informações e imagens (atuais e antigas) de 27 locais de Natal que possuem ligação com a participação do Brasil no conflito, incluindo quartéis, hospitais, sedes de companhias aéreas, bares, cabarés, hotéis, clubes militares, residências de oficiais e do cônsul norte-americano, entre tantos outros pontos que ainda mantêm as características de sete décadas atrás, ou cujos prédios originais deram lugar a novas edificações.
Publicado pelo Caravela Selo Cultural, o prefácio de “Lugares de Memória” é do jornalista e escritor Carlos Peixoto e o texto abre com a palestra do ex-governador Juvenal Lamartine, proferida em 1939 – sete meses antes da deflagração da guerra – e que já previa não só o conflito, como o envolvimento da capital potiguar. Já os 27 locais foram divididos em cinco partes, conforme os bairros: Santos Reis, Rocas, Ribeira, Petrópolis e Tirol.
O livro continua sendo vendido na Livraria do Campus, ao preço de R$ 40,00.
Segue a relação dos dez livros mais vendidos na Cooperativa do Campus entre novembro e dezembro de 2019.
LUGARES CONHECIDOS, COMO A CASA DO ITALIANO LETTIERI, NA RIBEIRA, ONDE HOJE É O CONSULADO, E OUTROS CURIOSOS COMO O ESCRITÓRIO DO FRANCÊS MARCEL GIRARD, REPRESENTANTE DA AIR EM NATAL, SÃO RECORTES DA HISTÓRIA QUE ROSTAND MEDEIROS ESMIÚÇA COM MUITA PAIXÃO.
A curiosidade e a paixão pelo Rio Grande do Norte, fez de Rostand Medeiros um pesquisador insaciável pela história potiguar. Sua curtição é esmiuçar arquivos públicos, acervos privados, documentos oficiais, fotos antigas, é também conversar com velhas figuras guardiãs da memória coletiva do Estado. Dessas viagens no tempo que faz, ele retorna com material bruto que aos poucos transforma em livro. É de sua autoria, por exemplo, três biografias “João Rufino-Um visionário de fé” (2011), sobre o criador do grupo industrial 3 Corações, “Fernando Leitão de Morais-Da Serra dos Canaviais a Cidade do Sol” (2012) e “Eu não sou herói – A História de Emil Petr” (2012), este sobre um veterano da 2ª Guerra Mundial.
Por falar em 2ª Guerra, esse é um dos principais temas de Rostand, ao lado da história da aviação. Sobre aviação, ele foi coautor de “Os Cavaleiros do Céu: A Saga do voos de Ferrarin e Del Prete” (2009), que conta a história do primeiro voo sem escalas entre a Europa e a América Latina; e sobre a 2ª Guerra, lançou em 2019 “Sobrevoo: Episódios da Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte”.
Mas agora, ao apagar das luzes de 2019, Rostand surge com novo livro, ainda dentro de seu tema predileto: “Lugares de Memória – Edificações e estruturas históricas utilizadas em Natal durante a Segunda Guerra Mundial”. A obra apresenta 27 locais referentes aquele tempo, a maioria na Ribeira, trazendo curiosidades quer ajudam a entender como era o dia a dia de Natal naqueles anos intensos.
O lançamento do livro será no dia 5 de dezembro, na Livraria Cooperativa Cultural, na UFRN, às 10 horas. A publicação sai pela Editora Caravela Selo Cultural e conta com o apoio do Fundo de Incentivo e Cultura de 2018, da Prefeitura de Natal. Sobre o livro e aquele período, Rostand Medeiros conversou com a TRIBUNA DO NORTE.
Parceria com o MPF_RN ajudou na criação desse livro.
Inventário
Essa pesquisa começou em 2015, quando a Promotoria de Justiça de Natal me solicitou a elaboração de um relatório sobre os locais utilizados pelas forças militares americanas em Natal durante a Segunda Guerra. Listamos 32 locais históricos entre Natal e Parnamirim. A ideia era incentivar ações de preservação. Mas naquele ano nada foi feito. Até que no início de 201, o Ministério Público Federal do RN, preocupado com a situação do Patrimônio Histórico de Natal, promove uma audiência sobre o tema. Informo sobre o relatório já feito e sou solicitado para aprofundar as pesquisas. O que fiz, mas focando apenas em Natal, fechando em 27 locais relacionados a 2ª Guerra. Agora, com a parceria da Editora Caravela, estou publicando o trabalho em livro.
Na casa com um amplo alpendre apresentada na foto, serviu de moradia para o comandante das tropas do exército americano em Natal durante a Segunda Guerra Mundial. Hoje é a sede do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte.
Preservar é importante
O livro fala de locais que se não for feito nada, vão se perder em ruínas. Mesmo com grande parte dos locais deteriorados, é um material que aponta para existência de uma rota turística. De todos os meus livros, esse é o que mais me entusiasmou. Espero que essa publicação possa ser útil, derepente para ajudar na preservação dos prédios que cito.
Ribeira
Acho que a 2ª Guerra é um dos aspectos mais proeminentes da história do Rio Grande do Norte. E nisso está a Ribeira. O bairro já foi o centro de tudo no Rio Grande do Norte. Roosevelt e Churchill falam de Natal em suas biografias. Arrisco dizer que naqueles tempos, para os Aliados, referente à Segunda Guerra, Natal era a cidade mais importante da América do Sul. Você olha para a Ribeira hoje chega bate uma tristeza. É uma decadência que vem desde os anos 70. Recuperá-la pode dar um boom no turismo histórico.
Maternidade Januário Cicco, antigo Hospital Militar de Natal na ápoca da Segunda Guerra.
Descobertas
Muitos dos lugares são conhecidos. A casa do italiano Lettieri, na Ribeira, onde hoje é o Consulado, está bem preservada, assim como a Maternidade Januário Cicco, que era o Hospital Militar de Natal, e o Grande Hotel. Mas uma das minhas descobertas é o Rádio Farol, com as antenas enormes. Ficava na Praia da Limpa, um lugar entre a Fortaleza dos Reis Magos e o Rio Potengi.
Oleoduto
Uma estrutura com história interessante é o oleoduto Pipeline, que ia até a Base de Parnamirim. Sendo que nas Rocas há um trecho do encanamento que está visível. Descobri que em 1977 esse cano chegou a estourar e os moradores aproveitaram para encher tanques de combustível até secar. Outra coisa legal é que o Colégio 7 de setembro, na Rua Seridó, no tempo da Guerra era o Quartel dos Marines da Marinha Americana.
Antiga sede do Consulado d França em Natal na época da Segunda Guerra.
Dois espiões e um francês
Em Natal tinha uma coisa muito curiosa nos tempos da Guerra. O francês Marcel Girard era representante da Air em Natal. Seu escritório ficava na Rua Tavares de Lira. Perto dali, na Rua Chile, estava aloja de secos e molhados do alemão Ernst Luck, que ficava no térreo do Àrpege, e a casa do italiano Guglielmo Lettieri, comerciante conhecido na cidade. Cada um dos três atuava como representante diplomático de seus respectivos países em Natal. Imagine só! A Europa em guerra, a França invadida pelos alemães, e os três tendo de conviver na Ribeira. É provado que Luck espionou para a Alemanha e Lettieri para a Itália. Os dois foram condenados pelo Tribunal de Segurança Nacional e ficaram detidos na Colônia Agrícola de Jundiaí. Mas no fim da Guerra, ambos foram perdoados.
Jornal da BBC
A ação da Agência Pernambucana, importante veículo de comunicação em Natal durante a Guerra, é abordado no livro “Lugares de memória”.
Outra coisa que gostei muito de ter estudado foi sobre a Agência Pernambucana de Luiz Romão, com seus difusores espalhados pela cidade. Era algo formidável. Ele retransmitia a versão em português do jornal da BBC. Foi legal descobrir a importância da difusora dele. E é uma pena que hoje o local esteja em ruínas.
Grande Hotel
Mas para mim, não tem dúvidas, o Grande Hotel foi o principal lugar da 2ª Guerra em Natal. Era uma referência central por receber autoridades americanas. Além de ter a figura forte de Teodorico Bezerra como seu proprietário. Resgatei muitas histórias no livro.
Da esquerda para a direita vemos os Procuradores da República Victor Manoel Mariz, a Procuradora Chefe do MPF-RN Cibele Benevides e o autor Rostand Medeiros.
Em 14 de março deste ano, quando o pesquisador Rostand Medeiros entrou no prédio do Ministério Público Federal (MPF) em Natal para participar de uma audiência extrajudicial, não imaginava que retornaria ao mesmo local, no fim de novembro, para apresentar o livro cuja publicação é fruto da parceria iniciada exatamente nessa reunião oito meses antes. O tema, da audiência, era a adoção de medidas para resgate, preservação e valorização do patrimônio histórico do Rio Grande do Norte relativo à 2ª Guerra Mundial. Já o livro – que se chama “Lugares de Memória” – reflete exatamente uma das iniciativas pretendidas pelo MPF.
Em suas 170 páginas, a obra traz informações, curiosidades e imagens de edificações e estruturas existentes na capital potiguar durante o conflito mundial, encerrado em 1945. Nesta sexta-feira, 29, Rostand Medeiros fez questão de agradecer o apoio e o incentivo do MPF e entregou exemplares do livro diretamente aos procuradores da República Victor Mariz, que convocou a audiência de março, e Cibele Benevides, que chefia a Procuradoria da República no Rio Grande do Norte.
O procedimento do MPF que estimulou o escritor a transformar em livro a pesquisa iniciada quatro anos antes (quando elaborou, a pedido do Ministério Público Estadual, um relatório preliminar sobre os locais utilizados pelas forças militares norte-americanas em Natal e Parnamirim durante a 2ª Guerra) prossegue tramitando na Procuradoria da República e vem acompanhando a situação desse patrimônio, de grande potencial histórico, turístico e cultural.
Nos agradecimentos incluídos no livro, além do procurador da República e do próprio Ministério Público Federal, Rostand Medeiros também registra o apoio do analista de Direito Leonardo Batista e da estagiária Bárbara Suellen Fonseca, “pela ajuda sempre presente”. Sobre Victor Mariz, o autor enaltece a “confiança, atenção, corretos apontamentos e ajuda proporcionada durante o processo de pesquisa e elaboração final do material”.
Obra – Lugares de Memória traz como subtítulo “Edificações e estruturas históricas utilizadas em Natal durante a Segunda Guerra Mundial” e apresenta informações e imagens (atuais e antigas) de 27 locais de Natal que possuem ligação com a participação do Brasil no conflito, incluindo quartéis, hospitais, sedes de companhias aéreas, bares, cabarés, hotéis, clubes militares, residências de oficiais e do cônsul norte-americano, entre tantos outros pontos que ainda mantêm as características de sete décadas atrás, ou cujos prédios originais deram lugar a novas edificações.
Publicado pelo Caravela Selo Cultural, o livro contou em sua fase de pesquisa com o apoio do presidente da Fundação Rampa, Leonardo Dantas, e do diretor do Sebrae, João Hélio Cavalcanti, além de vários outros escritores e amigos do autor. O prefácio é do jornalista e escritor Carlos Peixoto e o texto abre com a palestra do ex-governador Juvenal Lamartine, proferida em 1939 – sete meses antes da deflagração da guerra – e que já previa não só o conflito, como o envolvimento da capital potiguar. Já os 27 locais foram divididos em cinco partes, conforme os bairros: Santos Reis, Rocas, Ribeira, Petrópolis e Tirol.
Autor – Rostand Medeiros é escritor, pesquisador e membro do Instituto Histórico e Geográfico do RN, além de técnico e guia de turismo credenciado pela Embratur. Autor do livro “João Rufino: um visionário de fé” e das biografias “Fernando Leitão de Moraes: das serras canaviais uma cidade do sol” e “Eu não sou herói: a história de Emil Petr”; é ainda coautor de “Os cavaleiros do céu: a saga do voo Ferrarin e Del Petre”; e produziu o documentário “Chapéu Estrelado”, sobre a trajetória do bando de Lampião em terras potiguares, no ataque a Mossoró em 1927.
Instituto Histórico e Geográfico do Rio
Grande do Norte
É com
muita satisfação que informo que em breve estará na livraria da Cooperativa
Cultural da UFRN, também conhecida como “Livraria do Campus”, o meu mais novo
livro “Lugares da Memória – Edificações e Estruturas Históricas Utilizadas em
Natal Durante a Segunda Guerra Mundial”.
Esse
livro é fruto de uma positiva parceria com o Ministério Público Federal do Rio
Grande do Norte, através da pessoa do Dr. Victor Manoel Mariz, Procurador da
República e titular do 10º Oficio do Núcleo de Cidadania e Ambiental (NCA).
Reunião com o Dr. Victor Mariz no Ministério Público Federal do Rio Grande do Norte .
Essa
reunião ocorreu devido à existência de uma representação encaminhada ao MPF/RN
por Ricardo da Silva Tersuliano, representante do Instituto dos Amigos do
Patrimônio Histórico e Artístico-Cultural e da Cidadania (IAPHACC), em que no
seu conteúdo foi sugerida, entre outras ações, a criação de um inventário dos
bens utilizados naquela época e ainda existentes, além do tombamento desses
locais. Como consequência, foi instaurado o Procedimento istrativo nº
1.28.000.001950/2018-52.
Durante
os desdobramentos da audiência, informei ao Procurador da República que, em
junho de 2015, o Dr. João Batista Machado Barbosa, então Promotor de Justiça do
Estado do Rio Grande do Norte e titular da 41ª Promotoria de Justiça da Comarca
de Natal, igualmente preocupado com a preservação desse patrimônio, solicitou a
elaboração de um relatório preliminar sobre os locais utilizados pelas forças
militares norte-americanas estacionadas em Natal e Parnamirim durante a Segunda
Guerra Mundial. Esse material foi devidamente produzido utilizando bibliografia e fontes existentes.
No
caso de Parnamirim, as áreas encontradas tinham uma relação direta com a
presença dos militares americanos e essas se encontram exclusivamente na área
da Base Aérea de Natal, a antiga Parnamirim Field. Já em relação à cidade de Natal,
existem edificações cuja história possuiu ligação direta com o aparato militar
estadunidense, mas outros importantes locais estão ligados aos primeiros anos
da atuação da aviação comercial no Rio Grande do Norte. Entretanto, esses
últimos igualmente continham elementos históricos de sua utilização durante os
anos do conflito (1939-1945). Como resultado final dessa pesquisa, foram
encontradas referências sobre 32 locais históricos utilizados nessas duas
cidades.
O Dr.
João Batista Machado Barbosa decidiu, então, organizar uma visita a essas
edificações, o que efetivamente ocorreu no dia 20 de junho de 2015.
Participaram desse interessante momento membros do Ministério Público Estadual,
além de Ricardo Tersuliano e do pesquisador inglês David Maurice Hassett, ambos
do IAPHACC. Completou o grupo membros de outras entidades, como o Brigadeiro da
FAB (R.R.) Carlos Eduardo da Costa Almeida.
Contudo,
devido a vários fatores inerentes à vontade do Dr. João Batista Machado Barbosa,
o resultado desse trabalho não foi efetivamente utilizado em ações de preservação
do patrimônio histórico. Mas a sua criação não foi em vão!
Após
informar ao Dr. Victor Mariz sobre a existência desse material na reunião
ocorrida no MPF/RN, recebi a incumbência de aprofundar as informações coletadas
em 2015. Nessa pesquisa, contei com a prestimosa colaboração do engenheiro e
jornalista Leonardo Dantas, competente pesquisador do tema Segunda Guerra
Mundial e Presidente da Fundação Rampa, além de João Hélio Cavalcanti, Diretor
do SEBRA/RN, que prestativamente disponibilizou um veículo dessa instituição
para o translado com o objetivo de fazer o levantamento fotográfico desses
locais.
A
partir desse ponto comecei a produzir o texto e, como resultado final, a
pesquisa bibliográfica existente sobre esse tema foi ampliada, com informações
provenientes principalmente das obras produzidas pelos autores potiguares e de
outros estados brasileiros, de autores estrangeiros e documentos de vários
jornais de época. Foi também utilizada documentação oriunda do National
Archives and Records istration (NARA), de Washington, Estados Unidos, o
principal arquivo daquele país. Outros documentos são provenientes da
Biblioteca Nacional, do Rio de Janeiro, alguns dos Arquivos Públicos dos
Estados do Rio Grande do Norte e de Pernambuco, além de documentação do Instituto
Histórico do Estado do Rio Grande do Norte (IHGRN).
Por
meio de uma solicitação do Dr. Victor Mariz, foquei nos locais existentes na
área urbana de Natal e que não estivessem dentro das Bases Naval e Aérea de
Natal, em razão das edificações que ali se encontram estarem preservados por
essas instituições militares. Entretanto, diante das poucas informações
disponíveis, busquei contato com o comando do 17º Grupamento de Artilharia de
Campanha (17º GAC) para realizar uma visita ao ponto onde existiu o chamado
Radiofarol da Limpa, fato que é detalhado neste livro.
Busquei
o máximo de informações históricas possíveis sobre os locais aqui apresentados.
Mesmo assim, devido à falta de elementos e maiores informações sobre outros
locais originalmente listados, o trabalho ficou a 27 edificações.
Finalmente,
no dia 19 de junho de 2019, entreguei ao Procurador da República Victor Manoel
Mariz o material intitulado Relatório de
Edificações Remanescentes em Natal no Período da Segunda Guerra Mundial,
conforme podemos ver pelo documento emitido pelo MPF/RN.
Ao
conhecer a localização dessas edificações, percebi como se desenrolava o dia a
dia de Natal naqueles tempos intensos e marcantes. Muito me chamou atenção a
figura do francês Marcel Roland Girard, que de
representante da empresa aérea Air se tornou o agente consular de seu
país em Natal, com a devida licença assinada pelo Presidente Getúlio Vargas,
poucos dias após seu país se render diante da máquina de guerra nazista.
Isso fez com que a
sede da Air continuasse aberta na Avenida Tavares de Lira, número 34,
Ribeira, onde Girard executava diariamente o ritual hasteamento da bandeira
tricolor em um pequeno mastro defronte a edificação. Descobri também que esse
francês atuou na capital potiguar à frente de uma organização de apoio ao
movimento de resistência sa contra os invasores alemães e recebeu a
atenção de figuras ilustres da terra potiguar, como Elói de Souza. Fiquei
imaginando o clima de fria animosidade que provavelmente existiu entre Girard e
o alemão Enest
Walter Lück e o italiano Guglielmo
Lettieri. Esses dois últimos eram comerciantes bem estabelecidos na Rua Chile, respectivamente, nos números 106 e 161, não muito distante da sede da Air
. Lück e Lettieri atuavam também como representantes diplomáticos de
seus países em Natal e, em 1942, foram condenados a 14 anos de cadeia
por espionagem.
Diante
do material produzido e com o sempre presente apoio e orientação do editor José
Correia Torres Neto, do Caravela Selo Cultural, decidi transformar esse
relatório em um livro que buscasse democratizar a informação histórica e que
fosse útil como material informativo sobre esse período histórico tão caro e
importante para o povo potiguar. A publicação do material foi viabilizada pelo Fundo
de Incentivo à Cultura – FIC, através do Edital número 004/2018, Categoria B –
Apoio ao Patrimônio Material e Imaterial.
Ao
finalizar esse trabalho, ficam meus agradecimentos sinceros aos amigos
jornalistas Carlos Peixoto e Vicente Serejo, que além do belo prefácio, no caso
do primeiro, e da paciência em ouvir meus apontamentos, no caso do segundo,
nunca faltaram com a amizade, atenção e o apoio na realização dos meus
projetos.
Agradeço
igualmente ao Dr. Victor Manoel Mariz pela confiança, atenção, corretos
apontamentos e a ajuda proporcionada durante o processo de pesquisa e
elaboração final do material. Ainda no âmbito do Ministério Público Federal do
Rio Grande do Norte, agradeço igualmente ao Analista e Bacharel em Direito
Leonardo Batista Fontes e à Estagiária Bárbara Suellen Fonseca Braga pela ajuda
sempre presente.
Fica
meu especial agradecimento ao Dr. João Batista Machado, cuja iniciativa, em
2015, proporcionou a criação deste livro. Não me esqueço do amigo Ricardo da
Silva Tersuliano, do IAPHACC, grande batalhador pela preservação da história
potiguar.
Quero também agradecer ao apoio, aos corretos apontamentos e à atenção de Leonardo Dantas, da Fundação Rampa, e da grande ajuda operacional e atenção proporcionados por João Hélio Cavalcanti, do SEBRAE/RN. Ficam meus agradecimentos ao Tenente-coronel Haryan Gonçalves Dias, bem como ao Capitão Renato Esteves Costa, do 17º Grupamento de Artilharia de Campanha, pela atenção na visita que realizamos a essa tradicional unidade do Exército Brasileiro em Natal.
Não esqueço do amigo Ricardo Sávio Trigueiro de Morais, pelo apoio na cessão da foto da capa, que é parte de um rico material iconográfico do período da Segunda Guerra Mundial em Natal, realizado pelo seu avô Saulo Guedes Trigueiro, oficial do Exército Brasileiro durante o conflito e um exímio fotografo amador.
Estou muito satisfeito com o resultado desse trabalho, que
marcam dez anos do lançamento do meu primeiro livro e da sempre positiva
parceria com o amigo José
Correia Torres Neto, do Caravela Selo Cultural.
Mas não posso esquecer que esse 2019 foi um ano de uma grande tristeza, pelo falecimento do meu pai Calabar Medeiros, no dia 9 de julho. Sua ausência é algo muito forte em minha vida, mas seus exemplos estão presentes comigo e sinto que ele está a todo momento ao meu lado.
A Segunda Guerra Mundial possui inúmeras faces na historiografia, mas poucas são fiéis ao fato histórico. Decorridos 80 anos do início da guerra, a sua nuance primordial continua sendo a menos conhecida: o rosto totalitário.
Apoiado em uma investigação
original, este livro oferece respostas a perguntas incômodas e, em regra,
ignoradas: por que o povo europeu — o mais erudito da sua época — não impediu o
avanço totalitário? Por que nações esclarecidas acreditaram nas falsas promessas
de ditadores, permitindo a ruína da democracia? Qual é a real origem da última
grande guerra? Como a barbárie subjugou os mais elementares princípios e
valores da civilização ocidental? Como foi possível o Holocausto?
Para solucionar essas questões, Pelo
Bem da Humanidade esmiúça a trajetória de alguns dos principais
personagens envolvidos no último conflito mundial e os eventos-chave que o
precederam, revelando um semblante oculto e distinto daqueles geralmente vistos
nos compêndios de História.
A obra traz à luz essa
fisionomia totalitária, que, em troca da promessa de construção do paraíso
terrestre, causou a maior tragédia vivenciada pela humanidade. Conhecer os
traços dessa faceta obscura nos permite identificar seus reais genitores e sua
prole disseminada na sociedade atual, ao descortinar o ninho dos crescentes
antagonismos que assolam o Ocidente há várias décadas.
O AUTOR E SUAS
OBRAS
Durval Lourenço Pereira é
tenente-coronel R1 do Exército Brasileiro. Bacharel em Ciências Militares pela
Academia Militar das Agulhas Negras (1990), mestre em Operações Militares pela
Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (1998) e graduado em Cinema, Televisão e
Mídia Digital pela Universidade Salgado de Oliveira (2006).
Foi
assessor militar do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da
República.
É membro da Academia Campineira de Letras, Ciências e Artes das Forças Armadas.
Produziu
e dirigiu os documentários O Lapa Azul: os homens do III Batalhão do 11º
Regimento de Infantaria na II Guerra Mundial; e Navalha:
um batalhão brasileiro na Linha Gótica. É autor do livro Operação
Brasil: o ataque alemão que mudou o curso da
Segunda Guerra Mundial.
Documentos,
fotos e novos capítulos sobre a participação do RN na história do conflito mundial
estão em coleção de livros da Caravela Cultural. Uma dessas informações
inéditas está em “Sobrevoo – Episódios da Segunda Guerra Mundial no Rio Grande
do Norte”, do historiador Rostand Medeiros, que resgata a história de uma queda
de avião no Seridó. A série faz parte de edital lançado pelo SEBRAE
Yuno
Silva – Repórter
Publicado no jornal Tribuna do Norte, edição de quartafeira, 27 de março de 2019, na primeira paginado Caderno Viver.
“A participação do Rio Grande do Norte na Segunda Guerra
Mundial” ainda rende, e muito! A cada remexida em arquivos e documentos, surgem
novas memórias, detalhes e curiosidades sobre esse período importante para a
história mundial e que as cidades de Natal e Parnamirim ainda não souberam
preservar e nem tiara nenhum proveito turístico e/ou museógrafo. Foi aqui,
nessa esquina continental, no início da década de 1940, onde mascaram o
primeiro chiclete, beberam o primeiro chope de máquina, vestiram a primeira
caça jeans e jogaram a primeira partida de fliperama da América do Sul.
Parnamirim, por sua vez, abrigou um dos maiores
entrepostos comerciais do planeta na época do conflito; só aqui no RN era possível
compara meia calça de nylon – no restante dos países, todo o estoque do tecido
sintético criado em 1935 já tinha virado material para fabricação de
paraquedas.
A Segunda Guerra se estendeu entre 1939 e 1945, o Brasil
se envolveu oficialmente a partir de agosto de 1942, e perceber o que restou do
legado norte-americano em terras potiguares exige um olhar atento.
É nesse momento, da necessidade do “olhar atento”, que
entram em cena três novos motivos para revisitar aquele momento de efervescência
urbana, cultural e social que sacudiram Natal e Parnamirim a editora Caravela
Selo Cultural lança no próximo dia 2 de abril, às 11 horas, na sede do
SEBRAE-RN, os três livros que integram a coleção “A participação do Rio Grande
do Norte na Segunda Guerra Mundial”.
São três obras independentes, com abordagens diferentes,
que se complementam e acrescentam mais “molho” no que já se sabe. “São livros
diferentes sobre a mesma temática, e que trazem informações inéditas sobre o
assunto”, assegurou o jornalista, engenheiro civil e pesquisador Leonardo
Dantas de Oliveira, coautor do livro “A engenharia norte-americana em Natal na
Segunda Guerra Mundial”, que ele assina junto com Osvaldo Pires de Souza e
Giovanni Maciel de Araújo Silva.
Completam a coleção uma coletânea “Observações sobre a
Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte”, reunindo artigos científicos e
organizados pelo escritor e editor da Caravela José Correia Torres Neto; e o
livro “Sobrevoo – Episódios da Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte”,
do pesquisador e historiador Rostand Medeiros.
A coletânea, explicou José Correia, reúne textos atuais
produzidos por especialistas e estudiosos da UFRN e de outras universidades de
outros estados. “Boa parte do material que estamos publicando já vinha sendo
organizado e catalogado pelos autores, e quando decidi editar a coleção tivemos
seis meses para deixar tudo pronto para impressão”, lembrou o editor, que
aproveitou o edital Economia Criativa 2018 do SEBRAE-RN para viabilizar o projeto.
“O lançamento da coleção no SEBRAE-RN vai coincidir com
o lançamento da edição 2019 do edital”, avisou Correia.
Papagaio
de guerra
O volume da coletânea organizado pelo editor da Caravela
Selo Cultural traz oito artigos científicos e pelos títulos percebe-se que as
abordagens buscam ir além do lugar comum.
Entre os textos publicados destaque para “Cabarés de
Natal: do esplendor do Cabaré de Maria Boa ao ostracismo do Beco da Quarentena
(1942 – 1950)”, escrito por Jéssica Freire Dalcin, Monique Maia de Lima e
Yasmênia Evelyn de Barros.
Outros artigos buscam ir mais fundo para instigar a
reflexão, como “A busca de um tesouro perdido: o desejo das elites de Natal
(RN) em torná-la uma cidade moderna no século 20”, de Giovana Paiva de
Oliveira; e “Uma cidade marcada por perdas e sonhos: a Natal da Segunda Guerra
Mundial”, de Giovana Paiva de Oliveira em parceria com Ângela Lúcia Ferreira e
Yuri Simonini.
Já o livro de Rostand Medeiros faz, literalmente, um
“sobrevoo” sobre o momento histórico com textos curtos recheados por
curiosidades, detalhes e agens que ainda não tinham sido revelados.
Relatos e depoimentos se misturam a uma narrativa
alicerçada por documentos que comprovam cada afirmação. Medeiros aborda desde a
“Influência das tripulações alemãs em Natal”; casos de espionagem; o resgate
das primeiras vítimas da guerra em Rio do Fogo, litoral norte do RN, em 1941; e
a presença de “Parnamirim Field” na imprensa internacional.
Os autores Leonardo Dantas, José Correia Torres Neto e Rostand Medeiros, junto ao jornalista Yuno Silva, da Tribuna do Norte.
No tocante às curiosidades, destaque para “A pitoresca
história de um papagaio que voou em combate nos céus da Europa”; e a queda de
um avião de guerra modelo Catalina na cidade de Riachuelo, agreste potiguar. O
papagaio “Jock”, inclusive foi notícia em vários jornais e Rostand Medeiros comprova
a história emplumada com fac-símile de uma manchete publicada no jornal carioca
A Noite em 19 de janeiro de 1944 – naquele momento, de acordo com o jornal, “Jock”
acumulava 50 horas de voo e havia sido indicado para receber medalha do
Exército americano.
“Muitas das informações são inéditas, extraídas de
documentos e diários que só foram liberados recentemente”, disse Leonardo
Dantas, que buscou no diário de obras dos batalhões de engenharia notas sobre o
legado deixado pelos norte-americanos na infraestrutura urbana: “Avenidas que
hoje são importantes vias que cortam a capital do RN foram construídas naquela
época. A primeira ‘pista’ de asfalto do Estado foi construída pelos soldados, e
ia do Colégio Ateneu até a base de Parnamirim”.
Nesses diários, também foram colhidos relatos sobre a
alimentação e de como era a hora de descanso dos trabalhadores braçais que
prestaram serviço para o Exército dos Estados Unidos. “Veio gente de outros
estados para trabalhar, pois não tinham mais quem contratar aqui em Natal e
Parnamirim para fazer o que eles precisavam”, completou Leonardo.
Coleção “A participação do Rio Grande do Norte na Segunda Guerra Mundial”
SERVIÇO
Lançamento
da coleção “A participação do Rio Grande do Norte na Segunda Guerra Mundial”,
dia 2 de abril, às 11 da manhã, na sede do SEBRAE-RN em Lagoa Nova. Após o dia
de lançamento, os livros estarão disponíveis na livraria da Cooperativa
Cultural da UFRN.
VIERAM IGUALMENTE DEBATER SOBRE AS HOMENAGENS À TRIPULAÇÃO DESSA AERONAVE, QUANDO ESSE EPISÓDIO HISTÓRICO COMPLETARÁ 75 ANOS EM 10 DE MAIO PRÓXIMO.
Foto de um hidroavião PBY-5A Catalina, do VP-45, junto com militares desse esquadrão de patrulha aérea da Marinha dos Estados Unidos – Fonte – NARA – através do pesquisador Rostand Medeiros.
Fonte – Prefeitura Municipal de Riachuelo-RN
Em 29 de março de 2019, estiveram em Riachuelo o diplomata Daniel A. Stewart e funcionário do Consulado Geral dos Estados Unidos em Recife Stuart Alan Beechler.
A Prefeita Mara Cavalcanti junto ao diplomata americano Daniel A. Stewart, do Consulado Geral dos Estados Unidos em Recife- Foto – Charles Franklin de Freitas Gois.
Entre os objetivos da visita estava um encontro com a prefeita Mara Cavalcanti para conhecer aspectos gerais o município e buscar detalhes sobre o acidente de um hidroavião modelo PBY-5A Catalina da Marinha dos Estados Unidos, ocorrido em 10 de maio de 1944, em pleno período da Segunda Guerra Mundial.
Nesse dia a quase 75 anos, em
um dia bastante nublado, por volta das 3 da tarde, antigos membros da nossa
comunidade testemunharam a queda e destruição dessa aeronave a cerca de 20
quilômetros da pequena Riachuelo, onde então viviam cerca de 200 habitantes.
Foto da época da Segunda Guerra Mundial de um hidroavião Catalina, igual ao que se acidentou próximo a Riachuelo– Fonte – NARA – através do pesquisador Rostand Medeiros.
No desastre pereceram dez
aviadores navais americanos, entre eles o oficial Calder Atkinson, Comandante
do esquadrão de patrulha antissubmarino VP-45, que nesse período tinha base em
Belém, estado do Pará. Nessa época as forças armadas brasileiras lutavam em conjunto
com militares dos Estados Unidos contra as ações beligerantes dos submarinos
alemães e italianos no Oceano Atlântico, que atacaram e destruíram vários
navios mercantes brasileiros e de outros países. O Catalina do VP-45 que caiu
próximo a nossa cidade era uma das aeronaves que participavam das ações de
combate.
Outra visão de um Catalina– Fonte – NARA – através do pesquisador Rostand Medeiros.
Em meio aos destroços foram encontrados os corpos desfigurados do Comandante Calder Atkinson e nove outros tripulantes. Mesmo diante do quadro sinistro, os nossos anteados tiveram todo o cuidado para trazer esses restos mortais para o cemitério da cidade, onde foram enterrados com todo o respeito, dignidade e atenção.
Foto do Comandante Calder Atkinson, que pereceu na queda do Catalina em 10 de maio de 1944– Fonte – NARA – através do pesquisador Rostand Medeiros.
Essa atitude honrada do povo riachuelense chamou à atenção de Daniel Stewart e Stuart Beechler, que informaram que o Consulado Geral dos Estados Unidos em Recife vai participar das homenagens planejadas pela nossa istração municipal para marcar os 75 anos desse episódio. Nessa ocasião estará presente em nossa cidade o Sr. John Barrett, atual Cônsul Geral dos Estados Unidos na capital pernambucana.
Os visitantes que estiveram em Riachuelo. Da esquerda para a direita vemos os Srs. Stuart Alan Beechler e Daniel A. Stewart , do Consulado Geral dos Estados Unidos em Recife, seguido de Rostand Medeiros , escrito e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e o Capitão de Mar e Guerra Fuzileiro Naval (R.R.) Edison Nonato de Faria – Foto – Charles Franklin de Freitas Gois.
Além dos membros dessa representação diplomática e do executivo municipal, vão participar das homenagens a Marinha do Brasil, que estará presente com a Banda de Música do Corpo de Fuzileiros Navais e uma representação oficial do Terceiro Distrito Naval de Natal. Apoiando esse importante intercâmbio entre a Marinha e a Prefeitura de Riachuelo, contamos com a inestimável participação do Capitão de Mar e Guerra Fuzileiro Naval (R.R.) Edison Nonato de Faria, que também esteve junto aos americanos na visita a nossa cidade.
Reunião dos visitantes junto com a Prefeita Mara Cavalcanti – Foto – Charles Franklin de Freitas Gois.
Esse episódio histórico é bastante conhecido dos habitantes da nossa comunidade. Mas recentemente o escritor e pesquisador Rostand Medeiros, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN esteve em Riachuelo em busca de maiores informações sobre o acidente. Esse pesquisador desejava conseguir mais subsídios para o desenvolvimento de um livro sobre a Segunda Guerra no Rio Grande do Norte. Na realização dessa pesquisa Rostand Medeiros contou com o apoio de Aílton de Freitas Macedo, Secretário de istração de Riachuelo, que buscou ajudar com todas as informações possíveis.
O Secretário de istração Aílton Freitas apresentando um dos possíveis locais para a realização do evento dia 10 de maio– Foto – Charles Franklin de Freitas Gois.
Uma das últimas testemunhas
diretas desse episódio é o Sr. José Lourenço Filho, que foi entrevistado, como
também moradores da zona rural e sítios da região. O resultado dessa pesquisa é
um dos capítulos do livro “Sobrevoo – Episódios da Segunda Guerra Mundial no
Rio Grande do Norte”, lançado em 2 de abril do corrente na sede estadual do
SEBRAE-RN, que apoiou a confecção dessa obra.
Livro onde está inserido o episódio da queda dessa aeronave próximo a Riachuelo em 1944. Segundo Rostand Medeiros esse livro faz parte da coleção “A participação do Rio Grande do Norte na Segunda Guerra Mundial”,coleção de três livros produzida pela editora Caravela Selo Cultural e apoio do SEBRAE-RN. Fazem parte dessa coleção os livros “A engenharia norte-americana em Natal na Segunda Guerra Mundial”, de Leonardo Dantas de Oliveira, Osvaldo Pires de Souza e Giovanni Maciel de Araújo Silva., além da obra “Observações sobre a Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte”, reunindo artigos científicos e organizados pelo escritor e editor da Caravela José Correia Torres Neto .
Rostand Medeiros igualmente esteve acompanhando Daniel Stewart e Stuart Beechler nessa visita.
Por volta de oito da manhã eles
chegaram à sede da prefeitura, onde mantiveram uma reunião preliminar com a
Prefeita Mara Cavalcanti, Secretário de istração Aílton Freitas e Sara Gardênia,
Secretária Adjunta. Nesse contato ficou definido como será a realização do
evento de caráter histórico/educativo do próximo dia 10 de maio e foram
tratados aspectos como a localização da cerimônia e a participação das
entidades envolvidas. Depois os visitantes percorreram vários locais da cidade,
seguindo para um encontro com o Sr. José Lourenço Filho, que bastante
emocionado recebeu a todos e narrou alguns fatos relativos ao episódio corrido
em maio de 1944.
O Sr. José Lourenço Filho rememorando para os americanos o episódio de 10 de maio de 1944 – Foto – Charles Franklin de Freitas Gois.
Depois a comitiva seguiu para o Cemitério Municipal, onde os funcionários americanos desejaram conhecer o local onde foram depositados pelos Riachuelenses os restos mortais dos dez aviadores navais. A cova coletiva ficava na área antiga dessa necrópole, junto ao muro da parte posterior desse local. Um dado interessante narrado pelo pesquisador Rostand Medeiros é que na atualidade esses aviadores navais se encontram sepultados em um cemitério militar no estado de Illinois, Estados Unidos, onde seus despojos estão reunidos em um único túmulo, tal como em Riachuelo.
O grupo de visitantes, tendo à frente o Secretário Aílton Freitas visitando o local onde os aviadores navais do seu país foram enterrados em 1944 – Foto – Charles Franklin de Freitas Gois.
Antes do grupo seguir para
o local onde a aeronave Catalina caiu, de forma surpreendente eles puderam
conhecer um objeto original oriundo dos destroços: uma colher de prata com o
símbolo da Marinha dos Estados Unidos e bastante conservada. Essa verdadeira
relíquia histórica atualmente está de posse de uma família riachuelense, que
tem enorme respeito pela peça e a preserva da melhor maneira possível.
Foto – Charles Franklin de Freitas Gois.
Na sequência todos seguiram
por estradas da zona rural, circulando por áreas que estão recebendo boas
chuvas neste ano de 2019. O grupo foi até a área da queda do Catalina, onde
debateram aspectos históricos do episódio.
Daniel Stewart , Stuart Beechler, Aílton Freitas e Rostand Medeiros na área do desastre do Catalina – Foto – Charles Franklin de Freitas Gois.
No retorno a sede de nossa
prefeitura, houve um novo encontro com a Prefeita Mara Cavalcanti e ficaram acertadas
várias deliberações para o evento que ocorrerá em 10 de maio próximo.
A Prefeita Mara Cavalcanti recebendo um presente do diplomata Daniel A. Stewart – Foto – Charles Franklin de Freitas Gois.
Com essa atividade a Prefeitura
Municipal de Riachuelo honrará de forma digna a memória dos militares aliados
que sacrificaram suas vidas em prol da liberdade, bem como a dos nossos
anteados que souberam com extrema dignidade e atenção conceder a esses
aviadores navais o descanso em solo riachuelense.
No próximo dia 2 de abril de 2019, em parceria com o SEBRAE, estarei lançando o livro “SOBREVOO – EPISÓDIOS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL NO RIO GRANDE DO NORTE”, que é parte da “Coleção a participação do Rio Grande do Norte na Segunda Guerra Mundial”.
Além desse meu trabalho, o quinto na minha carreira, eu estarei nesse lançamento ao lado dos amigos Leonardo Dantas e José Correia Torres Neto, que disponibilizarão dois interessantes trabalhos sobre o tema.
Membros do esquadrão VP-45 ao lado de um PBY Catalina, antes da vinda para o Brasi em 1944.
Entre as histórias do meu “Sobrevoo”, trago os fatos do trágico acidente aéreo de um hidroavião Catalina, da esquadrilha VP-45, que caiu em solo Riachuelense no dia 10 maio de 1944, mais precisamente nas terras da Fazenda Lagoa Nova, vitimando 10 aviadores da Marinha dos Estados Unidos.
Rostand Medeiros, José Lourençoe Aínto Freitas
Como autor Dessa obra quero deixar de público os meus mais sinceros agradecimentos ao povo riachuelense. Especialmente a prefeita Mara Cavalcanti, ao Sr. José Lourenço Filho (verdadeira memória viva dessa cidade) e ao amigo Aílton de Freitas Macedo, cuja atenção, o empenho e o gosto que possui pela história de sua terra foram para mim ferramentas preciosas e fundamentais para a concretização desse trabalho.
Trocando informações com as pessoas de uma comunidade rural que conhece bem o episódio.
A imagem aqui apresentada é uma das muitas gravuras existentes no monumental livro produzido pelo explorador holandês, missionário e teólogo Arnoldus Montanus(1625? – 1683). É uma visão finamente gravada da Fortaleza dos Reis Magos, mostrada fortemente armada ao longo do Rio Potengi. No primeiro plano, soldados e nativos podem ser vistos descarregando mercadorias de pequenos barcos que chegavam a terra firme. O título é envolto em um lindo banner, junto com uma grande crista heráldica.
Essa gravura foi publicada em um livro, cujo título original
em holandês era De Nieuwe
en Onbekende Weereld, tendo sido publicado originalmente em
1671. O livro foi traduzido na Inglaterra pelo editor de mapas John Ogilby
sob o título, bastante impressionante e extenso, de “O Novo e Desconhecido
Mundo: ou Descrição da América e do Sul, Contendo a origem dos Americanos e
Sul-terrestres, viagens notáveis para lá, qualidade das margens, ilhas,
cidades, fortalezas, templos, montanhas, fontes, rios, casas, a natureza das
feras, árvores, plantas e lavouras estrangeiras, religião, costumes,
ocorrências milagrosas, guerras antigas e novas: adornadas com ilustrações
tiradas da vida na América e descritas por Arnoldus Montanus”.
Esta obra reflete o fascínio da Europa do século XVII com o
Novo Mundo. Montanus era um ministro protestante e diretor da escola
latina na cidade de Schoonhoven, no oeste da Holanda. Ele escreveu livros
sobre história da igreja, teologia, história dos Países Baixos e povos e
culturas das Américas e da Austrália.
De Nieuwe en Onbekende Weereld tornou-se popular na Europa e foi amplamente lido ao longo de muitos anos. O editor da obra foi o livreiro e gravador de Amsterdã, Jacob van Meurs, que esteve ativo de 1651 a 1680 e se especializou em trabalhos de história e geografia criados ou narrados por viajantes do Novo Mundo. Entretanto Montanus nunca visitou o Novo Mundo e sua obra contém inúmeros erros e concepções fantásticas sobre as pessoas e os animais das Américas. Ele repetiu muitas concepções fantásticas e o mesmo vale para as ilustrações.
No entanto o livro é ricamente ilustrado com 125 gravuras de
cobre, incluindo 32 vistas dobradas, 70 placas, 16 mapas e 7 retratos
incomumente bonitos de exploradores famosos, cada um destes rodeado por
molduradas barrocas.
Mas a bela gravura da Fortaleza dos Reis Magos no início desse artigo não foi a primeira realizada sobre essa praça de guerra, o mais importante monumento histórico do Rio Grande do Norte. Ela é uma adaptação dos quadros intitulados “Fluvius Grandis”(Grande Rio), de autoria do holandês Frans Janszoon Post e pintados bem antes de 1871.
Um desses quadros ilustra o livro de Caspar (Ou Gaspar) Barlaeus, cuja publicação ocorreu em 1647. Essa gravura possui nessa obra a estampa de número 30, estando sem , mas com as características de outras obras assinadas por Frans Post. Mostra a foz do Rio Potengi e a Fortaleza dos Reis Magos, que é apresentado no desenho ao centro, construído em pedra, tendo os seus ângulos em blocos aparelhados, contrastando com o restante da superfície, mais rústica. Igualmente vemos quatro das pontas, o que nos faz supor que o autor estivesse situado sobre o recife que se vê no primeiro plano, que barrava em parte a entrada do rio, com o mar à sua esquerda e o rio à direita.
Sobre as paredes é possível visualizar várias seteiras e nas extremidades pequenas guaritas, provavelmente em madeira, sustentadas com peças inclinadas, que se apoiavam sobre a alvenaria de pedra.
Quadro de Post no Museu do Louvre – Fonte – www.gallerix.ru
Já Erik Larsen, em seu livro Interprète du Brésil (1962 – pág. 186) dá notícia de um outro quadro de Post no Museu do Louvre, em Paris, mostrando a mesma vista, assinado e datado de 1639, que mostra, ao fundo, o Forte dos Reis Magos, os arrecifes (lado esquerdo da imagem) e uma representação do povo Potiguara que habitava a região. Larsen informa também sobre um desenho quase idêntico, existente no British Museum, em Londres.
Já sobre a obra de Frans Post, segundo Franciane Monara da Silva Soares pode-se dizer que ela está dividida em quatro etapas, as quais sofreram diversas mudanças ao longo de seus 40 anos. A primeira fase de Post, intitulada Os anos brasileiros, durou de 1637 a 1644 e foi o momento mais espontâneo e original do pintor. Post reproduziu 18 paisagens brasileiras que representavam as províncias do Brasil controladas por Nassau.
Ainda
segundo Monara, fica claro que as imagens de Post feitas no Brasil eram criadas
a partir de uma motivação econômica e política, pois sua intenção era registrar
a riqueza e organização das terras sob o domínio holandês na América
Portuguesa.
Para
os potiguares essa é a das mais antigas, se não a mais antiga, gravura
representando algo relacionado com a sua terra.
Um extremista, radical e pesquisador, Jack London nunca foi destinado a envelhecer. Em 22 de novembro de 1916, London, autor de Chamado Selvagem, morreu aos 40 anos. Sua curta vida foi controversa e contraditória.
Nascido em 1876, o ano da Batalha de Little Bighorn e da morte do general George Amstrong Custer, o escritor prolífico morreria no ano em que John T. Thompson inventou a submetralhadora. A vida de London personificava a frenética modernização dos Estados Unidos da América entre a Guerra Civil e a Primeira Guerra Mundial. Com sua sede de aventura, sua história de sucesso e suas ideias políticas progressistas,os seus escritos espelhavam a transformação do poder global urbano-industrial.
Com um olhar atento e um senso inato, London reconheceu que um crescente número de leitores do país estava pronto para um tipo diferente de escrita. O estilo precisava ser direto,robusto e vívido. E ele tinha um forte atrativo para os leitores americanos, que eram propensos à nostalgia criativa. Notavelmente, as suas histórias endossavam reciprocidade, cooperação, adaptabilidade e determinação. Em seu universo fictício, lobos solitários morrem e machos alfas abusivos nunca vencem no final.
Local de Memória de London
O Parque Histórico Estadual Jack London, de 566 hectares, fica no coração da região vinícola de Sonoma Valley, a cerca de 100 quilômetros ao norte de San Francisco, em Glen Ellen, Califórnia.
Originalmente essa terra era o local do Beauty Ranch, onde Jack London buscava realizar pesquisas em agricultura científica e na criação de animais, mas também servia para suas inspirações. “Eu saio do meu lindo rancho”, escreveu London. “Entre minhas pernas está um lindo cavalo. O ar é vinho. As uvas são vermelhas com chamas de outono. Do outro lado da montanha Sonoma, neblinas do mar estão volteando. O sol da tarde arde no céu sonolento. Eu tenho tudo para me fazer feliz por estar vivo”.
A variada paisagem bucólica do parque ainda exala essa mesma vibração cativante. Os terrenos oferecem quase 47 quilômetros de trilhas, bosques de sequoias, prados, vinhedos, paisagens deslumbrantes, um museu e exposições. Uma recompensa idílica da paisagem intocada do norte da Califórnia está em plena exibição. Para um viajante em busca de uma fuga distintamente pastoral, fortificada com uma dose rústica da história cultural da Califórnia, o Parque Histórico Estadual Jack London é um local intenso. Também não faz mal o fato do parque estar rodeado por uma infinidade de importantes vinícolas do mundo.
Início Difícil
London cresceu nas ruas mais agitadas de San Francisco e Oakland, em uma família de trabalhadores. Sua mãe era uma espiritualista, que ganhava uma vida conduzindo sessões e ensinando música. Seu padrasto era um veterano incapacitado da Guerra Civil, que trabalhava como fazendeiro, merceeiro e vigia noturno. O provável pai biológico de London, um astrólogo viajante, saiu abruptamente do local antes da chegada do futuro autor.
Quando criança London trabalhava na fazenda, vendia jornais, entregava gelo e levantava pinos em uma pista de boliche. Aos 14 anos ele ganhava dez centavos por hora como operário de uma fábrica de conservas. As miscelâneas e o tédio da vida de trabalho eram sufocantes para um garoto durão, mas imaginativo, que descobrir ao tesouro de livros na Biblioteca Livre de Oakland. Obras de Herman Melville,Robert Louis Stevenson e Washington Irving fortificaram-no para as perigosas delícias da orla de Oakland, onde se aventurou aos 15 anos de idade.
Usando seu pequeno veleiro,o “Razzle-Dazzle”, para pescar ostras e vendê-las a restaurantes e bares locais, ele ou a ganhar mais dinheiro em uma única noite, do que ele poderia trabalhar um mês inteiro na fábrica de conservas. Aqui, na orla decadente entre um submundo de vagabundos e delinquentes, ele rapidamente se juntou a uma tripulação mal-humorada de marinheiros e perdulários.
O roubo, o deboche e a camaradagem eram totalmente estimulantes – pelo menos por um tempo. Mas London queria ver mais do mundo. Então ele embarcou em uma expedição de caça às focas a bordo da escuna “Sophia Sutherland” e viajou pelo Oceano Pacífico até o Japão e as Ilhas Bonin. Ele retornou a San Francisco,trabalhou em uma usina de juta como um aquecedor de carvão, depois partiu para andar nos trilhos, onde caminhou por toda a América e viveu um tempo para a vagabundagem. Tudo antes dos 20 anos de idade.
“Eu nasci na classe operária”,lembrou ele, “e eu estava agora com dezoito anos, abaixo do ponto em que comecei. Eu estava no porão da sociedade, nas profundezas subterrâneas da miséria. Eu estava no abismo, no abismo, na fossa humana, na desordem e no cemitério da nossa civilização. Eu estava com medo de pensar”. Ele então resolveu parar de depender de sua força muscular e se tornar um “comerciante de cérebros”.
De volta à Califórnia, London matriculou-se no ensino médio e ingressou no Partido Trabalhista Socialista. Em 1896 ele entrou na Universidade da Califórnia, em Berkeley, onde durou um semestre antes do seu dinheiro acabar. Em seguida, em julho de 1897, fugiu para o Klondike, Alasca, quando teve a chance de se juntar à famosa “Corrida do Ouro”. Ele ou onze meses mergulhando na vibração sublime das terras do norte, com seu elenco único de garimpeiros e viajantes.
Os silvestres congelados proporcionavam a paisagem agourenta que inflamava suas energias criativas. “Foi no Klondike que me encontrei”, disse London. “Lá ninguém fala muito. Todo mundo pensa. Lá você tem sua perspectiva. Eu tenho a minha”.
Em 1899 ele havia aperfeiçoado seu ofício e grandes revistas começaram a abocanhar suas histórias vigorosas. Quando se tratava de evocar sensações elementares, ele era um perito literário. Se você quiser saber como é congelar até a morte, leia a história contida em Para fazer fogo.Se você quiser saber como é um trabalhador de fábrica se transformar em uma máquina, leia O Apóstata. Se você quiser saber como é sentir o êxtase da vida em seu corpo, leia Chamado Selvagem. E se quiser saber como é viver livre ou morrer, leia Koolau,o Leproso.
A publicação de suas primeiras histórias do Klondike lhe garantiu uma vida de classe média segura. Em 1900 ele se casou com sua ex-professora de matemática Bess Maddern e eles tiveram duas filhas. A aparição de Chamado Selvagem em 1903 fez do autor de 27 anos de idade uma enorme celebridade. Revistas e jornais frequentemente publicaram fotografias mostrando sua aparência robusta, que exalava um ar de vitalidade juvenil. Suas viagens, ativismo político e proezas pessoais contribuíram bastante para os repórteres políticos e colunistas de fofocas.
Intelectual Intenso
London se tornou subitamente um ícone da masculinidade e um importante intelectual público. Ainda assim, a escrita continuou sendo a atividade dominante de sua vida. O novelista E. L. Doctorow descreveu-o apropriadamente como “um grande palavrão do mundo,física e intelectualmente, o tipo de escritor que foi a um lugar e escreveu seus sonhos nele, o tipo de escritor que encontrou uma ideia e girou sua mente sobre isto”.
Em suas histórias, London simultaneamente ocupa perspectivas opostas. Às vezes, por exemplo, o darwinismo social parece ultraar o seu igualitarismo declarado, mas em outro trabalho (ou mais tarde no mesmo) seu idealismo político se reafirmará,apenas para ser desafiado novamente mais tarde.
London flutua e se contradiz,fornecendo uma série de pontos de vista que mudam dialeticamente e que resistem à fácil resolução. Ele foi um dos primeiros escritores a enfrentar seriamente, embora nem sempre com sucesso, as multiplicidades singulares do modernismo. A raça continua sendo um tópico agitado nos estudos sobre London. Angustiantemente, como outros intelectuais importantes do período,suas visões raciais foram moldadas pelas teorias predominantes do racismo científico, que falsamente propagavam uma hierarquia racial e valorizavam os anglo-saxões.
Ao mesmo tempo ele escreveu muitas histórias que eram antirracistas e anticoloniais e que exibiam caracteres não brancos excepcionalmente capazes. Earle Labor, estudioso de Jack London e seu biógrafo oficial descreve as visões raciais do autor como”um feixe de contradições”, e suas inconsistências na raça certamente exigem um exame minucioso.
Uma curiosidade insaciável impeliu London a investigar e escrever sobre uma ampla gama de tópicos e questões. Muito do seu trabalho menos conhecido permanece altamente legível e intelectualmente envolvente. O Tacão de Ferro (1908) é um romance despótico, pioneiro, que prevê a ascensão do fascismo nascido a partir da desigualdade de renda do capitalismo. Esse romance, o mais explicitamente político do autor, foi um precursor crucial para o livro de George Orwell com 1984, e Sinclar Lewis com Não vai acontecer aqui.
Dada a turbulência econômica dos últimos anos, os leitores do O Tacão de Ferro compreenderam prontamente a representação londoniana de uma oligarquia totalitária que constitui “nove décimos de um por cento” da população dos Estados Unidos, detentora de 70% da riqueza total do país.
Seus colegas socialistas criticaram o livro quando ele saiu, porque a utopia coletivista do romance leva 300 anos para surgir – não exatamente a revolução que os compatriotas radicais de London imaginavam. Um realista político, neste caso, ele reconheceu como os mestres capitalistas eram realmente arraigados, astutos e venais.
Jack London também produziu uma exposição do mercado literário em seu romance de 1909, Martin Eden, que critica a loucura da celebridade moderna. Intimamente modelado em sua própria ascensão ao estrelato, a história traça a ascensão de um autor aspirante que, depois de escrever sobre sua saída da classe trabalhadora e alcançar renome, descobre a complexidade estética em um mundo inclinado ao brilho e ao lucro. Tematicamente, o romance antecipa O Grande Gatsby, de Fitzgerald e sempre foi uma espécie de clássico underground entre os escritores, incluindo Vladimir Nabokov, Jack Kerouac e Susan Sontag.
London se tornou ainda mais pessoal em seu livro de memórias confessional de 1913, Memóriasde umalcoólico – John Barleycor, onde ele relata o significado pesado que o álcool – personificado como John Barleycorn – desempenha em sua vida. London parece ciente de que abusa de álcool com muita frequência, mas também proclama que continuará a beber quando necessário. Para muitos esse livro é um estudo de caso clássico de negação pessoal, enquanto outros o veem como uma descida existencial e honesta em direção à essência da autoconsciência.
O problema com John Barleycorn para London (e o resto de nós) é que ele dá e tira. A bebida abre caminho para a camaradagem, oferece um antídoto à monotonia da vida e aumenta as aventuras do ser exaltado. Mas o preço é a debilidade, a dependência e um desânimo niilista que ele chama de “lógica branca”. Notavelmente desprotegida e franca,London revela como a difundida disponibilidade de bebida cria uma cultura de vício.
Como jornalista os artigos de London sobre política, esportes e guerra frequentemente apareciam nos principais jornais. Especializado em fotografia documental e fotojornalismo,tirou milhares de fotografias ao longo dos anos, desde as favelas do lado leste de Londres, até as ilhas do Pacífico Sul. Em 1904 viajou como correspondente de guerra na Coréia para relatar a Guerra Russo-Japonesa.
No ano seguinte London comprou o primeiro pedaço de terra em Glen Ellen, Califórnia, que acabaria se tornando o seu Beauty Ranch. Naquele mesmo ano ele também embarcou por um tour de palestras socialista em todo o país.
Depois do colapso do seu casamento, em 1904, London casou com Charmian Kittrege, o epítome da progressista “New Woman” — atlética e independente —com quem teve um caso durante o seu primeiro casamento. Eles permaneceriam juntos até a morte de London.
Após a publicação de dois romances que se tornariam clássicos, O Lobo do Mar e Caninos Brancos, London começou a projetar seu próprio veleiro de 45 pés, o Snark. Em 1907 partiu para o Havaí e os mares do sul com sua esposa. Uma série de doenças tropicais iria aterrá-lo em um hospital australiano, quando ele foi forçado a terminar a viagem no mês de dezembro seguinte. Embora ele projetasse enorme energia pessoal e carisma, Jack London teve problemas frequentes de saúde ao longo dos anos e seu consumo excessivo de bebidas e cigarros, associados a uma dieta ruim, só pioraram as coisas.
O Fim
London estava bem à frente no jogo imobiliário em 1905, quando começou a comprar terras agrícolas exaustas ao redor de Glen Ellen. Sua intenção era restaurar a terra usando métodos agrícolas inovadores, como terraços e fertilizantes orgânicos. Hoje,docentes conduzem turnês mostrando as práticas agrícolas progressistas e agrícolas sustentáveis de London.
O chalé do autor foi meticulosamente restaurado. O espaço de trabalho, a escrivaninha e a maior parte da mobília é original. A arte e os órios de London estão expostos. Os visitantes podem aprender muito sobre a vida repleta de ação de London e a sua visão agrária. “Eu vejo a minha fazenda”, declarou ele, “em termos do mundo e do mundo em termos da minha fazenda”.
Mas London tirou um tempo de sua fazenda para excursões prolongadas. Em 1911, ele e sua esposa dirigiram uma carroça de quatro cavalos em uma viagem de quase 2.500 quilômetros pelo Oregon. Em 1912 eles navegaram de Baltimore para Seattle, ando pelo temível Cabo Horn como ageiros a bordo do navio “Dirigo”.
No ano seguinte, London ou por uma apendicectomia, e os médicos descobriram seus rins gravemente doentes. Semanas depois a nova casa da fazenda de London, apelidada de Wolf House, foi incendiada pouco antes de sua construção ser concluída. Construída a partir de rochas vulcânicas nativas, era para ser o cume rústico do Beauty Ranch e o avatar arquitetônico de Jack London. Ele ficou arrasado com o fogo e prometeu reconstruir o local, mas nunca teria a chance.
Fotografias tardias mostram London desengonçado e notavelmente inchado – efeitos de seus rins doentes. Apesar de sua saúde se deteriorar, ele continuou produtivo e também permaneceu politicamente engajado.
Nos últimos dois anos de sua vida ele sofreu crises de disenteria, distúrbios gástricos e reumatismo. Ele e sua esposa fizeram duas viagens de recuperação prolongadas para o Havaí, mas London morreu no Beauty Ranch em 22 de novembro de 1916 de intoxicação urêmica e um provável derrame cerebral. Em 18 anos, ele escreveu 50 livros, 20 deles romances.
Lançamento do livro traz consigo carga significativa quando se trata de instrumentos de manutenção da história da cidade do Natal e de todos os seus grandes personagens
Com um conteúdo repleto de belos momentos, “Um apóstolo entre nós” de autoria do historiador Cláudio Galvão traz de forma sublime o trajeto e acúmulo de vida do ilustre doutor Varela Santiago.
O lançamento da obra que retrata diversos relatos sobre esse médico e humanista aconteceu às 17h do dia 28 de dezembro de 2017, quinta-feira, no Hospital Infantil Varela Santiago, na Av. Deodoro da Fonseca, 518, no Centro.
Manoel Varela Santiago Sobrinho, mas conhecido como Dr. Varela Santiago foi fundador do Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio Grande do Norte (IPAI/RN) que é o mantenedor do Hospital infantil Varela Santiago. Sua história é de dedicação e muito empenho na área da saúde e principalmente na concretização do IPAI/RN e do Hospital Infantil Varela Santiago.
O lançamento do livro trouxe uma carga extremamente significativa quando a questão se trata de instrumentos de manutenção da história da cidade do Natal e de todos os seus grandes personagens. A obra será vendida por R$ 70,00, a Av. Deodoro da Fonseca, 518, no Centro e toda a renda arrecadada está sendo doada ao hospital.
Exemplar da 2ª ed. de “O Horto”, que pertenceu a Antônio Isidoro de Medeiros, tio-avô de Rostand Medeiros, que guarda o exemplar.
Auta Henriqueta de Souza nasceu em Macaíba, em 12 de setembro de 1876, filha de Elói Castriciano de Souza e Henriqueta Leopoldina Rodrigues e irmã dos políticos norte-rio-grandenses Elói de Sousa e Henrique Castriciano.
Ficou órfã aos três anos, com a morte de sua mãe por tuberculose, e no ano seguinte perdeu também o pai, pela mesma doença. Sua mãe morreu aos 27 anos e seu pai aos 38 anos.
Durante a infância, foi criada por sua avó materna, Silvina Maria da Conceição de Paula Rodrigues, conhecida como Dindinha, em uma chácara no Recife, onde foi alfabetizada por professores particulares. Sua avó, embora analfabeta, conseguiu proporcionar boa educação aos netos.
Aos onze anos, foi matriculada no Colégio São Vicente de Paula, dirigido por freiras vincentinas sas, e onde aprendeu Francês, Inglês, Literatura (inclusive muita literatura religiosa), Música e Desenho. Lia no original as obras de Victor Hugo, Lamartine, Chateaubriand e Fénelon.
Quando tinha doze anos, vivenciou nova tragédia: a morte acidental de seu irmão mais novo, Irineu Leão Rodrigues de Sousa, causada pela explosão de um candeeiro.
Mais tarde, aos catorze anos, recebeu o diagnóstico de tuberculose, e teve que interromper seus estudos no colégio religioso, mas deu prosseguimento à sua formação intelectual como autodidata.
Continuou participando da União Pia das Filhas de Maria, à qual se uniu na escola. Foi professora de catecismo em Macaíba e escreveu versos religiosos. Jackson Figueiredo (1914) a considera uma das mais altas expressões da poesia católica nas letras femininas brasileiras.
Informativo sobre a venda do livro “O Horto”
Começou a escrever aos dezesseis anos, apesar da doença. Frequentava o Club do Biscoito, associação de amigos que promovia reuniões dançantes onde os convidados recitavam poemas de vários autores, como Casimiro de Abreu, Gonçalves Dias, Castro Alves, Junqueira Freire e os potiguares Lourival Açucena, Areias Bajão e Segundo Wanderley.
Por volta de 1895, Auta conheceu João Leopoldo da Silva Loureiro, promotor público de sua cidade natal, com quem namorou durante um ano e de quem foi obrigada a se separar pelos irmãos, que preocupavam-se com seu estado de saúde. Pouco depois da separação, ele também morreria vítima da tuberculose. Esta frustração amorosa se tornaria o quinto fator marcante de sua obra, junto à religiosidade, à orfandade, à morte trágica de seu irmão e à tuberculose. A poetisa, então, encerrou seu primeiro livro de manuscritos, intitulado Dhálias, que mais tarde seria publicado sob o título de Horto.
Auta de Souza
Aos dezoito anos, ou a colaborar com a revista Oásis, e aos vinte escrevia para A República, jornal de maior circulação e que lhe deu visibilidade para a imprensa de outras regiões. Seus poemas foram publicados no jornal O Paiz, do Rio de Janeiro.
Parte final do verso “Flor do Campo”, publicado inicialmente no ano de 1899 no jornal A Republica, de Natal.
No ano seguinte, aria a escrever assiduamente para o prestigiado jornal A Tribuna, de Natal, e seus versos eram publicados junto aos de vários escritores famosos do Nordeste. Entre 1899 e 1900, assinou seus poemas com os pseudônimos de Ida Salúcio e Hilário das Neves, prática comum à época.
Também foi publicada nos jornais A Gazetinha, de Recife, e no jornal religioso Oito de Setembro, de Natal, e na Revista do Rio Grande do Norte, onde era a única mulher entre os colaboradores.
Henrique Castriciano, irmão de Auta
Venceu a resistência dos círculos literários masculinos e escrevia profissionalmente em uma sociedade em que este ofício era quase que exclusividade dos homens, já que a crítica ignorava as mulheres escritoras. Sua poesia ou a circular nas rodas literárias de todo o país, despertando grande interesse. Tornou-se a poetisa norte-rio-grandense mais conhecida fora do estado.
Aos 24 anos, no dia 7 de fevereiro de 1901, Auta de Souza morria tuberculosa. Foi sepultada no cemitério do Alecrim, em Natal, em 1904 seus restos mortais foram transportados para o jazigo da família, na parede da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Macaíba, sua cidade natal. No ano anterior (1900) havia publicado seu único livro de poemas sob o título de Horto, com prefácio de Olavo Bilac, que obteve significativa repercussão na crítica nacional. Em 1910 saía à segunda edição, em Paris, e, em 1936, a terceira, no Rio de janeiro, com prefácio de Alceu de Amoroso Lima.
POEMAS MUSICADOS
Outro aspecto importantíssimo da obra de Auta de Souza diz respeito a poemas seus que foram musicados por compositores regionais e transmitidos oralmente de uma geração para outra, desde o final do século XIX até hoje.
Notícia da morte de Auta de Souza no jornal A República, em 8 de fevereiro de 1901
Sem considerar aqueles que foram e vêm sendo musicados mais recentemente, e que não tiveram esta vinculação com a tradição oral, tem-se conhecimento da existência de quatorze deles, somando dezesseis ao considerar-se que um deles, Caminho do sertão, conta com três versões melódicas diferentes. Algumas destas canções ficaram conhecidas de norte a sul do país, chegando também a Portugal.
Integrariam esse cancioneiro de Auta de Souza os seguintes poemas musicados: Caminho do sertão, Teus anos, Desalento, Agonia do coração, Ao cair da noite, Ao luar, Meu pai, Nunca mais, Olhos azuis, Palavras tristes, Regina Coeli, À Eugênia, Meu sonho, Rezando (Róseo Menino).
Fonte: GOMES, Ana Laudelina Ferreira. Vida e obra da poeta potiguar Auta de Souza (1876-1901). Disponível no link. (ado 14.5.2013).
POEMAS PSICOGRAFADOS E ORIENTAÇÕES ESPIRITUAIS
Além de seus poemas e de seu cancioneiro, Auta de Souza é conhecida também como uma grande mentora espiritual. Para os seguidores do espiritismo kardecista, que no Brasil hoje somam aproximadamente um milhão e meio de praticantes, a poeta é tida como um espírito superior que atuaria no “planoceleste” enquanto mentora e protetora espiritual.
Fonte: GOMES, Ana Laudelina Ferreira. Vida e obra da poeta potiguar Auta de Souza (1876-1901). Disponível no link. (ado 14.5.2013).
Homenagens
Em 1936, a Academia Norte-Riograndense de Letras dedicou-lhe a poltrona XX, como reconhecimento à sua obra.
Em 1951, foi feita uma lápide, tendo como epitáfio versos extraídos de seu poema Ao Pé do Túmulo: “Longe da mágoa, enfim no céu repousa/Quem sofreu muito e quem amou demais.”
Dionísia Gonçalves Pinto (Nísia Floresta).. [Papary {hoje Nísia Floresta} RN, 12.10.1810 – Rouen, França, 24.4.1885]. Com o pseudônimo de Nísia Floresta Brasileira Augusta, foi educadora, “viajante ilustrada”, “nacionalista”, “pré-feminista”, escritora, abolicionista, ativista dos direitos humanos, indianista e republicana. Mostrou uma preocupação filosófica com o cotidiano brasileiro da época em que viveu e se dedicou a propor uma reforma na educação das meninas no Brasil. Preocupou-se, principalmente, com a educação e o papel das mulheres em nossa sociedade, acreditando que o progresso de uma sociedade dependia da educação que era oferecida às meninas. Para Nísia Floresta, as meninas deveriam estudar porque a mulher exerce uma influência real sobre o destino de seu marido e sobre os destinos das nações e as meninas deveriam ser educadas para terem o reconhecimento da sociedade.
Nísia Floresta escreveu sobre os direitos das mulheres e viabilizou o o à educação de algumas meninas, lutando para que elas valorizassem os estudos. Foi uma educadora que encarou a educação das meninas como uma missão, além de ter discutido a questão indígena de forma singular, valorizando o papel das mulheres, e de ter provocado as autoridades da época ao questionar sobre o poder e a supremacia dos homens brancos. Suas críticas atingiam também mulheres que deixavam os seus filhos e filhas nos braços das amas de leite. Ensinava os valores necessários a uma educadora e afirmava que as mulheres poderiam ocupar os cargos públicos. Defendia a ideia de uma nação civilizada que só chegaria a esse patamar se as mulheres fossem educadas e particiem do contexto social.
Nísia Floresta desafiou uma cultura onde as mulheres não eram valorizadas. Superou diversos opositores, fundou colégios para meninas – como o Colégio Augusto – cobrando, assim, o o das mulheres ao campo do saber.
Nísia Floresta Brasileira Augusta Selo Correios (1954)
Foi cuidadosa e metódica, conseguindo levar a sua mensagem à sociedade da época em jornais lidos pela elite e pelas autoridades. Seu colégio teve existência curta e gerou polêmicas que a impediram de tornar possível muito daquilo que escrevia. O que encontramos em suas obras é um material riquíssimo para os estudos de gênero, pois denunciam o preconceito dos homens em relação às mulheres tal como ocorria no século XIX.
Nísia Floresta, apesar das condições desfavoráveis à mulher, escreveu cerca de quinze títulos ao longo dos seus 74 anos, dentre poemas, romances, novelas e ensaios, sendo alguns reeditados mais de uma vez. Suas obras foram publicadas em diferentes idiomas e muitas dessas foram publicados pela imprensa.
Nísia Floresta, jovem
Nos lugares por onde andou (Recife, Olinda, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Lisboa, Coimbra, Londres, Roma, Florença, Nápoles, Paris, Cannes, Alemanha, Bélgica, Suíça, Sicília, Inglaterra, Grécia, Rouen, entre outros), Nísia Floresta escreveu sobre a condição e a vida das mulheres, sobre a educação para meninas e sobre o que via nesses países, denunciando uma sociedade que legitima as desigualdades, lutando por essa causa em uma época em que as mulheres não eram reconhecidas.
Nísia desejou que todas as mulheres fossem cidadãs. Para isso, elas deveriam estudar e a sociedade teria que ser trabalhada para respeitá-la e inseri-la em todos os setores sociais, sem deixar de lado o seu papel de filha, irmã e mãe.
Sofreu influência do positivismo: o pensamento de que educar a mulher é contribuir para a dignidade da família e do mundo traz impregnado o ideário positivista. Impregnada das contradições de seu tempo, educar a mulher significava contribuir para a dignificação da família, da nação e do mundo. A mulher, para Nísia, servia como “o modelo da família” e deveria conservar a dignidade, através da “educação religiosamente cristã” que ela defendeu. A educação “religiosamente moral” iria ajudar as meninas a não se “desviarem”. Fazia apelos aos pais, buscando uma melhor educação para as mulheres.
Escreveu também sobre o Colégio Augusto, sobre o entendimento que tinha a respeito do que deveria ser a mulher e sobre o que o governo estava fazendo em favor do ensino primário das meninas (capítulo XXXVI do Opúsculo Humanitário). Analisou, ainda, o quadro demonstrativo do Estado da Instrução Primária e Secundária das Províncias do Império e Município da Corte, no ano de 1852. Baseando-se nele, afirmou que o número de alunos que frequentavam as aulas era reduzido para a população da época e apontou o seu olhar para o número de meninas: “a estatística dos alunos que frequentaram todas as aulas públicas monta a 55.5000, número tão limitado para a nossa população, e que neste número apenas 8.443 alunas se compreendem” (Nísia Floresta, 1989, p. 81).
Denunciou o atraso que se encontrava a instrução feminina e nem mesmo as falas presidenciais escaparam ao seu senso crítico. Para ela, as causas que atrapalhavam os progressos na educação eram a falta de interesse e a negligência, por parte do governo da época, o descaso das autoridades que não pensavam nos métodos, não elaboravam as leis e tampouco criavam mais escolas para meninas, ou seja, não se preocupavam com a educação delas.
Além disso, “os encarregados do ensino” eram inaptos e os pais, em muitos casos, não falavam sobre tais problemas. Nísia pesquisou sobre a educação da mulher brasileira. Desejava que a educação da mulher fosse preocupação das autoridades (governo) e do povo brasileiro. Denunciou as casas de instruções que eram dirigidas por pessoas que chegavam de outros países com interesses comerciais, transformando-as em negócio, com raras exceções.
Além disso, fez a crítica ao comércio de escolas, feita por estrangeiros. Criticou os impressos de propagandas da época, que mostravam novidades e ostentação nos colégios que “faziam pretensiosas promessas, contando com a credulidade do público, que era solícito em acolher sem verificar antes” (Floresta, 1989, p. 78).
Muitos desses eram comerciantes e artesãos e, para ela, não deveriam ser preceptores da mocidade brasileira. Mesmo apreciando os talentos dos estrangeiros, no que diz respeito à educação, percebia que eram poucos aqueles que poderiam instruir o povo brasileiro e utilizar o próprio conhecimento, ou seja, oferecer instrução e trabalho.
Nísia Floresta escreveu quinze livros, publicados no Brasil e em países da Europa. As obras originais vem assinado com diferentes pseudônimos: Nísia Floresta, Uma brasileira, Telesilla, F. Augusta Brasileira, N. F. Augusta, ou simplesmente B.A eram alguns dos pseudônimos de Dionísia Gonçalves Pinto.
“Quanto mais ignorante é um povo tanto mais fácil é a um governo absoluto exercer sobre ele o seu poder. É partindo desses princípios, tão contrário à marcha progressista da civilização, que a maior parte dos homens se opõe a que se facilite à mulher os meios de cultivar o seu espírito.” – Nísia Floresta, em “Opúsculo humanitário”. (1853).. [introdução e notas de Peggy Sharpe-Valadares; posfácio de Constância Lima Duarte]. São Paulo: Cortez Editora, 1989. p. 60.
E Testemunhei Sertanejos Entregando Raros Materiais de Lampião e Sua Família a Outros Sertanejos Que Lutam Para Preservar a História!
Autor – Rostand Medeiros
Como já comentei em algumas oportunidades aqui nas páginas do TOK DE HISTÓRIA, recentemente eu tive a oportunidade de retornar ao sertão pernambucano, onde circulei pelas regiões das ribeiras dos rios Pajeú e do Navio, seguindo os antigos rastros dos cangaceiros nos municípios de São José de Belmonte, Serra Talhada e Floresta.
Nesta jornada, realizada no final de maio e início de junho de 2016, eu tive a grata companhia do artista plástico Sérgio Azol, um tranquilo potiguar radicado em São Paulo, que tem a sua interessante arte ligada ao Cangaço.
Os autores Cristiano Luiz Feitosa Ferraz (E) e Marcos Antonio de Sá (D), conhecido como Marcos De Carmelita – Foto – Rostand Medeiros.
Um dos nossos destinos foi à cidade de Floresta, onde fomos recebidos pelos escritores e pesquisadores Marcos Antonio de Sá, conhecido como Marcos De Carmelita, e Cristiano Luiz Feitosa Ferraz, autores do livro “As cruzes do Cangaço – Os fatos e personagens de Floresta – PE”, recentemente lançado.
Em um clima de extrema cordialidade e parceria, estes dois denodados pesquisadores procuraram mostrar vários aspectos da cidade de Floresta e dos fatos relativos ao cangaço na região.
A Bela Floresta e Buscando a História de Como Tudo Começou
Não posso deixar de comentar como a cidade de Floresta me encantou pela singular beleza e pelo povo extremamente hospitaleiro.
A Igreja de Nossa Senhora do Rosário, no município de Floresta, estado de Pernambuco, surgiu a partir de um antigo oratório da Fazenda Grande, dedicado ao Senhor Bom Jesus dos Aflitos – Foto – Rostand Medeiros.
Localizada a 433 km da capital pernambucana, a história de Floresta remonta a segunda metade do século XVIII e sua povoação teve início na fazenda Grande, à margem direita do Rio Pajeú. Consta que a localidade, como muitas no interior do Nordeste antigo, serviu de curral temporário para o gado que vinha da Bahia para Pernambuco e depois seguia para outras regiões mais ao norte.
Em alguns anos, mais precisamente em 31 de março de 1846, o povoado de fazenda Grande foi elevado à categoria de Vila, por meio da Lei Provincial n° 153, apresentado pelo representante de Flores, município também banhado pelo Rio Pajeú, do qual a atual Floresta foi desmembrado.
Praça em Floresta – Foto – Rostand Medeiros
Ainda podemos ver deste período a bela Igreja de Nossa Senhora do Rosário, originária de um antigo oratório da fazenda Grande e dedicado ao Senhor Bom Jesus dos Aflitos. Foram os proprietários da gleba que doaram metade de suas terras para a construção da capela. Esta igreja fica localizada em um ponto particularmente interessante de Floresta, onde se e encontram várias tamarineiras centenárias que dão ao cenário desta parte da cidade uma característica muito interessante para os visitantes.
Mas, apesar de todas as características desta bela cidade, a razão da nossa vinda a Floresta eram os fatos históricos envolvendo esta cidade e o cangaço. E em relação a este tema o que não faltam são episódios, a maioria deles sangrentos. No livro “As cruzes do Cangaço – Os fatos e personagens de Floresta – PE”, brilhantemente escrito por Marcos Antônio de Sá e Cristiano Luiz Feitosa Ferraz, é onde encontramos inúmeros relatos desta intensa história que liga esta cidade a este fenômeno de banditismo rural.
Os autores do interessante livro “As cruzes do Cangaço – Os fatos e personagens de Floresta – PE”, entregando um exemplar do seu trabalho aos descendentes da família Gilo, na fazenda Tapera dos Gilo, local do maior massacre da história do cangaço, fato extensamente narrado no livro – Foto – Rostand Medeiros.
Floresta e a região ao redor é uma cidade umbilicalmente ligada à história do Cangaço e de Lampião, que gravitou muito ao seu redor, desfechando mil ações sangrentas, como a execução daquele que é conhecido como o maior massacre da história deste movimento – O Massacre da Tapera dos Gilo (Sobre este tema ver no TOK DE HISTÓRIA – ).
Realmente não poderia haver melhores amigos e guias do que Marcos de Carmelita e Cristiano, para apresentar sua terra e sua história ligada ao tema Cangaço.
Gostaria de ressaltar que ao visitar Floresta e região, ao seguirmos pelas veredas do sertão pernambucano, eu tinha a ideia de mostrar a Sérgio Azol os locais de nascimento e morte de Lampião. Naquele momento o de nascimento, onde toda a História desta controversa figura começou, estava bem próximo, a alguns quilômetros de Floresta, na região da Serra Vermelha, já na zona rural da cidade pernambucana de Serra Talhada.
Os autores junto com um dos gtuardiões da memória do Cangaço em Floresta e na companhia de Sérgio Azol e Rostand Medeiros – Foto – Péricles Ferraz.
Mas antes de chegarmos a este local Marcos de Carmelita sugeriu que realizássemos uma parada na fazenda Maniçoba, local de morada do Sr. João Alves Barros, conhecido na região como João Saturnino e filho do famoso José Alves de Barros, o Zé Saturnino, ou ainda o Zé Saturnino das Pedreiras, um dos mais importantes inimigos de Lampião.
Mas neste caso para mim, ir até a casa de João Saturnino era um reencontro!
Revendo um Velho Sertanejo!
Voltando no tempo me recordei que quase dez anos antes, em agosto de 2006, eu e o escritor e pesquisador Sérgio Dantas estivemos nesta mesma região da Serra Vermelha, mas com a ideia de seguir para a fazenda São Miguel e visitar o Sr. Luiz Alves de Barros, o Luiz de Cazuza. Este era um sobrinho de Zé Saturnino, que conheceu na sua juventude o rapaz Virgulino Ferreira da Silva, que se tornaria o famoso Lampião.
Rostand Medeiros e João Saturnino em 2006 – Foto – Sérgio Dantas.
Na ocasião deixamos para trás a próspera cidade de Serra Talhada, depois seguimos pela estrada estadual PE-390, onde percorremos cerca de 30 km até o ponto onde se inicia a “Estrada José Saturnino”, que na época tinha uma nova e grande placa indicativa, e seguimos em direção a fazenda São Miguel.
Ao seguirmos por este caminho de barro o amigo Sérgio Dantas recordou que aríamos nas terras da fazenda Maniçoba, diante da casa de João Alves Barros, o João Saturnino, filho do grande inimigo de Lampião. Animado com a informação eu sugeri a Sérgio Dantas que realizássemos uma parada para bater um papo com ele. Mas Sérgio, prudentemente, comentou que tinha a informação que João Saturnino era tido como arredio a pessoas estranhas e não gostava de conversar sobre coisas do ado que envolvia as lutas do seu pai com a família Ferreira. Isso ocorria principalmente diante das inúmeras acusações que, em sua opinião, buscaram transformar seu pai, um homem sério e honesto, perseguido por bandidos, em um pária da sociedade.
José Alves de Barros, o Zé Saturnino, ou ainda o Zé Saturnino das Pedreiras, um dos mais importantes inimigos de Lampião – Foto – Arquivo do autor.
Mas nós estávamos a mais de 700 km de nossa cidade, Natal, capital do Rio Grande do Norte, e ali morava o filho do homem que, de uma maneira um tanto torta, havia realizado ações que iniciaram a vida de cangaceiro de Lampião. Opinei que valia a pena tentar uma parada e Sérgio aceitou.
Encontramos João Saturnino com um canivete na mão, cortando algo e sentado em um tamborete diante de sua casa. Mesmo com mais de setenta anos de idade na ocasião, cabelo e barba totalmente brancos, ele transparecia força e isso eu senti na sua voz, forte e profunda, e no jeito bem sertanejo de agir. Ele nós recebeu sem maiores atenções, sem esboçar muitos sorrisos, reservado, com certa desconfiança, sem se mostrar animado, mas também não rejeitou nossa presença e nem foi indelicado. Igualmente nós não iniciamos nosso diálogo com nada relativo ao cangaço.
Na verdade nem me recordo como iniciamos nossa conversa. Mas me lembro bem que em algum momento ele comentou que no final da década de 1950 havia trabalhado nas obras da rodovia Belém-Brasília. Foi quando me lembrei da história de um grave acidente que aconteceu durante a criação desta rodovia, que naquela época foi considerado uma verdadeira tragédia e tido muita repercussão no país inteiro – O acidente que provocou a morte do engenheiro Bernardo Sayão.
O caso ocorreu em 15 de janeiro de 1959, a uns 30 quilômetros da cidade maranhense de Imperatriz, quando o engenheiro carioca Bernardo Sayão Carvalho Araújo, chefe geral da obra, estava sentado em uma mesa de campanha examinando um mapa e uma árvore de 40 metros de altura caiu sobre ele matando-o na hora. João Saturnino contou, com extrema calma e voz firme, que lembrava do fato e que aquela morte se tornou uma verdadeira tragédia para os trabalhadores que tocavam o desenvolvimento daquela estrada no meio da floresta. Isso ocorreu pelo desaparecimento do homem que, pela sua firmeza de caráter e profissionalismo, era o verdadeiro motor no desenvolvimento da rodovia Belém-Brasília.
Serra Vermelha em 2006 – Foto – Rostand Medeiros
De alguma forma estranha, relembrar aquele episódio triste quebrou o gelo entre nós e o velho sertanejo. Aquilo abriu o caminho para que pudéssemos conversar com mais calma e tranquilidade sobre o cangaço, seu pai e Lampião.
Recordo-me que amos quase duas horas conversando com João Saturnino. Nós o deixamos bem a vontade para que ele conversasse o que desejasse sobre aqueles episódios do ado.
O velho sertanejo narrou que nasceu em 9 de outubro de 1929, contou aspectos da propriedade, da vida de seus pais, da questão contra os Ferreira e outras coisas. Mas em síntese ele não contou nenhuma informação dita “bombástica”, ou algo que já não estivesse em algum livro sobre o tema.
Mas está ali junto daquele homem foi muito positivo e interessante. Creio que para ele ocorreu o mesmo sentimento em relação aquele encontro, tanto que ele ou a mostrar alguns poucos objetos pessoais, herança de seu pai, que pensou ser interessante apresentar aos dois visitantes potiguares.
2006 – Parte de um velho punhal e uma espora quebrada – Objetos que pertenceram Antônio Ferreira e foram perdidos no primeiro combate da vida de Lampião? – Foto – Rostand Medeiros
Dois dos objetos apresentados – Um velho e carcomido punhal e uma espora quebrada – a princípio não me chamaram atenção. Mas o que João Saturnino comentou sobre eles certamente me fez mudar totalmente de ideia. Informou que aqueles objetos haviam sido encontrados no mesmo local onde pela primeira vez os irmãos Ferreira abriram fogo contra seu pai e outros homens. O fato se deu no ano de 1916, mais precisamente no início do mês de dezembro, no lugar Lagoa D’Água Branca, no sopé da Serra Vermelha, a alguns quilômetros da fazenda Maniçoba.
Neste tiroteio Antônio Ferreira, o irmão mais velho de Lampião, saiu ferido com um tiro, mas sobreviveu. E foi durante aquele histórico combate que aqueles dois objetos foram perdidos, provavelmente por Antônio Ferreira.
Estas peças foram encontradas muitos anos depois, já carcomidos e quebrados, por pessoas que trabalhavam para João Saturnino. Este por sua vez os guardou com cuidado. Ele contou que pessoas tinham colocado dinheiro para adquiri-los em algumas ocasiões, mas ele recusou vendê-las.
Observamos estas peças com atenção, interesse e na sequência elas foram fotografadas. Mas com o ar das horas, diante do encontro anteriormente marcado com o Sr. Luiz de Cazuza, percebemos que seria necessário nós despedirmos de João Saturnino.
Logo partimos da fazenda Maniçoba para a fazenda São Miguel, onde se realizou outro produtivo encontro e depois seguimos viagem já tarde da noite. Percorremos cerca de 70 quilômetros, até a bela e serrana cidade de Triunfo.
Reencontro e Surpresa
ados quase dez anos eu iria me reencontrar com João Saturnino e com as terras da fazenda Maniçoba.
2016 – Reencontro com João Saturnino – Foto – Rostand Medeiros
Durante o trajeto de Floresta até a casa de João Saturnino, eu comentei com os amigos sobre este encontro de 2006 e estes objetos. Foi quando Marcos de Carmelita comentou que conhecia este material histórico e que verdadeiramente os venerava pelo que eles representavam na história do Cangaço. Sérgio Azol então se interessou por fotografá-los.
Chegamos à fazenda Maniçoba na manhã do dia 2 de junho, por volta das oito horas e lá encontrei João Saturnino.
Marcos de Carmelita, João Saturnino, Rostand Medeiros e Cristiano Ferraz – Foto – Rostand Medeiros
Como seria natural depois de dez anos, o encontrei transparecendo claramente a ação dos seus 87 anos de idade. Parecia que carregava um peso nas costas, onde suas pernas pareciam não sustentar seu corpo anteriormente rijo. Entretanto a voz rouca e grossa estava ali presente, assim como sua lucidez, pois sem maiores dificuldades relembrou nosso encontro de 2006 e perguntou como estava o escritor e pesquisador Sérgio Dantas.
O punhal e a espora em 2016 – Foto – Rostand Medeiros.
Sérgio Azol desejou fotografar o filho de Zé Saturnino, que aceitou, mas reclamou por que sua esposa, Dona Olímpia Cavalcante Nogueira, queria que ele vestisse uma camisa mais arrumada e penteasse os cabelos brancos para sair bonito nos retratos.
Depois Marcos de Carmelita perguntou a João Saturnino se seria possível que Sérgio Azol e eu, que havíamos vindo de São Paulo e Natal, pudesse fotografar aqueles raros objetos. E assim foi feito!
Arquivo do autor
Marcos pegava nos objetos com extremo cuidado e nítida emoção, enquanto isso eu e Sérgio os enquadrávamos nas objetivas de nossas máquinas fotográficas e os clicávamos apenas como registro.
Não sei se estou certo, mas creio que diante daquele reencontro com a minha pessoa e com Marcos de Carmelita, principalmente diante da veneração do amigo Marcos pelos objetos, foi que João Saturnino, para espanto geral dos visitantes, disse que Marcos de Carmelita poderia levá-los como um presente. Mas com a contrapartida que elas fossem bem cuidadas. Nessa hora eu olhei para o meu amigo de Floresta e me espantei com a sua própria cara diante das palavras de João Saturnino.
Sacramentando a entrega dos materiais – Foto – Rostand Medeiros.
Para aquele homem velho, marcado pelo tempo e pela história do seu pai e de Lampião, aquelas peças carcomidas possuem um muito valor muito especial e evocam vastos sentimentos. Provavelmente ele viu estes mesmos sentimentos presentes no semblante de Marcos de Carmelita e decidiu lhe entregar peças que genuinamente pertenceram ao primeiro combate de Lampião e seus irmãos em toda sua história de inúmeros confrontos e tiroteios.
João Saturnino e sua esposa – Foto – Sérgio Azol.
Talvez, sem querer, naquela manhã na fazenda Maniçoba o velho João Saturnino me deu uma simples, clara e enorme lição – A de que ninguém é eterno e ninguém é dono da História!
No Lugar Original Onde Nasceu Lampião e Novas Surpresas
Mas aquele 2 de junho de 2016 ainda guardava mais situações interessantes.
Da fazenda Maniçoba seguimos para conhecer o local exato onde Virgulino Ferreira da Silva nasceu – A propriedade agem das Pedras.
Foto das ruínas da casa onde nasceu Lampião, no livro !Lampião, cangaço e Nordeste”, de Aglae Lima de Oliveira, pág. 33, Edições O Cruzeiro, Rio, 1970.
Da porteira de um empreendimento turístico, onde supostamente está uma casa que foi de uma tia de Lampião e que foi reconstruída há alguns anos, seguimos a esquerda por uma estrada de terra bem rústica e maltratada.
Logo estava diante do riacho São Domingos, trecho fluvial extensamente comentado nos muitos livros sobre a vida de Virgulino Ferreira da Silva, o famoso Lampião.
Vencendo as barrancas do Riacho São Domingos e suas areias – Foto – Rostand Medeiros
ar pelas barrancas do São Domingos com nosso Renault Sandero 1.0 não foi lá muito positivo para o veículo, mas nem que eu ficasse só com a volante na mão e o carro todo destruído pela estrada, eu queria chegar até aquele local.
A propriedade agem das Pedras, onde estão as ruínas da casa onde nasceu Lampião, atualmente pertence ao Sr. Camilo Nogueira, um sertanejo tranquilo, que carrega no rosto os anos de muita labuta em uma terra marcada pelo sol, mas que nós recebeu com um sorriso caloroso e uma saborosa e geladinha água. Água que não foi trazida do fundo de um antigo pote de barro, mas de sua moderna e eficiente geladeira elétrica. Aquela água foi bem vinda, pois o sol cada vez mais esquentava a terra, mas eu, Marcos, Cristiano e Sérgio estávamos todos bem a vontade.
Seu Camilo – Foto – Sérgio Azol
Com extrema atenção Seu Camilo nós levou até uma área próxima a lateral de sua residência, em um ponto cercado e coberto de vegetação típica de caatinga. Ele comentou que a sua família tinha adquirido há anos aquelas terras que pertenceram a família Ferreira e onde estão as ruínas da casa onde nasceu Lampião.
A área onde estão as ruínas é toda cercada – Foto – Rostand Medeiros
Nesta área logo ele mostrou vários tijolos vermelhos quebrados e pedaços destruídos de telhas, apontando que certamente ali existiu uma morada. Seu Camilo faz questão de deixar o local preservado, com a vegetação crescendo livremente e os tijolos quebrados e pedaços de telhas espalhados na terra. Ele informou que não deixa ninguém retirar nada. E como essa não era a nossa intenção naquele lugar, a única coisa que tiramos nas ruínas da casa onde nasceu Lampião foram fotos, muitas fotos.
Local das ruínas – Foto – Rostand Medeiros
Percebi no local a existência dos alicerces originais da casa, mostrando que era uma vivenda com certas dimensões que me surpreenderam. Confesso que esperava algo menor.
Enquanto percorríamos a área me dei conta de quanto interessante era está naquele singular local. Estava distante de muitas coisas e fiquei imaginar o porque dali saiu uma das figuras mais biografadas das Américas, que no final das contas foi um fora da lei!
Foto – Rostand Medeiros
Como bem escreveu o jornalista baiano Juarez Conrado, já falecido, em um texto muito interessante, escrito por ocasião da morte de Zé Saturnino e publicado no jornal soteropolitano “A Tarde”, edição de 5 de setembro de 1980. Ali o jornalista muito bem sintetizou o início desta grande querela – “Impressionante o fato de um simples furto de bodes, tão comum nos longínquos anos de 1910 a 1920, haver se constituído no ponto de partida para uma das mais emocionantes histórias do banditismo em toda América Latina, fazendo com que um dos seus personagens, um tímido e bem comportado garoto, do interior de Pernambuco, se transformasse numa figura legendária, da qual ainda hoje se ocupam jornalistas, pesquisadores e, principalmente, sociólogos, todos eles interessados em conhecer de perto detalhes da vida desse homem que marcou época nos sertões brasileiros”.
A Serra Vermelha, no caminho para a agem das Pedras – Foto – Rostand Medeiros
Enquanto fotografávamos a área, Marcos de Carmelita, amigo de longa data de Seu Camilo, lhe comentava sobre o objetivo daquela visita, quem era eu e Sérgio Azol e de onde viemos. Ele também comentou sobre a visita a João Saturnino e os maravilhosos e históricos regalos recebidos. O velho sertanejo achou tudo muito interessante e comentou que em sua propriedade também existiam objetos de trabalho que haviam pertencido originalmente a família Ferreira.
Peças e engrenagens do engenho de moer cana-de-açúcar que existia na propriedade da família Ferreira – Foto – Rostand Medeiros
Percebi no semblante de Marcos de Carmelita outro susto e dos grandes!
Seu Camilo então comentou que durante a questão entre eles e Zé Saturnino, quando a família de Lampião se deslocou para uma propriedade denominada Poço do Negro, já na área de Floresta, deixou com a Sra. Antônia Nunes, conhecida como Dona Totonha, muito objetos típicos da lide no campo. Ela ficou com a guarda temporária, mas ninguém retornou para buscar nada e tudo ficou por lá.
Antiga balança dos Ferreira – Foto – Rostand Medeiros
Seu Camilo nós apresentou algumas peças e engrenagens do engenho de moer cana-de-açúcar que existia na propriedade. Além disso Seu Camilo trouxe dois antigos prumos (aparentemente de bronze), dois serrotes de aparar ponta de chifres de boi, duas esporas, uma pequena balança, um enxó e outro materiais. Na prática eram ferramentas típicas de pessoas que viviam no campo, encontrados em muitas fazendas pelo interior do Nordeste. Evidentemente que eram materiais com determinado peso histórico, pois pertenceu à propriedade agem das Pedras, local de nascimento de Lampião.
Foto – Rostand Mdeiros
Mas entre os materiais apresentados, um deles me chamou muito atenção – Um nível de bolha inglês, ricamente trabalhado, que teria pretensamente pertencido a José Ferreira, pai de Lampião.
O nível nada mais é que um tradicional instrumento para indicar ou medir inclinações, muito utilizado por carpinteiros, pedreiros, engenheiros, agrimensores e muitos outros profissionais. O chamado nível de bolha é quando este tipo de ferramenta possui um pequeno recipiente, com certa quantidade de um liquido viscoso, onde em seu interior fica aprisionado uma bolha de ar que serve para indicar a existência de inclinação em planos horizontais e verticais caso a bolha se posicione para fora de uma área previamente demarcada.
O nível com bolha produzido pela empresa John Rabone and Sons, de Birmingham, Inglaterra que seria uma ferramenta que pertenceu ao pai de Lampião – Foto – Rostand Medeiros
Confesso que em muitos anos visitando inúmeras fazendas e propriedades antigas pelo Nordeste do Brasil, foi a primeira vez que me deparei com este tipo de instrumento. É uma bela peça, que possui a parte superior feita de bronze e madeira de mogno americano no corpo central. Mas interessante mesmo era a origem do artefato!
Foto – Rostand Medeiros.
Pesquisando inicialmente eu descobri que aquilo era um nível produzido pela empresa John Rabone and Sons, de Birmingham, no centro oeste da Inglaterra. Esta grande cidade experimentou uma explosão de crescimento populacional e econômica, com o advento da Revolução Industrial, da qual Birmingham foi um dos primeiros e mais bem sucedidos centros. Descobri também que a empresa John Rabone and Sons teve suas origens como fabricante de ferramentas gerais em 1784 e o negócio foi continuado pelo neto de John Rabone, Eric. Operou-se sob o nome de John Rabone and Sons de 1784 até 1953.
Continuei pesquisando nos jornais da Biblioteca Nacional e descobri que a firma John Rabone and Sons era conhecida no Brasil pelo nome simplificado de “Rabone” e encontrei algumas referências aos produtos desta empresa, mas focado principalmente em trenas de medição, com vários metros de comprimento, possuindo fitas métricas de aço, ou de “panno”, como se escrevia na época. Mas não encontrei nenhuma referência de venda de níveis de bolha como aquele apresentado por Seu Camilo.
Foto – Rostand Medeiros
Aquela peça em si abriu um leque de inúmeros questionamentos para mim.
Como algo como aquilo chegou ao Ferreira?
Para que eles utilizavam aquele tipo de ferramental mais especializado e, até onde sei, um tanto raro no sertão do ado?
Quais eram os saberes, os fazeres, as artes que as mãos e o suor dos Ferreira produziam?
Então foi que me dei conta que na verdade pouco se sabe da vida de Lampião no seu dia a dia antes dele virar cangaceiro. Pouco se sabe de sua singela vida, quando ele era apenas filho de José Ferreira, se chamava Virgulino Ferreira da Silva e vivia no lugar agem das Pedras.
Foto – Rostand Medeiros
Segundo Seu Camilo, através da tradição oral local, existe a informação que os membros da família Ferreira sabiam construir casas, eram muito habilidosos e práticos. Existe inclusive restos de um forno de produção de tijolos e telhas no local. Realmente esta parte das habilidades dos Ferreira merece pesquisa mais apurada.
E tal como ocorreu com João Saturnino, diante da atenção que devotávamos aquelas peças e do interesse de Marcos de Carmelita em preservá-las, Seu Camilo decidiu doar tudo ao pesquisador e escritor florestano. Eu vi e presenciei tudo aquilo!
Marcos de Carmelita comentou que já tinha conhecimento daquele material, pois já tinha feito diversas visitas de pesquisas a esses locais e queria que os outros também pudessem ver com seus próprios olhos. Mas jamais imaginou que algo assim pudesse acontecer.
Casa na região da agem das Pedras – Foto – Sérgio Azol.
As descobertas chocaram a todos que ali estavam. Já no nosso retorno a Floresta, sentimos o dever de comunicar aos outros pesquisadores do tema Cangaço estas descobertas. Pessoalmente fiquei muito feliz quando pedi a Marcos de Carmelita para ter o privilégio de deixar essa matéria em minhas mãos, onde construí este texto com muita responsabilidade.
Depois que eu e Sérgio Azol partimos de Floresta em direção a Piranhas, Alagoas, Marcos de Carmelita retornou a casa de Seu Camilo na companhia de Denis Carvalho, bacharel em direito residente em Floresta, pesquisador do cangaço focado no conhecimento dos punhais dos cangaceiros e objetos antigos. Juntos eles fizeram um inventário do material.
Antigo quartel da Força Pública em Floresta. Atualmente em ruínas, mas merecendo uma recuperação pela sua importância histórica.
Segundo me narrou Marcos de Carmelita, o que ele, Cristiano, Denis e outros membros do GFEC – Grupo Florestano de Estudos do Cangaço sonham para o destino destas peças é que elas venham a fazer parte de uma exposição permanente no prédio do antigo batalhão das forças volantes, na Praça major João Novaes, no centro de Floresta.
Construído originalmente para ser um seminário em 1928 abrigou o 3° Batalhão da Força Pública da Polícia Militar de Pernambuco com a intenção de combater o cangaço. Depois da Revolução de 1930 o Batalhão foi transferido de Floresta, ficando o prédio desativado. Depois serviu para o Pensionato da Divina Providência. Infelizmente o local se encontra atualmente em ruínas, existindo projetos para a sua recuperação, mas que nunca seguiram adiante.
O autor deste texto na região da propriedade agem das Pedras – Foto – Sérgio Azol.
Marcos acredita que neste local histórico, além de contar com uma área onde existiria uma exposição permanente com estas peças ligadas a família Ferreira, além de outras ligadas a questão do cangaço e que pertencem a pessoas em Floresta, poderia igualmente abrigar um centro de cultura e artesanato. Este seria principalmente focado nos trabalhos de couro existente na região e nos materiais tradicionais produzidos pelas comunidades indígenas.
Como comentei anteriormente, eu vi a entrega destes materiais e acredito que eles estão em boas mãos. Nas mãos de pessoas que acreditam na democratização da informação histórica e na preservação.
ALGUMAS IMAGENS DESTA COLEÇÃO SÃO MATERIAIS DE ENORME VALOR PARA HISTORIADORES POTIGUARES E NORDESTINOS DE MANEIRA GERAL, COMO ESSE MAPA DO BRASIL PUBLICADO PELO IRLANDÊS-AMERICANO MATHEW CAREY EM 1814. NESSE CASO, DEVIDO A BOA RESOLUÇÃO DA IMAGEM, É POSSÍVEL VISUALIZAR COM ALGUMA QUALIDADE A REGIÃO LITORÂNEA DO RIO GRANDE DO NORTE, PARAÍBA, PERNAMBUCO E PARTE DO CEARÁ. AQUI PODERMOS OBSERVAR ALGUNS ACIDENTES GEOGRÁFICOS DA COSTA DESTES ESTADOS, COM NOMES QUE SE MANTIVERAM ATÉ OS DIAS ATUAIS.
Acervo contém fotos e ilustrações que mostram cenas do cotidiano e personagens comuns do país entre os séculos 19 e 20
A Biblioteca Pública de Nova Yorkdigitalizoucerca de 180 mil imagens de seu acervo e disponibilizou fotos e ilustrações – algumas inéditas em plataforma digital – do Brasil na era imperial.
São imagens de livros antigos que mostram escravos, índios, soldados, fauna e flora, nobreza e algumas cenas do cotidiano das metrópoles do país nos séculos 19 e 20. Entre o material digitalizado estão fotos inéditas comoessade Dom Pedro II.
FOTO DE D. PEDRO II, IMPERADOR DO BRASIL, NO SÉCULO 19.
O arquivo conta com livros como The Negro in The World, publicado em 1910 pelo explorador inglês Sir Harry Johnston, e o Livro de Figurinos do Exército Imperial Brasileiro de 1866,compiladopor um médico holandês e doado à biblioteca em 1911.
Outro livro digitalizado é o “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil”, de Jean-Baptiste Debret, que chegou ao país com a Missão sa em 1816. Depois de uma estadia de 15 anos, o pintor e desenhista produziu uma das fontes mais relevantes de imagens sobre a fauna e a flora e a sociedade brasileira da época.
GRAVURA DE UMA VENDA NO RECIFE DO SÉCULO 19, PELO ARTISTA JOHANN MORITZ RUGENDAS.
Jornal “A República”, Natal-RN, 3 de dezembro de 1919
Manuel de Oliveira Lima foi um ilustre escritor, crítico, embaixador do Brasil em diversos países, professor-visitante na Universidade de Harvard e membro fundador da Academia Brasileira de Letras (ABL). Em novembro de 1919 ele esteve em terras potiguares e o blog TOK DE HISTÓRIA traz na íntegra o interessante relato do próprio Oliveira Lima sobre essa visita.
NOTA – Este material foi originalmente publicado no site http://www.consciencia.org/
É um ótimo sinal quando se chega a uma terra que não é uma terra de arte como a Itália ou a Grécia, ou uma terra de incomparáveis belezas naturais como o Japão ou a Suíça, e as coisas que há a mostrar ao estrangeiro são escolas e hospitais.
Quer isto dizer que essa terra acalenta as preocupações sociais sem as quais qualquer comunidade se torna improgressiva e infecunda do ponto de vista humano. Como o Rio Grande do Norte parece precisamente que nutre e dá, pelo que verifiquei, expansão a semelhantes preocupações, sendo isso tanto mais de irar quanto é um dos Estados mais pobres da Federação.
É clássica a pilhéria de que os vencimentos dos seus empregados públicos se pagavam em parte com jerimuns, cuja abundância era notável ao lado da escassez do numerário. As circunstâncias decerto mudaram: os jerimuns devem ter diminuído ao ponto que os não vi e achei pouco delicado perguntar por eles, e o numerário, se não cresceu muito, tem sido aproveitado com tamanha felicidade que tem chegado para dotar-se o Estado de boas escolas, entre elas notáveis grupos escolares, e atender-se a serviços de assistência aos doentes, aos loucos e aos desvalidos.
Ao aproximarmo-nos de Natal, ao largo da linha negrft dos arrecifes, antes de dobrarmos a fortaleza dos Reis Magos, inofensiva hoje mas sempre pitoresca, que a patina secular embeleza e o senso da tradição faz conservar, e de subirmos o amplo Potengi, avista-se no cimo de um morro, a cavaleiro da praia onde se quebram as ondas e com um horizonte de colinas cobertas de uma vegetação escura, um grupo de construções. São o hospital, a cadeia e o asilo, o primeiro e o último já remodelados de maneira a preencherem adequadamente os seus fins.
O desvelo manifestado por semelhantes assuntos de pedagogia e de assistência honra o espírito público dos dirigentes. Mas também os dirigidos se distinguem pela sua cordura e urbanidade.
Coleção TOK DE HISTÓRIA
Tem-se a impressão de lidar com gente boa, de sentimentos mais pacíficos, e de fato o sertão do Rio Grande do Norte destoa dos sertões vizinhos em não apresentar essa feição peculiar do banditismo. A população acusa, portanto, uma superior disposição moral. Por quê? Não saberia dizê-lo, nem me deram disso a razão. O Rio Grande do Norte tem ainda falta de sociólogos. A superior mentalidade feminina que observei deverá ser, antes do que causa, resultado daquela condição do meio.
É curioso verificar esse maior desenvolvimento intelectual da mulher, que se sente como se sente que já vem de longe o favor que merece o ensino. A primeira formação espiritual da notável escritora que foi Nísia Floresta fez-se no agreste de Papari, desabrochando das brenhas essa flor de civilização. Outras senhoras continuam e zelam semelhante tradição, que dota a inteligência do seu sexo de uma maior independência e de uma maior amplidão. A Escola Doméstica de Natal, da qual não é exagero quanto se disser de bom que não tem sua parelha no Brasil, nem mesmo noutros países, havia forçosamente de adaptar-se ao meio, nele se sentido à vontade.
Ouvi que exerceram grande influência em Natal na sua atividade de educadoras duas americanas, Miss Reed e Miss Porter, se não me engano. Miss Leora James, a diretora incomparável da Escola Doméstica, que pela organização e pela disposição parece um pedaço dos Estados Unidos encravado no Rio Grande do Norte, não faz mais do que seguir-lhes as pegadas na esfera que lhe proporcionou a lúcida iniciativa do Governo.
A educação americana é útil pelo seu espírito prático adequado às vicissitudes da vida, pelo bom humor que preside ao seu desenvolvimento, por uma tonalidade que não é apenas jovial mas altamente eficiente. Considero-a vantajosa para a nossa mentalidade mais formalista e mais pautada pelas convenções. Nos discursos pronunciados na festa literária pelas alunas graduadas da Escola Doméstica pode perfeitamente notar-se esse influxo americano. Nem sentimentais, nem bombásticos, esses discursos, por elas elaborados, foram todos reados de um humourque se casa perfeitamente com a saudade descrevendo um, com a franqueza da despedida, episódios da vida escolar, esboçando outro com uma ponta de malícia mas sem maldade os perfis dos mestres com os seus cacoetes, dando outro a conhecer um testamentomuito espirituoso, formulando ainda outro com graciosa ironia o programa que por magia cada uma dessas moças se traçara para a existência. Esta última produção é da aluna Isabel Dantas, que teve o prêmio de viagem.
A Escola Doméstica não tem desviado sua atenção do fim essencial da sua ação, que é ajudar o progresso social da comunidade, dando às moças, que serão amanhã mães de família, além dos conhecimentos gerais indispensáveis à vida da inteligência, o preparo necessário para desempenharem conscientemente, isto é, cientificamente, as diferentes categorias de atividade em que até aqui procediam empiricamente, quer dizer, instintivamente. Assim é que para a aula de puericultura existe anexa uma crechecom seis crianças, de dois dias a cinco anos, cuja evolução fisiológica e psicológica pode, portanto, ser diretamente observada.
Oliveira Lima assistiu uma tradicional vaquejada, com vaqueiros trajando sua característica vestimenta de couro, como apresentada nesta foto do início do século XX. Fonte – Coleção TOK DE HISTÓRIA
A essa chamada e verdadeira medicina do lar agregam-se cursos que debalde se procurariam noutras instituições: o de educação social, a cargo de Henrique Castriciano; o de educação estética, comportando a decoração da casa, uma arte simples e encantadora mas ainda rara no nosso meio; de direito usual, para que as mulheres não ignorem nem os seus direitos civis, nem o que seja uma hipoteca ou outra qualquer transação sobre propriedade, assim evitando que pela vida adiante venham a ser logradas nos seus bens.
Não há por enquanto na Escola um campo de tennis.Entretanto, o sportnão é alheio ao belo sexo do Rio Grande do Norte: pela mais gentil das deferências, baixei a terra numa embarcação tripulada por adestradas remadoras do Clube Náutico feminino. Outros desportos florescem: não posso dizer se também o footballentre os homens. É mais que provável, se bem que sem o furor que noutro Estado do norte divide a sociedade local em campos irreconciliáveis, sendo por exemplo vedado ao membro ou partidário de um dos dois clubes fazer negócio com o do outro clube, extremando-se o comércio nesses antagonismos e chegando não raro os desaguisados de opinião à pancadaria.
Ao sertão não alcançaram, porém, ainda esses exercícios físicos americanos e o seu desporto principal continua a ser a vaquejada nacional. Assisti a uma na Fazenda Santa Rita, em que tomaram parte oitenta e tantos artistas,na maior parte profissionais vestidos de couro — a vestia, o dianteiro, as perneiras, o chapéu de abas e as meias-luvas — alguns, porém, amadores, como um negociante da Serra Caiada que me confessou que dava a alma por essa corrida em disparada atrás do animal que o cavaleiro trata de segurar pela cauda e desse modo derrubá-lo, para o que se requer força e agilidade. Já noutras ocasiões tinha partido um braço, uma perna e uma clavícula; concertara tudo e lá estava numa das filas de cavaleiros, esperando a saída do bicho do curro.
Antiga sede da Escola Doméstica de Natal – Fonte – tokdehistoria-br.diariopernambuco.com.br
Se já não tivesse quatro filhos, não perdia uma, rematou. E eu dava-lhe razão, porque a vaquejada deve ali operar como a tourada no espírito dos que se criaram assistindo a elas e interessando-se por quanto lhes diz respeito.
A Escola Doméstica de Natal representa uma soma incalculável de esforço e de tenacidade. Não faltavam preconceitos a disputar-lhe o o. Foi ela combatida como pouco pudica por ter uma seção de puericultura, a qual entretanto é de natureza a prestar relevantes serviços, ajudando a cruzada do saneamento da população nacional, empreendida por alguns espíritos previsores e generosos. Nós sabemos quanto é avultada no país a mortalidade infantil e que a razão disto está mais que tudo na falta, não de carinho, mas de cuidados inteligentes dados à alimentação e à higiene das crianças.
Ciência ou arte, a puericultura deve adquirir-se como qualquer outra, e é como se procede hoje nos Estados Unidos, que tão grande atenção estão prestando a esse gênero de questões.
A Escola foi ainda increpada de fútil por pretender ensinar a coser, a lavar e engomar, a cozinhar, a fabricar manteiga e queijos, a tratar de galinhas, a cuidar de jardins e de hortas. Ora, um minuto de reflexão basta para indicar quanta utilidade envolve tudo isso. Ensina-se a costura e a cozinha naquele estabelecimento de instrução com o máximo do gosto e o máximo da economia. No Brasil os pobres sofrem de falta de alimentação substancial mais do que na Europa: em compensação, porém, os que podem gastar, e mesmo os remediados, comem demasiado, considerando uma mesa opípara ou pelo menos muito farta a primeira das condições do conforto. O nosso jantar comum de família compõe-se de dois e três pratos de meio, quando um bastaria, com uma sopa e uma sobremesa. E o desperdício no preparar iguala o desperdício no consumir. O banquete que me foi oferecido pela Escola Doméstica, todo de execução das alunas graduadas, auxiliadas pelas do segundo ano, consistia numa boa sopa, um peixe excelente, galinha com salada de legume e sorvete de abacaxi.
Henrique Castriciano de Souza foi um dos que estiveram junto de Oliveira Lima na sua visita ao Rio Grande do Norte – Fonte – Coleção TOK DE HISTÓRIA
As alunas aprendem a compor o seu orçamento culinário como outro qualquer e a respeitarem esses orçamentos: assim fizessem os governos. Os vestidos das graduadas, para a festa da formatura, por elas próprias executados, custaram, fazenda e enfeites, 47$000 cada um. Também para os trajes se faz orçamento, o que constitui uma magnífica promessa de tranquilidade nos casais. A modéstia é de rigor na vestimenta escolar. Trajam todas igualmente de branco, sem sacrifício da elegância compatível com a simplicidade, e não usam joias, para não estabelecer diferenças de fortuna assinalando-as por esse meio.
Compreende-se a vantagem que o fabrico dos laticínios pode emprestar a muitas raparigas, filhas de criadores, cujas manadas de vacas dão muito mais leite do que podem consumir suas famílias e que só aproveitam as sobras em uma espécie tradicional de requeijão. A avicultura é outra ciência de grandes benefícios, como também a pomicultura e a horticultura. Tudo isso, aliás, distrai dos trabalhos puramente mentais e varia o programa escolar, contribuindo para completar uma educação feminina. A vida no internato faz-se assim tão aprazível, dada também a suavidade da direção, a qual não exclui a disciplina, apenas trata de torná-la consciente, que não há por assim dizer aluna que não deixe a escola com vivas saudades da atmosfera de bem-estar e de cordialidade que em redor delas soube criar a ótima educadora a quem em boa hora a Liga do Ensino confiou semelhante tarefa.
Na época da visita de Oliveira Lima a Natal, a cidade tinha uma população com pouco mais de 30.000 habitantes. Na foto vemos o então Teatro Carlos Gomes, atual Teatro Alberto Maranhão – Fonte – Coleção TOK DE HISTÓRIA
Nessa vivenda adrede construída, em boa parte segundo as indicações da mesma diretora, a-se uma existência muito mais de família que de colégio, na velha acepção do termo, cumprindo cada qual seus deveres com satisfação e não se regateando as ocasiões de agradável intercurso, participando as alunas da istração comum, vivendo portanto do espírito da casa que é de método ao mesmo tempo que de liberdade, e é sobretudo de autonomia no pensar e no sentir. Pelo que pude ver, as alunas adquirem desembaraço sem contraírem desenvoltura.
A festa da Escola terminou por uma alegoria à paz, a qual expulsa do palco a guerra, enquanto os Estados Unidos e o Brasil se unem num amplexo de aliança. Os educadores norte-americanos, longe de quererem suscetibilizar o sentimento patriótico das nações da América do Sul, fazem o que está ao seu alcance para avivá-lo, no interesse mesmo da cooperação e solidariedade visadas. A sua ação redunda igualmente na disseminação do espírito associativo, que faz parte integrante do feitio americano. A seção culinária da Escola Doméstica de Natal já está ensaiando uma espécie de “extensão” entre as famílias; mediante o preparo, pelas matronas que aderem aos clubes gratuitos, de conservas de legumes e frutas com que aproveitar o produto de umas estações em outras, também de bolos e doces.
De tudo quanto me foi dado observar na minha rápida visita ao Rio Grande do Norte, eu trouxe a impressão consoladora para um espírito brasileiro de que no seu governo e nos agentes que lhe personificam a ação existe mais pronunciado do que noutros pontos do território nacional o sentimento do dever cívico que se desdobra no dever humanitário para com os nossos semelhante. O fato deixará de parecer surpreendente a quem tiver em mente que o vulto histórico para quem vão todas as simpatias locais, todo o culto da comunidade, foi não um agitador ou um demagogo, mas um homem essencialmente de caráter.
O Padre Miguelinho foi um sacerdote instruído e meigo, professor querido dos seus discípulos e espírito não só ilustrado como preocupado de conciliação e de concórdia; mas o que sobretudo o torna grande entre as vítimas generosas da revolução de 1817 foi a sua inquebrantável lealdade para com os companheiros de revolução e sobretudo para com a sua fé política. Nessa figura tocante, que resistiu ao apelo à vida que lhe estendiam, é que se concentra a devoção patriótica dos rio-grandenses do norte. O influxo de tal devoção não podia deixar de ser salutar para uma sociedade.
Manuel de Oliveira Lima (Recife, 25 de dezembro de 1867 – Washington, Estados Unidos, 24 de março de 1928).
Oliveira Lima começou a trabalhar como jornalista com catorze anos de idade. Em seus artigos constantemente criticava o domínio das oligarquias sobre a recém-fundada República e por isso ganhou fama de monarquista.
Formou-se em letras na Faculdade de Lisboa em 1887, e em 1890 começou a trabalhar para o Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Atuou como diplomata em Portugal, Bélgica, Alemanha, Japão e Estados Unidos.
Foi encarregado de negócios da primeira missão diplomática brasileira no Japão. Em 1901 deu parecer contrário ao projeto brasileiro de recebimento de imigrantes japoneses. Escreveu então ao Ministério das Relações Exteriores alertando sobre o perigo de o brasileiro se misturar com “raças inferiores”.
Chegou a ser falado para a embaixada brasileira em Londres mas o Senado não aprovou sua indicação. Oliveira Lima era malvisto pelo governo britânico por defender que o ideal de que o Brasil permanecesse neutro na Primeira Guerra Mundial e por sua proximidade intelectual com a Alemanha.
Também fez inimigos dentro do país, em parte por não aprovar a atitude expansionista da República em situações como a anexação do Acre realizada pelo Barão do Rio Branco. Ele dizia que o território nacional já era vasto e muito mal fiscalizado e que a verdadeira expansão do Brasil só viria através do comércio.
Oliveira Lima sempre gostou de ler e escrever. publicou numerosas obras de história, entre elas: Memória sobre o descobrimento do Brasil, História do reconhecimento do Império, Elogio de F. A. Varnhagen, No Japão, Secretário Del-Rei, Dom João VI no Brasil. Sobre esta última obra de história que Oliveira Lima publicou é importante destacar sua importância para o rearranjo da historiografia brasileira, pois ela é considerada como sendo um clássico da historiografia nacional segundo o Lima um intelectual que têm variadas conferências sobre a formação da nacionalidade brasileira. A ilustre obra “Dom João VI no Brasil” é considerada como sendo uma das grandes obras do autor Oliveira Lima. Essa avaliação é feita por muitos estudiosos e autores relacionados a questões significativas sobre o Brasil. Alguns autores e escritores como Gilberto Freyre, Octavio Tarquínio de Souza e Wilson Martins já tiveram a oportunidade de escrever sobre os relatos de Oliveira Lima contidos nesta obra de grande prestígio para a historiografia brasileira.
Em 1913 quando já morava nos Estados Unidos, Oliveira Lima doou sua descomunal biblioteca à Universidade Católica de Washington por temer que a coleção não recebesse os cuidados adequados no Brasil. Impôs a condição de que ele próprio fosse o primeiro bibliotecário e organizador do acervo, função que desempenhou por quatro anos.
Em 1924 foi apontado professor honorário da Faculdade de Direito do Recife.
Morreu em 1928 e foi enterrado no cemitério Mont Olivet, Washington. Em sua lápide não consta seu nome, mas a frase “Aqui jaz um amigo dos livros“.
Este site é um espaço virtual de estudo, pesquisa e ensino. Tradicional site de filosofia, que ampliou o leque temático para abranger outras ciências humanas: História do Brasil, História Geral, Literatura, Antropologia, Sociologia, Linguística e áreas afins. Foi criado em 1997, pelo filósofo Miguel Lobato Duclós (1978-2015). Segundo seu pai, Nei Duclós, o trabalho desenvolvido por Miguel Lobato Duclós proporcionou a criação de um vasto acerto virtual de conhecimento, um trabalho pioneiro num país onde a universidade ainda possui um forte preconceito contra a internet. O espaço virtual consciência.org atrai milhares de estudantes e é responsável pela introdução à Filosofia e atualização do conhecimento para mais de uma geração de alunos, que se mostram irados e agradecidos, como atestam as inúmeras cartas recebidas e publicadas neste website.
O blog TOK DE HISTÓRIA homenageia Miguel Lobato Duclós como verdadeiro pioneiro da democratização da informação intelectual em espaço virtual.
Normalmente as pessoas que gostam de um determinado tema histórico possuem em suas casas livros sobre o assunto de sua preferência. Certamente que nestas estantes alguns destes livros se destacam de outros pelo constante manuseio e a frequência com que seus proprietários vasculham suas páginas em busca de respostas para certas indagações. São aqueles livros que se tornam referência. Evidentemente que diante dessa situação, surge naturalmente uma positiva iração pelos autores destes maravilhosos trabalhos.
Na minha estante sobre livros do cangaço, que nem é tão numerosa assim, existem alguns poucos livros que se enquadram perfeitamente nesta situação, cujos autores são verdadeiros Mestres para mim. Um deles é “Guerreiros do Sol”, de Frederico Pernambucano de Mello.
Nessa minha busca pelo conhecimento do que significa o fenômeno do cangaço, sem dúvida alguma esta obra é uma grande ferramenta que me ajuda a ampliar o meu conhecimento sobre o tema.
Com o tempo fui incorporando ao meu acervo outros interessantes livros de Frederico Pernambucano de Mello, todos de alto nível.
E hoje, em Recife, eu tive o privilégio de conhecer Mestre Frederico.
Fui recebido de maneira extremamente atenciosa, em um momento muito agradável, muito salutar, onde pudemos debater de maneira tranquila e aberta sobre o universo do cangaço e da história de nossa região.
Conheci um homem com amplo conhecimento sobre esse tema, mas com uma natural simplicidade, enorme fidalguia e extrema atenção a este seu irador.
Eu só tenho o mais franco agradecimento ao Mestre Frederico por este agradável encontro.
Livro de Patrick Modiano, Nobel de literatura em 2014, mostra que a criação literária é um caminho de sensibilização histórica e de rememoramento
As fronteiras entre pesquisa histórica e criação literária sempre foram bastante porosas, capazes de permitir contatos e intercâmbios interessantes. A própria dimensão da narrativa é fundamental no âmbito da investigação e reconstituição histórica do ado, embora durante certo tempo tivesse sido como que colocada no escanteio, quase abandonada em favor de abordagens que privilegiavam as análises quantitativas e seriais. Mas fazer história é também saber narrar uma boa história, construindo pontes entre seus leitores e aqueles pilares que sustentam o trabalho do historiador: os documentos e as fontes.
Portões do Campo de Concentração de Auschwitz. Foto: Tulio Bertorini
De forma análoga age o bom escritor quando sua criação literária busca pontos de sustentação ou de referência em eventos históricos, fatos do ado comum de um país ou de uma sociedade. De Tolstói a Stendhal, de Júlio Verne a Thomas Mann, os exemplos são inúmeros, mas chegando mais próximos dos tempos atuais, baste pensar na Festa do Bode, de Vargas Llosa ou em obras de Javier Cercas, como Soldados de Salamina ou Anatomia de um instante, ou ainda em O Cemitério de Praga de Umberto Eco, em HHhH de Laurent Binet, ou O Projeto Lazarus, de Hemon. Cada um segundo um estilo e uma dinâmica própria, mas sempre buscando indagar limites e possibilidades do encontro entre ficção literária e realidade histórica
Assim, o simples anúncio do desaparecimento de uma jovem, denunciado por seus pais, encontrado, já no final dos anos ’90, numa edição de 1941 de Paris Soir, faz com que o escritor mobilize sua fantasia para tentar imaginar os caminhos da garota numa Paris ocupada pelos nazistas, e ao mesmo tempo se lance, com faro de autentico historiador, em busca de rastros, sinais, pegadas, isto é, documentos, que sustentem sua narração. O autor da obra – Dora Bruder, publicada pela Editora Rocco – é o premio Nobel de Literatura de 2014, o francês Patrick Modiano, e a jovem desaparecida é a que dá o titulo ao livro. As seis linhas do anúncio no diário parisiense apresentam elementos a partir dos quais o narrador vai elaborando reflexões, perguntas, considerações e sugestões, misturadas com lembranças de sua própria vida, do relacionamento doloroso com o pai, da Paris de antigamente, de seu perambular de juventude pelas ruas da cidade.
Patrick Modiano, Nobel de literatura em 2014
Dramas e feridas que a ocupação nazista deixou no tecido urbano e social da França aparecem no livro como pano de fundo de uma história de vida e luta de uma família judia, o pai austríaco, a mãe húngara, ambos judeus aportados a Paris em anos difíceis, vivendo em meio a mil dificuldades. E Dora, a filha de quinze anos, que abandona repentinamente o colégio católico onde estuda e desaparece. A polícia, as buscas, ao mesmo tempo as investigações e prisões de cidadãos de origem judaica, as cumplicidades das autoridades sas com os ocupantes alemães, os campos de concentração ao redor da capital, as viagens para a morte.
Fotografias de identificação de prisioneiros de Auschwitz feitas por Wilhelm Brasse, fotógrafo polonês e sobrevivente do campo
E as perguntas, que peram as páginas e levam a sucessivos questionamentos e buscas, e encontros, às vezes, com fios de memoria e fragmentos de documentos: anônimos relatos policiais, listas de alunos de colégio, fotografias sem datas. Para onde foi Dora naquelas semanas e meses de fuga? Por que se subtraiu à escola, aos pais, ao seu cotidiano? Quem a encontrou e/ou a denunciou? Como e quando se reencontrou com a família e em que circunstâncias foi enviada para Auschwitz? Deste modo o pesquisador, junto ao escritor, tece a teia de sua imaginação narrativa. Mas confessa também, encerrando seu livro: “Ignorarei para sempre como ela ava seus dias, onde se escondia, em companhia de quem se encontrava no inverno de sua primeira fuga e nas poucas semanas daquela primavera em que fugiu de novo. É o segredo dela. Pobre e precioso segredo que os carrascos, os decretos da polícia, as autoridades assim chamadas de ocupação, os quarteis, os campos, a História, o tempo – tudo o que suja e destrói – não conseguiram roubar-lhe”.
Ficção e realidade. Acontecimentos documentados, fatos e registros históricos e livre exercício da capacidade criativa. O resultado é um livro intrigante, doloroso em sua tentativa de resgate de fragmentos de existência, magnificamente escrito.
AUTOR – Marcello Scarrone é pesquisador da Revista de História da Biblioteca Nacional e autor da tese “Nello, Libero e Giuseppe: do Rio contra Mussolini. Percursos políticos do Antifascismo Italiano na Capital Federal (1922-1945)” (UFRJ, 2013)
A arte da escrita leva vantagem no duradouro relacionamento com a ciência exata. Da interação, surgiu o subgênero “ficção matemática”, cujo expoente brasileiro é Júlio César de Melo e Sousa, mais conhecido pelo pseudônimo Malba Tahan
A voz romântica de Roberto Carlos usou uma expressão matemática, em 1971, para resumir uma fossa amorosa: “Tudo em volta está deserto, tudo certo. Tudo certo como dois e dois são cinco”. Muito antes de a canção composta por Veloso existir, contudo, o escritor George Orwell havia mencionado a soma com resultado errado no clássico 1984 (1949). Era exemplo de falso dogma (se todo mundo acredita, isso se torna verdade?). Mas ele também não foi o primeiro. Quase um século antes de Orwell, Dostoievski já relativizava a questão em Notas do subterrâneo (1864): “Seja como for, ‘duas vezes dois igual a quatro’ é bem inável. (…) De mãos nos quadris, ela se atravessa no caminho e nos cospe na cara. ito que seja uma coisa excelente, mas, se é preciso louvar tudo, eu vos direi que ‘duas vezes dois igual a cinco’ é também, às vezes, uma coisinha muito encantadora”.
Júlio César de Melo e Sousa (Rio de Janeiro, 6 de maio de 1895 — Recife, 18 de junho de 1974), mais conhecido pelo heterônimo de Malba Tahan
Não é possível precisar ao certo quando começou o namoro entre literatura e matemática, mas sem dúvida a arte da escrita leva vantagem no duradouro relacionamento com a ciência exata. Da interação, surgiu o subgênero literário “ficção matemática”, do qual um dos maiores expoentes brasileiros é Júlio César de Melo e Sousa (1875-1974), mais conhecido pelo pseudônimo Malba Tahan, com o qual assinou o bestseller O homem que calculava (1938), agora relançado pela editora Record, em comemoração aos 120 anos de nascimento do autor, um dos ocupantes da Academia Pernambucana de Letras, embora fosse carioca.
No clássico da literatura brasileira, traduzido para mais de dez idiomas, um jovem árabe conquista reis, poetas e sábios ao resolver problemas aparentemente sem soluções por meio do raciocínio lógico. “Na obra do matemático e romancista as fórmulas ou equações matemáticas surgem de maneiras tão sutis quanto o conteúdo literário, como também ocorre em algumas publicações de Monteiro Lobato e Lewis Carrol (autor de Alice no País das Maravilhas)”, diz o doutor em educação matemática Maurílio Antônio Valentim, professor do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora.
Fonte – miconuncamais.blogspot.com
Se, para alguns, os cálculos, fórmulas e medidas soam pouco atraentes (talvez fruto de traumas decorrentes do ensino fundamental e médio), esse universo ganha novos ares quando associado à habilidade de escrever de maneira lúdica. Ao fazer as pazes com os números, fica mais evidente o potencial da matemática de seduzir por meio da complexidade, da precisão, dos enigmas, de quebrar a cabeça do leitor.
Para alcançar tal feito, personagens consagrados como Emília, do Sítio do Pica Pau Amarelo, e Sherlock Holmes, o detetive da obra de Arthur Conan Doyle, chegaram a protagonizar livros-desafios. Mas não é regra. Publicações como O teorema do papagaio, de Denis Guedaj, Tio Petrus e a conjectura de Goldbach, de Apostolos Doxiadis, e O diabo dos números, de Hans Magnus Enzesberger, conquistaram grande séquito de fãs pelo mundo com personagens aparentemente ordinários e abordagens da matemática extraordinárias.
Há ainda, narrativas com figuras reais, como o filósofo Bertrand Russell, peça essencial na elaboração de fundações lógicas do pensamento matemático. Na história em quadrinhos Logicomix – Uma jornada épica em busca da verdade, o estudioso se aventura no mundo dos cálculos. Independente do método, o importante, segundo o próprio Malba Tahan, era conjugar entretenimento e educação de maneira adequada, pelo bem do aprendizado e crescimento individual. Ou, como dizia o protagonista de O homem que calculava: “Por ter alto valor no desenvolvimento da inteligência e do racioncínio, é a matemática um dos caminhos mais seguros por onde podemos levar o homem a sentir o poder do pensamento, a mágica do espírito”.
PARA LER >>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>
O homem que calculava, de Malba Tahan (Record, R$ 45)
Logicomix – Uma jornada épica em busca da verdade, Apostolos Doxiadis e Christos Papadimitriou (Martins Fontes, R$ 72)
Tio Petrus e a conjectura de Goldbach, de Apostolos Doxiadis (Editora 34, R$ 38)
O diabo dos números, de Hans Magnus Enzesberger (Companhia das Letras, R$ 38,90)
O teorema do papagaio, de Denis Guedaj (Companhia das Letras, R$ 51,50)
>>>>>>>>>>>>> MORTE NO RECIFE
Júlio César de Melo e Sousa estava de agem pelo Recife, em 1974, para uma série de palestras sobre educação, quando morreu, aos 79 anos, vítima de ataque cardíaco. Doze horas antes do incidente, o então repórter do Diário de Pernambuco Geneton Moraes Neto havia entrevistado o matemático e escritor. Mais de quatro décadas depois, pedimos ao jornalista para rememorar a experiência. Confira o depoimento exclusivo:
A ÚLTIMA FALA, O PRIMEIRO SUSTO
O conhecido jornalista Geneton Moraes Neto foi um dos últimos a entrevistyar Malba Tahan – Fonte – Reprodução/Facebook
“Deve ter sido o primeiro susto que tive no jornalismo. Repórter iniciante, eu tinha meus dezessete anos de idade. Trabalhava no Diário de Pernambuco à tarde e fazia o primeiro ano de jornalismo na Universidade Católica à noite. Quando cheguei para trabalhar, pouco antes das duas da tarde, o então chefe de reportagem, Ricardo Carvalho, me perguntou, ansioso: “Você guardou alguma coisa da entrevista com Malba Tahan ou usou tudo na matéria que saiu no jornal de hoje? “. Respondi com uma pergunta: “…Mas por quê?”. E ele: “O homem morreu! Teve um enfarte no hotel! Fulminante!”. A incredulidade se instalou no ar. Só havia uma coisa a dizer: “O quê? Não é possível!”. Mas era: o escritor que me dera entrevista poucas horas antes, na sede do Diário de Pernambuco saíra do jornal para morrer num quarto de hotel, em Boa Viagem.
Eu tinha entrevistado o escritor Malba Tahan no final da tarde do dia anterior, na sala do então superintendente do jornal, Gladstone Veira Belo. A lembrança é clara: eu estava me preparando para deixar a redação e ir para a aula quando fui convocado a comparecer à sala da direção para entrevistar um visitante. Em situações normais, os pobres dos repórteres reagem com um muxoxo quando são chamados a fazer as tais entrevistas com visitantes ( em geral, autoridades que dificilmente pronunciarão algo de relevante numa “visita de cortesia” aos bravos rapazes da imprensa…). Mas ali era diferente.
Posso até ter reagido com um muxoxo, mas o visitante era uma espécie de “ídolo” literário dos meus tempos de infância: eu tinha lido, para um trabalho escolar, o livro “O Homem que Calculava” ( ou terei ganhado de presente um exemplar? Aqui, minha memória claudica miseravelmente ). Depois, um exemplar de Maktub fora parar em minhas mãos. Maktub – a gente logo aprendia – queria dizer “estava escrito”. A palavra “maktub”, portanto, carregava um certo peso dramático: parecia avisar que a vida pode ser regida por maquinações indecifráveis do destino.
Sobre sua morte em 1974
Os livros falavam de mundos mágicos e misteriosos, personagens que se moviam por paisagens orientais de uma beleza cintilante. O nome Malba Tahan tinha o poder de deflagrar, num e de mágica oriental, essas lembranças “literárias”. E lá estava ele: efusivo, entusiasmado, falava da visita ao Recife como se fosse marinheiro de primeira viagem. Guardei um detalhe: Malba Tahan trajava um paletó quadriculado. Fora visitar o Diário, na Praça da Independência, em companhia da mulher. Voltei às pressas para a redação para redigir a entrevista que seria publicada no dia seguinte. Zarpei para a escola. O escritor seguiu para o hotel. Estava escrito que aquelas seriam as últimas horas do autor de Maktub. Estava escrito que Malba Tahan, na verdade, nunca existiu: era apenas o pseudônimo de um professor de matemática carioca chamado Júlio César. Jamais visitara o Oriente. Que importa?
O que interessa é que tinha virado sinônimo de mundos mágicos, distantes, inalcançáveis. Estava escrito que, lastimavelmente, aquela seria a última fala de Malba Tahan – e o primeiro grande susto do jovem repórter. Estava escrito: maktub,. maktub, maktub.”
A imagem publicada na Semana Ilustrada, em 1865, mostra as vivandeiras da Guerra do Paraguai: mulheres que acompanhavam os deslocamentos das tropas de infantaria, vendendo alimentos e outros artigos aos soldados. (Imagem: FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL)
Mães, esposas, prostitutas, viúvas, enfermeiras, soldadas, andarilhas, vivandeiras, prisioneiras, escravas. As mulheres desempenharam os mais diferentes papéis durante a Guerra do Paraguai (1864-1870). Presentes nos quatro exércitos envolvidos na batalha – brasileiro, argentino, paraguaio e uruguaio – elas se tornaram indispensáveis ao garantir a realização de vários serviços necessários para o funcionamento de um exército em campanha: socorriam feridos, cuidavam das crianças, da alimentação, das roupas e comercializavam os produtos vendidos às tropas. Muitas outras sofreram com a violência em suas regiões e dentro de seus lares. Tiveram que lidar com graves provações físicas e psicológicas, mostrando resistência e inventividade.
Com raras exceções, essas figuras femininas foram esquecidas pela história. Suas vidas dissolveram-se na vida dos homens, os guerreiros armados e seus grandes comandantes, que ocupam o centro da cena. Às mulheres restam as entrelinhas, um espaço casual nas narrativas das grandes batalhas. Mas nem tudo se perdeu. Por meio da análise de relatórios de refugiados e de documentos oficiais, ordens do dia, cartas, memórias, reminiscências e diários (inclusive em língua sa, inglesa e espanhola), é possível conhecer, por exemplo, as dificuldades vividas pelas brasileiras que foram aprisionadas pelo inimigo na região fronteiriça do Mato Grosso.
Guerra do Paraguai – Imagem meramente ilustrativa
Os documentos revelam como elas reagiram diante da inesperada invasão, como se organizaram, as formas de fuga e os recursos utilizados para sobreviver, quando detidas. Falam ainda dos mecanismos de que dispunham para sua defesa, assim como do sofrimento de esperar pelo socorro das autoridades brasileiras competentes. O suplício das mulheres, bem como a visão das autoridades brasileiras sobre o inimigo paraguaio ficam evidentes nos ofícios do governo de Mato Grosso durante o conflito: “sendo castigadas corporalmente com laços e com espadas, e metidas em ferro sempre que cometiam qualquer falta […] os paraguaios, sendo eles de natureza bruta e sem a menor educação e moralidade, muito maltratavam as famílias prisioneiras com suas habituais imoralidades”.
Em Corumbá, uma das regiões fronteiriças, a população viu-se sozinha diante do brusco ataque do exército paraguaio. Acreditando que a região lhes pertencia, as tropas inimigas penetravam e ocupavam o território que estava em litígio com o Brasil. Diante da impossibilidade de resistência, os habitantes, civis e militares, tornaram-se alvo fácil para prisões e saques. Muitos fugiam de modo desesperado, desordenado e precipitado, tentando alcançar Cuiabá, capital da província. Centenas de pessoas acreditavam que as zonas rurais poderiam oferecer refúgio e proteção.
Guerra do Paraguai – Imagem meramente ilustrativa
Contando com poucos recursos, fugindo a pé por trilhas ou embarcando em canoas, mulheres foram capturadas e aprisionadas pela tropa paraguaia, que percorria as fazendas saqueando, violentando, levando o gado e tudo mais que tivesse algum valor. Igualmente indefesos, velhos e crianças também se tornaram presas fáceis de hostilidades e crueldades. As mulheres que não conseguiam fugir e se escondiam em matas próximas acabavam por voltar à vila de Corumbá, fustigadas pela fome. Encontravam suas casas completamente saqueadas, eram presas, interrogadas (muitas vezes sob tortura) e mortas. Diante de um inimigo que costumava utilizar até a degola para manter o terror, avam fome e frio, eram mantidas a ferros e castigadas constantemente. Muitas foram assassinadas ao tentar fugir.
As que se mantinham a salvo dos invasores tinham que sustentar a si e aos seus plantando, lavando, cozinhando e transportando mercadorias, sob a angústia e o medo de encontrar uma patrulha paraguaia. O trânsito constante das mulheres pela fronteira levantava suspeitas nos soldados inimigos. Sempre preocupados com a reação brasileira, eles procuravam informações e notícias. Para isso, muitas vezes usavam de violência em seus interrogatórios. Fontes sas detalham alguns casos, como o de Marcelina, Luisa e Isabel, condenadas a levar 60 golpes de chicote por não terem informações relevantes. Marta e Severina, menores de idade, receberam 25 chicotadas. Depois de ser presa e submetida a julgamento sumário, a uruguaia Maria Buscapé foi condenada a 30 golpes por ter declarado seu desejo de voltar ao país de origem. Após as punições essas mulheres foram soltas, mas com a advertência de que poderiam ser mortas caso omitissem informações.
Guerra do Paraguai – Imagem meramente ilustrativa
A historiografia tradicional não se dedicou a narrar a agonia e o pânico que as famílias brasileiras foram obrigadas a enfrentar, inclusive pela incerteza do futuro e pela angústia da perda ou do desaparecimento dos familiares e amigos. A descoberta de evidências documentais nos últimos anos permite o exercício a inúmeros pesquisadores, possibilitando a recuperação da história da participação das mulheres, seus espaços e seus papéis na Guerra do Paraguai que, no fim das contas, diz respeito não apenas àquela batalha, mas ao protagonismo feminino na construção do país. Contar a História do Brasil pelo olhar das mulheres é certamente um meio de redescobri-lo.
Maria Teresa Garritano Dourado é autora de “Mulheres comuns, senhoras respeitáveis: a presença feminina na Guerra do Paraguai” (UFMS, 2005) e A História esquecida da Guerra do Paraguai: fome, doenças e penalidades (UFMS, 2014).
Saiba Mais
CARVALHO, Maria Meire. Vivendo a verdadeira vida: vivandeiras, mulheres em outras frentes de combates. Tese de Doutorado em História, UnB, Brasília, 2008.
LASSERRE, Dorothea Duprat de. Memórias de Mme. Dorothea Duprat de Lasserre. Rio Grande: Livraria Americana, 1893.
Uma das três salas do piso superior do Museu Municipal Jornalista Lauro da Escóssia será cedido pelo Município para abrigar todo o acervo da Fundação Vingt-um Rosado e a preservação da Coleção Mossoroense. O prédio foi sugerido por entidades representativas do comércio de Mossoró.
Na última quarta-feira, 24, representantes da Câmara de Dirigentes Lojistas de Mossoró (CDL), da Associação Cultural e Indústrial de Mossoró (ACIM), e do Sindicato do Comércio Varejista (SINDIVAREJO) estiveram no local juntamente com o prefeito da cidade visitando o prédio onde funciona o museu.
De acordo com o acerto firmado com o município, a CDL, a Acim e o Sindivarejo se comprometeram a viabilizar a instalação da plataforma para garantir a ibilidade ao andar superior, para que seja liberado para visitação do público.
A transferência de todo acervo, que abriga mais de 150 mil títulos que compõe toda a coletânea mantida pela Fundação Vingt-un Rosado, já poderá ter início na próxima terça-feira, 30. Com isso os responsáveis pela fundação começarão a catalogar todos os títulos, e fazer um levantamento de seus exemplares, para que parte seja doada para escolas municipais e instituições públicas.
Na manhã desta quarta-feira, 17, teve início o desmonte das publicações da Coleção Mossoroense. Os livros estavam em uma casa na Rua Dona Francisca Rodrigues dos Santos, no bairro Aeroporto.
A Fundação Vingt-um Rosado suspendeu as atividades por tempo indeterminado. Há quase três anos, a instituição não teve um único ree e decidiu pelo encerramento.
No último mês de maio, a Fundação emitiu nota onde explica que “diante das condições de extrema dificuldade de funcionamento e falta de apoio a esta entidade cultural nos últimos tempos” tomou esta medida.
De acordo com o editor da Coleção Mossoroense, Caio Cesar Muniz, desde agosto de 2012, que a Fundação não recebia ree dos órgãos governamentais, pois a fundação é uma instituição sem fins lucrativos.
“A Fundação tinha um convênio com a Prefeitura de Mossoró para ajudar a mantar a estrutura do órgão. Mas, desde agosto de 2012, não recebemos mais nenhum ree e ficamos à míngua e nessa situação que culminou na suspensão das atividades”, comentou Caio.
Entidades de classes se reuniram para tentar encontrar uma solução no último dia 2 deste mês. No encontro, o diretor-executivo da Fundação, Dix-sept Rosado Sobrinho, disse que a principal dificuldade sentida no momento diz respeito à falta de um prédio para abrigar todos os títulos pertencentes à coleção.
Nesta reunião, ficou decidido que uma das medidas será a convocação de uma audiência pública para discutir sobre o assunto com a Prefeitura de Mossoró, o Governo do Estado do Rio Grande do Norte e Universidades.
O restante do acervo será enviado para o Museu do Sertão, onde 95% dele já está no local. Os dois funcionários também foram dispensados.
A Coleção Mossoroense foi criada em 30 de setembro de 1949 por Jerônimo Vingt-un Rosado Maia, ao longo dos seus quase 64 anos de existência, a Coleção foi mantida também pela Fundação Guimarães Duque, esta vinculada à antiga ESAM – Escola Superior de Agronomia de Mossoró, e a partir de 1995 um grupo de intelectuais mossoroenses criou a Fundação Vingt-un Rosado, que ou a assumir os destinos da editora.
Neste mais de meio século, a Coleção Mossoroense alcançou a incrível marca de mais de 4.500 títulos publicados no país, levantamento realizado pelo jornal O Estado de S. Paulo em março de 2003, o que lhe rendeu o posto de editora com a maior quantidade de títulos editados no Brasil. Também é considerada a editora que possui a maior bibliografia sobre as secas do Brasil, especialmente do semiárido do Nordeste.
Vingt-un Rosado, o editor, em tempos difíceis, chegava a tomar dinheiro emprestado de agiotas para garantir a publicação de algumas obras, mas ainda assim, graças à sua obstinação, conseguiu, em sua época, convênios com instituições como Sudene, Dnocs, CNPq, Petrobras, entre outras.
Vingt-un Rosado faleceu em 12 de dezembro de 2005.
NOTA DESTE BLOG – Apesar do nome Coleção Mossoroense, na opinião do responsável pelo blog TOK DE HISTÓRIA, o pior neste caso não é esse patrimônio em termos de livros, que agora estão seguindo de um canto, para outro. O pior é o fato de não mais existir um local onde uma pessoa com um bom material escrito, mas poucos recursos financeiros, poderia ver suas folhas se transformarem em um livro, uma brochura, uma plaquete. Perdemos a editora do povo de Mossoró, do povo do sertão! Triste!
Contar a formação de um Seridó onde as casas dos ricos também eram feitas de taipa e até uma enxada inutilizada era listada em inventário. Terra de escravos quase livres e de uma religiosidade que ainda hoje permanece pungente. Essa é a intenção do historiador e professor Muirakytan Kennedy de Macêdo ao lançar, hoje, em Natal, o livro “Rústicos Cabedais: Patrimônio e cotidiano familiar nos sertões da pecuária (Seridó – Séc. XVIII)”, editado pela Flor do Sal e impresso pela Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
A obra é resultado de uma releitura da tese de doutorado do autor caicoense, apresentada em 2007. “O Seridó é uma das regiões coloniais mais antigas do país. Com a proibição da pecuária nas áreas mais próximas ao litoral, por causa da cana de açúcar, ela se interiorizou. No livro, a gente começa a contar a formação do Seridó a partir da sedentarização da pecuária, no século 18, após a Guerra dos Bárbaros ”, explica.
Fazenda Caiçara, Acari, do Coronel Antônio Galdino de Medeiros
O livro parte da formação das sesmarias – pedaços de terras cedidos aos colonos para que a cultivassem ou utilizassem na pecuária – até chegar ao cotidiano dos primeiros seridoenses. “Eu fiz um enquadramento na sesmaria e depois a gente vai fazendo como um ‘zoom’, em quadros cada vez menores. Partimos da sesmaria; dentro dela, vamos para a fazenda de gados, falamos o que é que se criava, os ovinos, bovinos, os cavalares. Depois vamos para dentro da casa daquelas pessoas, os cômodos e suas relações até de hierarquia, até chegarmos, enfim, às gentes – como eles falavam e seu cotidiano”, detalha Muirakytan.
Professor do curso de graduação em História, no campus da UFRN em Caicó e do mestrado da instituição em Natal, o autor trabalhou na pesquisa durante quatro anos e afirma que se surpreendeu com a quantidade de documentação preservada da época.
Além de arquivos da Torre do Tombo (arquivo geral do Reino), localizada em Portugal, o professor utilizou documentos cartoriais e da Igreja Católica Romana, como os livros de nascimento, casamentos e óbitos. “Todo o império era fundamentado na união entre Igreja e Estado. Até a República, quando isso mudou, o Estado não precisava de funcionários para fazer esse trabalho. A igreja registrava, nascimento, casamento, morte, todos os sacramentos, que eram muito importantes para o convívio social. Havia uma vigilância muito grande, representavam, de certa forma, a salvação das pessoas. Tinham que ter todos”, revela.
Serra da Rajada, expressiva paisagem do Sertão do Seridó Potiguar
A abordagem utilizada por Macêdo é basicamente historiográfica e antropológica. Apesar de não utilizar personagens na trama histórica, nem focar em famílias importantes da região, o autor busca fazer um relato do cotidiano do primeiro Seridó. A realidade daqueles tempos, aponta, tem total relação com o Seridó de hoje. “É todo o princípio de identidade. A pecuária é a origem, por exemplo, de produtos que hoje são marcas da região”, avalia, citando o queijo e a carne de sol. O autor também utiliza gráficos, mapas e fotos para auxiliar no detalhamento das informações.
Serviço
O lançamento do livro “Rústicos Cabedais: patrimônio e cotidiano familiar nos sertões da pecuária (Seridó – Séc. XVIII)” ocorre hoje (16) na galeria do Núcleo de Arte e Cultura, localizado no Centro de Convivência da UFRN, onde também ocorre a sessão de autógrafos, a partir das 19h. A obra custa R$ 50.
O Projeto de Lei 393/2011, mais conhecido como Lei das Biografias, poderá ser votado já nesta quarta-feira (22) na Câmara dos Deputados caso os líderes partidários decidam pelo tratamento de urgência, o que garante prioridade na pauta. A decisão de antecipar a votação saiu da reunião que o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), teve nesta terça-feira (23) com os líderes.
“Há consenso para a urgência e, se sobrar um tempinho, podemos votar também, mas ainda precisamos fazer ajustes”, disse o líder do PT, deputado José Guimarães (CE). Ele informou que os deputados querem votar a proposta antes do dia 28 de outubro, quando a pauta a a ser trancada pelo projeto do marco civil da internet. “Se não votarmos até lá, essa questão ficará entregue ao Supremo Tribunal Federal”, disse.
A proposta, criada pelo deputado Newton Lima (PT-SP), autoriza a publicação de biografias sem autorização prévia da pessoa retratada ou de sua família. A pressa para decidir sobre a questão pode comprometer a comissão geral anunciada nesta terça pelo presidente da Câmara. Pouco antes do encontro, Alves anunciou que vai realizar uma comissão geral para discutir o assunto.
Em Brasília será decidida esta questão
O líder do DEM, deputado Ronaldo Caiado (GO), defende que seja incluído na proposta que, em caso de difamação, os autores enfrentem processo judicial em rito sumário. Caiado entrou, há oito anos, na Justiça contra o escritor Fernando Moraes, que incluiu no livro “A Toca dos Leões” uma fala atribuída a Caiado e contestada pelo deputado. “Há oito anos luto contra uma mentira. Assim, não é possível que um processo que avilta ou denigre a imagem de alguém possa demorar em média 15 anos”, disse.
Polêmica entre artistas
Após o debate acalorado sobre o tema exceder os corredores de Brasília –principalmente depois de artistas de renome, como Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, se declararem a favor da autorização prévia para a publicação de uma biografia–, o projeto, de autoria do deputado Newton Lima (PT-SP), recebeu atenção especial entre os mais 1,5 mil temas a serem votados.
“Meu projeto seria arquivado porque é um assunto que raramente entra em pauta, estava em último em uma lista de 1,5 mil projetos. O presidente da Casa costuma decidir emendas constitucionais e outras questões mais importantes, mas agora os artistas entraram na pauta”, afirmou ao UOL o deputado Newton Lima (PT-SP), autor original do projeto e um dos parlamentares que encaminharam ao presidente da Casa o pedido para que o tema fosse debatido.
O projeto de lei pede a modificação do artigo 20 do Código Civil, que prevê autorização prévia para a divulgação de imagens, escritos e informações biográficas. O artigo possibilitou que Roberto Carlos proibisse a comercialização de sua biografia não autorizada, “Roberto Carlos em Detalhes”, lançada pelo jornalista Paulo Roberto de Araújo, em 1997.
Aprovado em abril na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, em caráter conclusivo, o projeto estava pronto para ser votado no Senado. O próximo o seria a da presidente Dilma Rousseff. No entanto, o assunto voltou para o final da fila quando 74 deputados federais –entre eles os três líderes partidários Antony Garotinho (PR-RJ), Ronaldo Caiado (DEM-GO) e André Figueiredo (PDT-CE)– entraram com um recurso para que o projeto fosse debatido novamente na Câmara.
Com o tema em voga em veículos da imprensa –onde escritores, biógrafos e artistas se posicionaram contra ou a favor da publicação de biografias não autorizadas– e redes sociais, os parlamentares começaram a prestar mais atenção nas discussões. “Os artistas ajudaram a colocar luz ao assunto. Eles já tinham ajudado no caso do Ecad [Escritório Central de Arrecadação e Distribuição], mas dessa vez eles acabaram entrando em uma linha do raciocínio que colabora para a censura prévia”, afirmou o deputado Newton.
Grato pela repercussão, o petista não esconde certa decepção com os artistas dos quais ira. “Eu sou fã de todos eles, não só como artistas, mas como políticos. Eles foram essenciais para a reconstrução política. Não esperava essa posição, fiquei decepcionado”.
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Nos últimos dias, alguns parlamentares retiraram suas s do recurso, entre eles, o deputado Garotinho. Ao comentar que também é fã de Caetano e Djavan, Garotinho fez discurso na tribuna da Câmara, na semana ada, mudando de lado: “O trabalho do pesquisador e do jornalista não pode sofrer censura”. Na lista ainda constam a rubrica de Paulo Maluf (PP-SP), Jair Bolsonaro (PP-RJ) e Pastor Marco Feliciano (PSC-SP). “Se houver uma retirada em massa e o requerimento ficar com menos de 51 s ele perde a validade e o projeto segue direto para o Senado”, disse Garotinho.
O deputado Alessandro Molon (PT-RJ), último relator do projeto na Câmara, enxerga ainda a possibilidade do assunto ir para votação do Senado em breve. Molon também defende que pessoas públicas precisam ter a privacidade resguardada, mas de maneira relativa. “Esse é um dos ônus de alguém que tem vida pública. Eu compreendo por um lado a preocupação com a publicação de aspectos de sua vida privada. Mas eu entendo que é um erro imaginar que a solução seja a proibição”.
A Ministra da Cultura, Marta Suplicy, também já se posicionou a favor do projeto. “Minha opinião caminha para o apoio à liberdade de expressão, com multas mais vultosas aos autores que infringirem a verdade e a imagem do biografado”, afirmou em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo” publicada na segunda-feira (21).
Molon avalia que a indecisão de hoje é culpa do Congresso no ado. “Nós que erramos ao aprovar o Código Civil na época do FHC [Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente], com esses dois artigos que abriam uma brecha para a família do Mané Garrincha processar o biógrafo Ruy Castro. O Roberto Carlos, do qual sempre fui fã, teve o descabimento de tirar o livro das prateleiras, um trabalho de pesquisa que levou 15 anos e que não o desmoralizava”, avaliou.
“Felizmente, o debate publico fez o parlamento despertar parta tomar a decisão”, comemorou. O deputado Newton Lima demonstra preocupação que o STF (Supremo Tribunal Federal) decida a questão antes do Congresso, o que geraria uma crise de poderes. “Precisamos votar, pelo sim ou pelo não, mas precisamos votar. Esse é um assunto político, não jurídico”.
O STF anunciou no último dia 14 que vai realizar audiência pública para discutir o tema das biografias não autorizadas. A ministra Cármen Lúcia, relatora da Ação Direta de Inconstitucionalidade inciada pela Anel (Associação Nacional dos Editores de Livros), que questiona a validade dos artigos 20 e 21 do Código Civil, anunciou audiência pública para discutir o assunto nos dias 20 e 21 de novembro.
O presidente do STF, Joaquim Barbosa, e o ministro Marco Aurélio Mello já deram entrevistas sinalizando que são a favor da publicação de biografias sem autorização prévia.
Escritores e biógrafos como Ruy Castro e Lira Neto já mandaram o recado. “Caso o código civil brasileiro não seja alterado, como queremos, extinguindo a autorização obrigatória, as biografias vão entrar em extinção no Brasil. Minha carreira de biógrafo estará encerrada”, afirmou Lira.
AUTOR – Tiago Dias* – Do UOL, em São Paulo – 22/10/2013
* Com informações da Agência da Câmara
* O AUTOR DESTE BLOG, IGUALMENTE AUTOR DE TRÊS BIOGRAFIAS, QUER DEIXAR PÚBLICA SUA OPINIÃO – Pessoalmente sou totalmente contrário a quem escreve biografias de forma irresponsavelmente, de maneira mentirosa, criminosa, muitas visando somente criar a polêmica com o intuito de ampliar a venda. Mas não posso aceitar a censura prévia. Se o biografado se sentiu prejudicado, a justiça está aí. Mas como bem aponta o jornalista Mário Magalhães, autor da biografia de Carlos Marighella, “O conhecimento da história consagra-se como direito humano”.
ENQUANTO NO BRASIL ESQUENTA A POLÊMICA SOBRE A QUESTÃO DAS BIOGRAFIAS NÃO AUTORIZADAS, PROIBIR ESTE TIPO DE PUBLICAÇÃO LÁ FORA É FORA DE QUESTÃO E ESTE É UM GRANDE FILÃO DO MERCADO EDITORIAL. MAS O BIÓGRAFO TEM DE TER MUITO CUIDADO COM O QUE ESCREVE
“The Missionary Position: Mother Teresa in Theory and Practice” (1995, Twelve), de Christopher Hitchens
Quando questionado sobre o título de duplo sentido (“missionary position”, em inglês, pode ser uma gíria para a posição “papai e mamãe”), o autor respondeu: “Era ou isso ou “Vaca Sagrada”, o que teria sido de mau gosto”. Trata-se de uma crítica feroz à Madre Teresa, que é retratada como uma oportunista política e dogmática que, em vez de tentar acabar com a pobreza, preferia ensinar como á-la. Segundo Hitchens, ela desviava fundos de suas obras de caridade para uma rede global de conventos. Jornais como o “The New York Times” consideraram a obra convincente (Carlos Messias) Reprodução.
“Che Guevara, Uma Biografia” (1997, Objetiva), de John Lee Anderson
Com mais de 800 páginas (dependendo da edição), trata-se da mais completa biografia já publicada sobre o revolucionário argentino. Além de narrar a trajetória de Che de cabo a rabo, o livro ajudou a desmitificar a sua imagem de idealista, retratando-o mais como um guerrilheiro extremista, disposto a sacrificar a própria vida e a de quem mais ficasse no caminho dos seus objetivos. Mais do que isso, a pesquisa do autor alterou para sempre os próprios autos da história, revelando que os restos mortais do marxista estavam enterrados em uma vala no aeroporto de Vallegrande, na Bolívia. A obra foi considerada livro daquele ano pelo “The New York Times” (Carlos Messias).
“Barack H. Obama: The Unauthorized Biography” (2008, Progressive Press), de Webster G. Tarpley
Também autor de “George Bush: The Unauthorized Biography”, Tarpley retrata o primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos como um fascista pós-moderno, insistindo em propagar o nome do meio do político, que é Hussein. Segundo Tarpley, Obama não aria de um rosto carismático –e narcisista– a serviço do estrategista político Zbigniew Brzezinski, que serviu como conselheiro de segurança durante a istração Carter. O livro foi publicado no ano da campanha para eleição do primeiro mandato do político, mas, segundo os seus fiéis opositores, conseguiram fazer com que a obra fosse varrida para debaixo do tapete (Carlos Messias)
“Hitler” (2010, Penguin/Companhia das Letras), de Ian Kershaw
Condensando dois volumes em um, a edição brasileira é mais enxuta. No entanto, preserva a descrição detalhada da intimidade do ditador antes e durante a Segunda Guerra Mundial. O autor enfatiza os aspectos sociais da Alemanha pós-Primeira Guerra que levaram ao nazismo, sem abrir mão dos traços da personalidade da figura mais sinistra da história do século 20. “É o tipo de biografia magistral que somente um historiador de primeira linha é capaz de escrever?, disse a resenha do “The Observer” (Carlos Messias)
“Princess Diana: Her Life Story, 1961-1997” (1997, Publications International), de Richard Buskin
Originalmente publicado em 1992, este livro ganhou 32 páginas cobrindo a morte e o velório, que foi transmitido mundialmente, da Princesa de Gales. Mesmo sendo não autorizada, a obra tem mais credibilidade do que a biografia com a qual Diana chegou a contribuir, “Diana – Her True Story”, do jornalista de celebridades Andrew Morton, quem, segundo ela e outros membros da realeza britânica, distorceu os fatos e depoimentos que lhe foram amplamente concedidos (Carlos Messias)
“A Woman Named Jackie: An Intimate Biography of Jacqueline Bouvier Kennedy Onassis” (2000, Lyle Stuart), de C. David Heymann
Depois de encorajar John F. Kennedy a escrever “Profiles in Courage”, que retrata a história do senado norte-americano e que ganhou o Pulitzer de melhor biografia em 1957, a primeira-dama mais fascinante dos Estados Unidos foi tema de dezenas de biografias. No entanto, nenhuma delas foi tão completa (com 715 páginas) e controversa quanto esta, que se atreve a enxergá-la além do objeto de fascínio e, em vez de desmerecê-la, procura compreendê-la na intimidade, expondo toda sua complexidade (Carlos Messias)
“The Unauthorized Look at Steve Jobs 101 Genius Ideas to Success” (2013, 202 Press), de Xander Christoph
Lançada em junho, esta biografia tenta identificar e traduzir para a prática os componentes que formavam o gênio criativo Steve Jobs (1955-2011). Elementos como a mente inquisitiva, a arrogância, a determinação, a fase hippie e a formação cultural são analisados com lupa. Diferentemente da biografia autorizada, de Walter Isaacson, esta obra também lança luz, sem filtros, sobre características menos elogiosas do cofundador da Apple, como suas práticas selvagens de capitalismo, exploração de mão de obra e delírios de grandeza (Carlos Messias)
“Elvis” (1981, McGraw-Hill Book Co.), de Albert Goldman
Poucas biografias renderam tanta revolta quanto esta, chegando a fazer com que o autor fosse insultado em rede nacional. Em vez do glamuroso pop star, aqui o Rei do Rock é retratado como um caipira ignorante, infantil e incongruente, capaz de torrar US$ 100 em picolés em uma noite, que, mesmo se declarando publicamente contra as drogas, usava fraldas por incontinência, devido ao abuso de substâncias controladas. Sem contar as narrativas de orgias com garotas adolescentes (as quais ameaçava fisicamente) e a descrição pouco enaltecedora do seu membro (o “Little Elvis”), que teria sido motivo de vergonha para o galã. Não é leitura para fã (Carlos Messias)
“Get Back: The Unauthorized Chronicle of the Beatles” “Let It Be” Disaster” (1999, St. Martin”s Griffin), de Doug Sulpy e Ray Schweighardt
Um dos registros mais completos do rompimento da maior banda de rock da história. A obra narra em detalhes o dia a dia das gravações do disco “Let it Be”, entre os dias 2 e 31 de janeiro de 1969, quando se formou um atrito irreparável entre os “fab four”, levando à dissolução do grupo. O autor se baseou nos sigilosos rolos de fita dos bastidores da gravação do filme “Let it Be”, que foram roubados após a conclusão do documentário e apreendidos pela polícia três décadas depois (Carlos Messias)
“His Way: The Unauthorized Biography of Frank Sinatra” (1987, Bantam), de Kitty Kelley
Antes mesmo da publicação desta obra, o “Sr. Olhos Azuis” em pessoa ameaçou processar a autora em US$ 2 milhões, ideia que logo abandonou. Entre as principais acusações –aparentemente, realistas–, o Voz de Veludo seria um mulherengo crônico, teria histórico de violência doméstica sob efeito de doses cavalares de álcool e ligações com a máfia italiana. A autora declarou ter tido o a grampos da polícia de Nova York, arquivos de mafiosos e horas de entrevista com o ator Peter Lawford, um dos melhores amigos de Sinatra, enquanto ele estava no leito de morte (Carlos Messias)
“Madonna: Unauthorized” (1992, Island Books), de Christopher Andersen
Apesar de não ter revelações lá muito surpreendentes, esta biografia remonta em detalhes escândalos já bem conhecidos da Rainha do Pop, como a criação rígida por uma família católica, as primeiras experiências sexuais, envolvimentos com drogas no início do estrelato e o conturbado casamento com o ator Sean Penn, à época um alcoolatra, que praticava violência doméstica (Carlos Messias)
“Michael Jackson: The Magic, The Madness, The Whole Story, 1958-2009” (2009, Grand Central Publishing), de J. Randy Taraborrelli
Originalmente publicado em 1991, o livro ganhou uma edição revisada e ampliada em 2004, e outra em 2009, logo após a morte do Rei do Pop. Portanto, envolve 30 anos de pesquisas, contendo citações reveladoras de diversos membros da família do mito. A obra traz o pacote completo: a infância traumatizante no Jackson 5, o vitiligo, a infantilidade, os hábitos estranhos, o casamento de aparência com Lisa Marie Presley, os processos por pedofilia e insinuações de homossexualidade. Caso raro de biografia que não consegue separar o homem do mito (Carlos Messias)
“Brando: An Unauthorized Biography” (1987, Dutton Adult), de Charles Higham
Espécie de biógrafo das estrelas, Higham já perfilou Katharine Hepburn, Howard Hughes, Cary Grant, Orson Welles, Errol Flynn, entre outros. Ao tratar de Marlon Brando (1924-2004), o autor relata em detalhes a vida do astro, desde a infância difícil em Omaha (EUA) aos bastidores do início da carreira, no teatro, e das filmagens de longas como “Um Bonde Chamado Desejo” (1951). Contando com depoimentos de velhos amigos e ex-amantes do ator, o biógrafo remonta situações cômicas do seu ado e fundamenta a sua reputação de destemido (Carlos Messias)
“Tom Cruise: An Unauthorized Biography” (2008, St. Martin”s Press), de Andrew Morton
Este best-seller, que teve tiragem inicial de 400 mil exemplares, causou na vida do astro. Primeiro por abordar a separação de Mimi Rogers e de Nicole Kidman, o namoro com Penélope Cruz e com a modelo Sofia Vergara, e o conturbado início de relacionamento com Katie Holmes, que teria tido de se submeter a um teste para se tornar a namorada de Tom Cruise, e precisaria aceitar servir como garota-propaganda da Cientologia. Segundo, por mergulhar pesado no envolvimento do ator com esta instituição. De acordo com a autora, Nicole teria tido atritos com a igreja, que ameaçou tirar a guarda dos seus filhos, durante a separação (Carlos Messias)
“Angelina” (2010, St. Martin”s Press), de Andrew Morton
Controversa, esta biografía sobre Angelina Jolie foi acusada pelo “New York Times” de ser imprecisa, mas fez a festa dos leitores de tablóides com revelações picantes. Segundo o livro, ela teria tomado banho com Leonardo Di Caprio após a premiação do Globo de Ouro de 1998, os motivos que a levaram a se livrar oficialmente do sobrenome do pai, John Voight, de sua documentação; os espancamentos que sofreu do primeiro marido, Jonny Lee Miller; e a intimidade “caliente” com o segundo, Billy Bob Thornton. Além, claro, da relação com Brad Pitt (Carlos Messias)
“Mr. Playboy: Hugh Hefner and the Fantasy Life of Modern America” (2009, Wiley), de Steven Watts
Mais do que se apegar a quantas coelhinhas o criador da revista “Playboy” levou para a hidromassagem, esta biografia conta a trajetória de Hugh Hefner apontando como ele se tornou um ideal masculino na cultura de consumo após a Segunda Guerra Mundial. Mas claro que Watts, professor de história da Universidade de Missouri, não deixou de fora algumas curiosidades, como que, na Mansão de Playboy, todos os banheiros são equipados com aspirina, loção de amêndoas para o corpo e preservativos (Carlos Messias)
“Superhero: An Unauthorized Biography of Christopher Reeve” (1999, Bt Bound), de Chris Nickson
Uma história tocante e rica em detalhes contando como o protagonista de “Super-Homem” (1952-2004) foi de astro de Hollywood a ativista social em diversas frentes, ando, claro, pelo acidente que lhe deixou tetraplégico. Mesmo sem puxar muita sardinha para o lado do biografado, a obra procura mostrar a motivação interna do astro, que sempre teria tido um espírito lutador, que manteria durante ao longo de sua reabilitação, sempre em busca de uma possível cura para sua paralisia (Carlos Messias)
Antes de embarcar para Frankfurt, o escritor Luiz Ruffato, um dos preferidos dos leitores alemães, já tinha dito que seu discurso de abertura da 65.ª edição da maior feira de livros do mundo incomodaria. E incomodou na mesma medida em que encantou o público ao fazer referências à história e à situação atual do País. Pouco depois, em sua fala, o vice-presidente Michel Temer acabou vaiado por parte da plateia que compareceu ao evento. Em seu discurso de abertura na Feira do Livro de Frankfurt, o escritor Luiz Ruffato fez uma pesada crítica as desigualdades sociais brasileiras. Entre outras questões, falou do ado escravagista, de violência, da população carcerária e de homofobia. Leia a íntegra do discurso a seguir:
“O que significa ser escritor num país situado na periferia do mundo, um lugar onde o termo capitalismo selvagem definitivamente não é uma metáfora? Para mim, escrever é compromisso. Não há como renunciar ao fato de habitar os limiares do século 21, de escrever em português, de viver em um território chamado Brasil. Fala-se em globalização, mas as fronteiras caíram para as mercadorias, não para o trânsito das pessoas. Proclamar nossa singularidade é uma forma de resistir à tentativa autoritária de aplainar as diferenças.
O maior dilema do ser humano em todos os tempos tem sido exatamente esse, o de lidar com a dicotomia eu-outro. Porque, embora a afirmação de nossa subjetividade se verifique através do reconhecimento do outro –é a alteridade que nos confere o sentido de existir–, o outro é também aquele que pode nos aniquilar… E se a Humanidade se edifica neste movimento pendular entre agregação e dispersão, a história do Brasil vem sendo alicerçada quase que exclusivamente na negação explícita do outro, por meio da violência e da indiferença.
Nascemos sob a égide do genocídio. Dos quatro milhões de índios que existiam em 1500, restam hoje cerca de 900 mil, parte deles vivendo em condições miseráveis em assentamentos de beira de estrada ou até mesmo em favelas nas grandes cidades. Avoca-se sempre, como signo da tolerância nacional, a chamada democracia racial brasileira, mito corrente de que não teria havido dizimação, mas assimilação dos autóctones. Esse eufemismo, no entanto, serve apenas para acobertar um fato indiscutível: se nossa população é mestiça, deve-se ao cruzamento de homens europeus com mulheres indígenas ou africanas – ou seja, a assimilação se deu através do estupro das nativas e negras pelos colonizadores brancos.
Até meados do século XIX, cinco milhões de africanos negros foram aprisionados e levados à força para o Brasil. Quando, em 1888, foi abolida a escravatura, não houve qualquer esforço no sentido de possibilitar condições dignas aos ex-cativos. Assim, até hoje, 125 anos depois, a grande maioria dos afrodescendentes continua confinada à base da pirâmide social: raramente são vistos entre médicos, dentistas, advogados, engenheiros, executivos, artistas plásticos, cineastas, jornalistas, escritores.
Invisível, acuada por baixos salários e destituída das prerrogativas primárias da cidadania –moradia, transporte, lazer, educação e saúde de qualidade–, a maior parte dos brasileiros sempre foi peça descartável na engrenagem que movimenta a economia: 75% de toda a riqueza encontra-se nas mãos de 10% da população branca e apenas 46 mil pessoas possuem metade das terras do país. Historicamente habituados a termos apenas deveres, nunca direitos, sucumbimos numa estranha sensação de não pertencimento: no Brasil, o que é de todos não é de ninguém…
Convivendo com uma terrível sensação de impunidade, já que a cadeia só funciona para quem não tem dinheiro para pagar bons advogados, a intolerância emerge. Aquele que, no desamparo de uma vida à margem, não tem o estatuto de ser humano reconhecido pela sociedade, reage com relação ao outro recusando-lhe também esse estatuto. Como não enxergamos o outro, o outro não nos vê. E assim acumulamos nossos ódios –o semelhante torna-se o inimigo.
A taxa de homicídios no Brasil chega a 20 assassinatos por grupo de 100 mil habitantes, o que equivale a 37 mil pessoas mortas por ano, número três vezes maior que a média mundial. E quem mais está exposto à violência não são os ricos que se enclausuram atrás dos muros altos de condomínios fechados, protegidos por cercas elétricas, segurança privada e vigilância eletrônica, mas os pobres confinados em favelas e bairros de periferia, à mercê de narcotraficantes e policiais corruptos.
Machistas, ocupamos o vergonhoso sétimo lugar entre os países com maior número de vítimas de violência doméstica, com um saldo, na última década, de 45 mil mulheres assassinadas. Covardes, em 2012 acumulamos mais de 120 mil denúncias de maus-tratos contra crianças e adolescentes. E é sabido que, tanto em relação às mulheres quanto às crianças e adolescentes, esses números são sempre subestimados.
O Brasil é o país homenageado em Franlfurt
Hipócritas, os casos de intolerância em relação à orientação sexual revelam, exemplarmente, a nossa natureza. O local onde se realiza a mais importante parada gay do mundo, que chega a reunir mais de três milhões de participantes, a Avenida Paulista, em São Paulo, é o mesmo que concentra o maior número de ataques homofóbicos da cidade.
E aqui tocamos num ponto nevrálgico: não é coincidência que a população carcerária brasileira, cerca de 550 mil pessoas, seja formada primordialmente por jovens entre 18 e 34 anos, pobres, negros e com baixa instrução.
O sistema de ensino vem sendo ao longo da história um dos mecanismos mais eficazes de manutenção do abismo entre ricos e pobres. Ocupamos os últimos lugares no ranking que avalia o desempenho escolar no mundo: cerca de 9% da população permanece analfabeta e 20% são classificados como analfabetos funcionais –ou seja, um em cada três brasileiros adultos não tem capacidade de ler e interpretar os textos mais simples.
A perpetuação da ignorância como instrumento de dominação, marca registrada da elite que permaneceu no poder até muito recentemente, pode ser mensurada. O mercado editorial brasileiro movimenta anualmente em torno de 2,2 bilhões de dólares, sendo que 35% deste total representam compras pelo governo federal, destinadas a alimentar bibliotecas públicas e escolares. No entanto, continuamos lendo pouco, em média menos de quatro títulos por ano, e no país inteiro há somente uma livraria para cada 63 mil habitantes, ainda assim concentradas nas capitais e grandes cidades do interior.
Mas, temos avançado.
A maior vitória da minha geração foi o restabelecimento da democracia – são 28 anos ininterruptos, pouco, é verdade, mas trata-se do período mais extenso de vigência do estado de direito em toda a história do Brasil. Com a estabilidade política e econômica, vimos acumulando conquistas sociais desde o fim da ditadura militar, sendo a mais significativa, sem dúvida alguma, a expressiva diminuição da miséria: um número impressionante de 42 milhões de pessoas ascenderam socialmente na última década. Inegável, ainda, a importância da implementação de mecanismos de transferência de renda, como as bolsas-família, ou de inclusão, como as cotas raciais para ingresso nas universidades públicas.
Infelizmente, no entanto, apesar de todos os esforços, é imenso o peso do nosso legado de 500 anos de desmandos. Continuamos a ser um país onde moradia, educação, saúde, cultura e lazer não são direitos de todos, e sim privilégios de alguns. Em que a faculdade de ir e vir, a qualquer tempo e a qualquer hora, não pode ser exercida, porque faltam condições de segurança pública. Em que mesmo a necessidade de trabalhar, em troca de um salário mínimo equivalente a cerca de 300 dólares mensais, esbarra em dificuldades elementares como a falta de transporte adequado. Em que o respeito ao meio-ambiente inexiste. Em que nos acostumamos todos a burlar as leis.
Nós somos um país paradoxal.
Ora o Brasil surge como uma região exótica, de praias paradisíacas, florestas edênicas, carnaval, capoeira e futebol; ora como um lugar execrável, de violência urbana, exploração da prostituição infantil, desrespeito aos direitos humanos e desdém pela natureza. Ora festejado como um dos países mais bem preparados para ocupar o lugar de protagonista no mundo –amplos recursos naturais, agricultura, pecuária e indústria diversificadas, enorme potencial de crescimento de produção e consumo; ora destinado a um eterno papel ório, de fornecedor de matéria-prima e produtos fabricados com mão de obra barata, por falta de competência para gerir a própria riqueza.
Logotipo da feira de Frankfurt
Agora, somos a sétima economia do planeta. E permanecemos em terceiro lugar entre os mais desiguais entre todos…
Volto, então, à pergunta inicial: o que significa habitar essa região situada na periferia do mundo, escrever em português para leitores quase inexistentes, lutar, enfim, todos os dias, para construir, em meio a adversidades, um sentido para a vida?
Eu acredito, talvez até ingenuamente, no papel transformador da literatura. Filho de uma lavadeira analfabeta e um pipoqueiro semianalfabeto, eu mesmo pipoqueiro, caixeiro de botequim, balconista de armarinho, operário têxtil, torneiro-mecânico, gerente de lanchonete, tive meu destino modificado pelo contato, embora fortuito, com os livros. E se a leitura de um livro pode alterar o rumo da vida de uma pessoa, e sendo a sociedade feita de pessoas, então a literatura pode mudar a sociedade. Em nossos tempos, de exacerbado apego ao narcisismo e extremado culto ao individualismo, aquele que nos é estranho, e que por isso deveria nos despertar o fascínio pelo reconhecimento mútuo, mais que nunca tem sido visto como o que nos ameaça. Voltamos as costas ao outro –seja ele o imigrante, o pobre, o negro, o indígena, a mulher, o homossexual– como tentativa de nos preservar, esquecendo que assim implodimos a nossa própria condição de existir. Sucumbimos à solidão e ao egoísmo e nos negamos a nós mesmos. Para me contrapor a isso escrevo: quero afetar o leitor, modificá-lo, para transformar o mundo. Trata-se de uma utopia, eu sei, mas me alimento de utopias. Porque penso que o destino último de todo ser humano deveria ser unicamente esse, o de alcançar a felicidade na Terra. Aqui e agora.”
NA ÚLTIMA SEXTA-FEIRA, 6 DE SETEMBRO, MAIS UMA VEZ TIVEMOS O PRIVILÉGIO DE ENCONTRAR O AMIGO E GRANDE PESQUISADOR JOÃO BARONE EM NOSSA CIDADE. COMO COMENTADO ANTERIORMENTE EM NOSSO TOK DE HISTÓRIA, ELE AQUI ESTEVE PARA LANÇAR JUNTO AO PÚBLICO POTIGUAR O SEU NOVO TRABALHO “1942 – O BRASIL E SUA QUASE DESCONHECIDA GUERRA”.
O EVENTO, MAIS DO QUE BEM MOVIMENTADO, OCORREU NA LIVRARIA SICILIANO DO MIDWAY E FOI PLENO DE SUCESSO.
Barone sendo entrevistado pela jornalista Margot Ferreira, da Inter TV Cabugi
ENTRE OS AMIGOS DE NATAL COM QUEM TIVE OPORTUNIDADE DE ENCONTRAR, ERA UNÂNIME A POSITIVA OPINIÃO SOBRE A QUALIDADE DO LIVRO. BEM COMO O FATO DO TRABALHO DE BARONE SER UM MATERIAL QUE PODE MUITO BEM AJUDAR AQUELES QUE NÃO CONHECEM O TEMA DA PARTICIPAÇÃO DO BRASIL NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL A TEREM UM PRIMEIRO CONTATO.
PARABÉNS AO AMIGO JOÃO BARONE E QUE VENHAM OUTROS LIVROS TÃO INTERESSANTES QUANTO “1942 – O BRASIL E SUA QUASE DESCONHECIDA GUERRA”.
MAIS UMA VEZ VENHO EM NOSSO TOK DE HISTÓRIA CONVIDAS OS AMIGOS E AQUELES QUE GOSTAM DE HISTÓRIA PARA O LANÇAMENTO NA CAPITAL POTIGUAR DO LIVRO DO AMIGO JOÃO BARONE.
CONFORME PODEMOS VER NO CONVITE ACIMA, NO PRÓXIMO DIA 5 DE SETEMBRO, PRÓXIMA QUINTA FEIRA, O GRANDE JOÃO BARONE VEM A NATAL AUTOGRAFAR SEU ÚLTIMO LIVRO.
UM ÓTIMO MOMENTO DE ENCONTRO DAQUELES QUE GOSTAM DE HISTÓRIA. ESTAREMOS LÁ LEVANDO NOSSO ABRAÇO A ESTE GRANDE PESQUISADOR!
Junto ao grande João Barone e todos os maravilhosos Paralamas
Conhecido como baterista da banda Os Paralamas do Sucesso, João Barone é há muitos anos aficionado por assuntos da 2ª Guerra Mundial. Em livro publicado recentemente – “1942 – O Brasil e sua guerra quase desconhecida” – e que será lançado em Natal nesta quinta-feira dia 5 (às 19h na Saraiva do Midway Mall), Barone revela e analisa a participação do Brasil no conflito. O fato de ser filho de um dos mais de 25 mil pracinhas da FEB (Força Expedicionária Brasileira) que se dirigiram ao front europeu manteve aguçada sua curiosidade sobre o conflito. Na publicação, o autor dirige sua pesquisa pelo ado do pai e do país para unir dados, curiosidades e histórias emocionantes de uma campanha incrível que muitas vezes o próprio brasileiro desconhece. Especialista no assunto, ele escreve sobre a presença brasileira no conflito, desfazendo mitos e apresentando histórias surpreendentes em 1942: O Brasil e sua guerra quase desconhecida.
Lançamento do livro “1942 – O Brasil e sua guerra quase desconhecida”, de João Barone / Data: Quinta-feira, dia 5, às 19h / Onde: Livraria Saraiva – Piso L3, Midway Mall
Para aqueles que gostam da história da capital potiguar (e creio que para grande parte da minha geração) certamente a maior referência quando se desejava conhecer como era Natal no ado, sempre foi contemplar o maravilhoso trabalho do fotógrafo Jaeci Galvão.
Não quero dizer que os trabalhos de Bruno Bougard, Manuel Dantas, João Alves de Melo e outros fotógrafos que clicaram a terra potiguar não merecem respeito e consideração. Longe disso. Apenas quero dizer que para mim, foi vendo o trabalho de Jaeci, que sonhei com uma Natal que não existe mais e não conheci.
O trabalho deste homem é de tal forma uma referência, que ao observarmos muitas das fotos antigas que ele realizou, contemplamos com maior nitidez a nossa história.
Agora o trabalho e a vida de Jaeci Galvão está em um maravilhoso livro, realizado pelo seu filho, o igualmente talentoso Fred Galvão. Intitulado “JAECI, O DIVINO DA FOTOGRAFIA”, a obra possui 278 páginas, com muitas fotos do trabalho de Jaeci Galvão junto a nossa sociedade, fotos históricas da cidade de Natal e instantâneos que mostram toda a vida de um homem que trabalhou buscando o melhor ângulo de uma cidade chamada Natal.
O lançamento de “JAECI, O DIVINO DA FOTOGRAFIA” ocorre nesta quarta feira, dia 21 de agosto de 2013, ás seis da noite, no tradicional Iate Clube de Natal. O valor do livro é de R$ 50,00.
Parabéns ao amigo Fred Galvão por “JAECI, O DIVINO DA FOTOGRAFIA”!
Comunico que faleceu hoje pela manhã, de uma súbita parada cardíaca, o meu amigo Emil Anthony Petr.
Emil, ou Emílio para os amigos, é uma pessoa que vai deixar em todos nós uma forte, grande e maravilhosa lembrança. Com Emil sei que, até mesmo nestes momentos, aqueles a quem amamos e iramos nunca morrem, apenas seguem antes de nós.
Fui, com extrema honra, o seu biógrafo, onde no nosso trabalho “Eu não sou herói- A história de Emil Petr”, busquei registrar a interessante agem terrena desta pessoa a qual tive o privilégio de conviver por mais de três anos. Neste momento sinto que a dor jamais deve fazer com que eu esqueça a alegria de ter convivido e aprendido muito com ele.
Jamais vou esquecer do seu bom humor, de suas palavras e do que construirmos juntos com muita dedicação.
Hoje a cidade de Natal amanheceu chuvosa, meio triste, lúgubre. Eu também estou assim.
O novo livro do músico e pesquisador João Barone “1942-O Brasil e sua guerra quase desconhecida” foi esta semana um dos temas de uma interessante reportagem do programa Globo News Literatura.
Em seis minutos você pode conhecer mais sobre este livro e a pesquisa realizada. Para ar é só clicar no link abaixo;
Durante a reportagem fiquei surpreso e ao mesmo tempo feliz, de ver que na escrivaninha do amigo João Barone está o nosso último livro “Eu não sou Herói-A história de Emil Petr”.
João Barone é mais conhecido pelo seu desempenho nas baquetas da banda Paralamas do Sucesso, mas há algum tempo vem trazendo para o grande público, através de seus documentários e livros, novas e interessantes informações sobre a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial.
Já tive a oportunidade expressar a João Barone minha opinião que ele é um dos maiores responsáveis pelos processos de popularização deste tema nos últimos anos aqui no Brasil. Esta popularização é extremamente necessária para que aqueles que lá foram não sejam esquecidos, ajuda a pesquisadores a ampliarem novos trabalhos sobre o tema e para que esta história não volte a se repetir.
Sei que novos trabalhos do João Barone estão chegando e com certeza com a marca da qualidade que lhe é peculiar.
João Barone, ou João Alberto Barone Reis e Silva é carioca, torcedor do Fluminense, nascido em 5 de agosto de 1962 e o consagrado baterista da banda Paralamas do Sucesso, junto com Bi Ribeiro e Herbert Vianna.
Além de grande músico, João Barone é um aficionado por assuntos da Segunda Guerra Mundial. Filho de um dos mais de 25 mil pracinhas que lutaram na Itália, afirma que as narrativas das experiências vividas pelo seu pai naquele conflito eram um assunto comum em sua casa. Com o ar do tempo Barone ampliou e aprofundou o conhecimento sobre o tema e agora está lançando o seu segundo livro sobre o maior conflito da história da humanidade. Intitulado 1942 – O Brasil e sua Guerra Quase Desconhecida, já tem lançamentos agendados nas seguintes datas e locais;
Porto Alegre: 9/5, Fnac Barra Shopping, às 19:39hrs;
Curitiba: 13/5, Saraiva Krystal Shopping, às 19:39hrs;
Recife, 16/5, Saraiva Riomar Shopping, às 19:39hrs;
Salvador: 20/5, Saraiva Salvador Shopping, às 19:39hrs;
Rio: 21/5, Livraria da Travessa Shopping Leblon, às 19:39hrs,
Além do lançamento de 1942 – O Brasil e sua Guerra Quase Desconhecida (Nova Fronteira, 288 páginas, R$ 35,90), João possui junto com seu irmão um núcleo de projetos onde estão produzindo um documentário intitulado O Caminho dos Heróis (o segundo que ele produzsobre o Brasil na guerra) e em breve vão realizar uma mini série sobre o assunto, que certamente terá extrema qualidade.
Em 1942 – O Brasil e sua Guerra Quase Desconhecida, João Barone revela e analisa a participação do Brasil no conflito que sangrou o mundo. Dirige sua pesquisa pelo ado do pai e do país para unir dados, curiosidades e histórias emocionantes de uma campanha incrível que muitas vezes o próprio brasileiro desconhece. Em um encontro que tivemos recentemente, o autor me comentou que este seu livro se destinava a apresentar interessantes informações para aqueles que não tem muito conhecimento sobre este assunto e ajudar a diminuir grande parte do desconhecimento existente sobre o tema.
Neste tocante o novo livro de Barone vem bem a calhar, pois a participação da Força Aérea e da Força Expedicionária Brasileira nos campos da Itália, mesmo sendo forças de combate relativamente pequenas, possuí sua importância histórica, onde estes homens e mulheres representaram bem o nosso país, o único entre os Sul-Americanos a ter enviado tropas e lutado na Europa.
Entretanto as mudanças políticas ocorridas no Brasil, principalmente após 1964, fizeram com que muitos se desinteressassem pelo tema e até mesmo desprezassem aqueles que desejavam aprofundar estudos e pesquisas. No ado as pessoas que gostavam deste assunto eram facilmente taxados de belicistas, direitistas, adoradores da ditadura e por aí vai!
Eu moro na cidade Sul-Americana que teve a maior e mais efetiva participação neste conflito e anteriormente percebia claramente que aqui, afora alguns círculos específicos, não havia tanto interesse no debate mais aprofundado em relação ao tema e na produção de materiais informativos. Já no meio acadêmico local era normal uma maior carga de questionamentos por parte dos mestres e quando alunos desejavam seguir pesquisando e produzindo sobre este tema, era normal existir uma certa decepção nos rostos destes.
João ao lado de um caça P-47 da FAB que atuou na Itália
Felizmente nos últimos anos a visão sobre a pesquisa em relação a participação de nosso país na Segunda Guerra Mundial sofreu muitas mudanças. Foram lançados muitos livros, documentários, filmes e criados grupos de pesquisa que lutam pela preservação desta memória. Mesmo sendo questionável a qualidade de muito do que foi produzido, não podemos esquecer que foi bastante aprofundado o conhecimento do conflito humano, dos problemas, anseios e sofrimentos pelo que aram aqueles mais de 25 mil brasileiros que estiveram na Itália. Através desta mudança se conheceu com maiores detalhes as sagas e dores dos que sofreram os ataques de submarinos nazifascistas, ou perderam parentes nos afundamentos dos navios brasileiros e o papel da Marinha do Brasil no conflito.
Sem dúvida que na história da minha cidade, a Segunda Guerra Mundial é o período no qual Natal sofreu suas maiores e mais acentuadas mudanças em sua demografia, no comportamento de sua gente, na sua cultural, em sua economia e em outras situações. E por aqui ainda existe muita coisa para se pesquisar.
Através dos materiais sobre a Segunda Guerra Mundial que publiquei no nosso blog Tok de História, um dia recebi uma mensagem do João Barone e a partir daí iniciamos uma série de contatos, que culminou em um proveitoso encontro aqui em Natal, na última oportunidade que os Paralamas do Sucesso tocaram em nossa cidade.
João Barone o autor deste blog, após o último show dos Paralamas do Sucesso na capital potiguar
Conheci uma pessoa muito simples, ível e me espantou o quanto ele é extremamente conhecedor da história da participação brasileira neste conflito. Pelo devotamento que João Barone dedica ao estudo, atenção e zelo pela pesquisa deste assunto, certamente que seu novo livro 1942 – O Brasil e sua Guerra Quase Desconhecida será um sucesso e terá destaque na minha estante.
No último dia 16 de junho de 2012, um sábado, no Tropical Eco Resort, em São José de Mipibu ocorreu o lançamento do nosso mais novo livro.
Nosso novo trabalho.
Intitulado “Fernando Leitão de Moraes – Da Serra dos Canaviais à Cidade do Sol” foi um trabalho biográfico que buscou registrar a trajetória de um pernambucano nascido na região da Zona da Mata Norte, que escolheu Natal para viver e aqui criou raízes.
Trabalho simples, mas feito com esmero e dedicação, fruto do reconhecimento do meu trabalho anterior sobre o criador do Grupo Santa Clara/Três Corações, esta nova atividade nós levou a conhecer a região da cidade pernambucana de Macaparana, um belo e pouco conhecido local.
Estive na região em cinco ocasiões, sempre sendo muito bem acolhido, realizando os levantamentos necessários para a realização do nosso trabalho.
O convite para o lançamento do livro no éltimo dia 16 de junho de 2012
Por estar em um local onde existem elevações com mais de 800 metros de altitude, decidi criar o termo “Serra dos Canaviais”, fato desconhecido das maravilhosas pessoas desta região.
No artigo a seguir, uma adaptação do terceiro capítulo do nosso novo livro, trago um relato dos contatos ocorridos entre o famoso cangaceiro Antônio Silvino e anteados do nosso biografado na região de Macaparana.
A ideia de se inserir os acontecimentos relativos a Antônio Silvino neste trabalho se deveu as lembranças da infância de Fernando Leitão de Moraes,
A agem do bando deste famoso cangaceiro pela região da antiga Macapá, onde ocorreram combates que marcaram a memória local. Quem contava essas histórias ao nosso biografado era seu pai, Durval, sempre na casa do Sítio Gitó, no alto da Serra do Pirauá, acompanhado da plateia formada pelos filhos, parentes e moradores.
Aqui nosso biografado junto a sua irmã Creusa de Moraes Cavalcanti e sua sobrinha Creusa Olívia, defronte a casa centenária de seu avô, João Leitão de Melo, no Sítio Esquecido, atualmente na área rural da cidade pernambucana de São Vicente Ferrer. Tenho uma enorme gratidão a Dona Creusa e a sua filha pelo apoio nesta pesquisa. Foto – Rostand Medeiros
Foi realmente uma experiência interessante, que culminou com a festa de lançamento, de caráter privado e distribuição do livro dirigida aos cerca de 350, convidados que estiveram presentes na comemoração do 80º aniversário de Fernando Leitão de Moraes.
Neste trabalho biográfico contei com o total apoio de seus familiares, principalmente seus filhos Fernando Junior, Hermano da Costa Moraes e Fabiano Moraes, a quem agradeci diretamente na dedicatória de “Fernando Leitão de Moraes – Da Serra dos Canaviais à Cidade do Sol”.
A PRESENÇA DO CANGACEIRO ANTÔNIO SILVINO NA REGIÃO DE MACAPARANA
Antônio Silvino nasceu em no dia 2 de novembro de 1875, na Fazenda Colônia, zona rural de Afogados da Ingazeira, Pernambuco. A principal causa da sua entrada no cangaço, em 1896, foi a intenção de vingar a morte de seu pai. Lutou ao lado de seu tio, Silvino Aires de Alencar, e depois assumiu a chefia do grupo quando Aires foi morto, em 1900, em um combate na Paraíba, contra o tenente Luís Mansidão.
Antônio Silvino
Antônio Silvino foi o mais famoso cangaceiro do Nordeste brasileiro antes de Lampião. Foi rotulado de “Rifle de Ouro”, “Rei do Cangaço” e, durante 16 anos, ficou conhecido como “Governador do Sertão”.
As ocorrências envolvendo esse famoso cangaceiro, parentes e amigos da família do nosso biografado se deram entre os anos de 1904 e 1908, quando o bandoleiro e seus homens rondaram a região em vários momentos, atravessando impunemente a fronteira entre a Paraíba e Pernambuco.
Em 1904, a pequena Macapá continuava na sua missão de apoiar os que por ali avam com destino a São Vicente e Timbaúba, em Pernambuco, ou a Umbuzeiro, já na Paraíba.
Visão atual da cidade de Macaparana, Pernambuco, antiga Macapá. Foto – Rostand Medeiros
No lugar, prosperava o comerciante Manoel Francisco de Paula, conhecido como Manoel Belo, dono de um sortido armazém, daqueles que vendiam de tudo um pouco, que ficava ao lado da igreja. Era tido como um homem rico e também acumulava a função de delegado.
No dia 22 de outubro de 1904, segundo o jornal recifense “A Provincia”, edição de quinta-feira, 27 de outubro de 1904, p. 1-2, por volta das sete horas da noite um grupo de dez homens fardados chegou a Macapá supostamente conduzindo um preso. Mas o soldado de plantão reconheceu que o detido era o famigerado cangaceiro “Cocada”, parceiro de Antônio Silvino, e foi feito refém naquele momento, sendo obrigado a levar o bando à casa do subdelegado da povoação.
Diante da autoridade, Silvino, que usava uniforme com divisas de Sargento, informou que o seu negócio naquele lugar era com o comerciante Manoel Belo.
Foi, então, conduzido à residência do dono do armazém, onde fez inúmeras ameaças. Os cangaceiros levaram dinheiro, peças de tecidos, rifles e outros produtos. Segundo o jornal, foi o soldado refém quem conseguiu convencer Antônio Silvino a não levar Manoel Belo em troca de seis contos de réis.
Antiga casa de Manoel Belo, em Macaparana – Foto Rostand Medeiros
Após essa primeira abordagem, o bando ainda atacou outras casas comerciais. Levou, inclusive, todo o dinheiro do posto de arrecadação fiscal que ali existia, deixando o povoado às onze horas da noite, depois de quatro horas de terror.
Ainda de acordo com o periódico, depois de saírem da cidade, os cangaceiros se dirigiram ao Engenho Macapá; às cinco horas da manhã, seguiram para o Engenho Bonito, de João do Rego Cavalcanti, e depois para o Engenho Santa Tereza, de Francisco Prefeito de Albuquerque Maranhão, quando tomaram a direção de Bom Jardim. O jornal não informa se eles atacaram esses locais nem fornece maiores detalhes sobre o percurso.
A primeira página da edição de “A Provincia” de terça-feira, 1 de novembro de 1904, traz uma extensa reportagem sobre o ataque do bando de Antônio Silvino a Macapá, fazendo sérias acusações a proprietários rurais da região de fornecerem apoio ao cangaço[1].
Outro caso envolvendo Antônio Silvino não está ligado diretamente a Macapá, mas a um parente de Fernando Moraes, o fazendeiro e comerciante Joaquim Tavares Vieira de Melo.
Ele era conhecido na família Leitão como “Quincas Tavares” ou “Tio Quinca”, a quem a mãe do nosso biografado, Izabel de Andrade Melo, muitas vezes mandou Fernando Moraes e seus irmãos pedirem a bênção. Fernando lembra-se dele como sendo um homem alto e forte.
Joaquim casou em 25 de novembro de 1886 com Leonor Ferreira Gomes de Andrade. Era tido como um homem de grande poder aquisitivo e possuía uma imponente casa numa localidade conhecida como Poço Comprido, onde exercia liderança política.
Ao lado do casarão ficava seu armazém, com farto sortimento de Mercadorias[2].
Quincas Tavares tinha, em casa, um verdadeiro arsenal de rifles e farta munição. Um dia, estava limpando sua coleção, quando uma pessoa ou e lhe indagou qual era o motivo de possuir tantas armas. Certamente confiando no potencial bélico do qual dispunha, proclamou, aos quatro cantos, que “ali Antônio Silvino não teria vez”.
Sem nenhum aviso, Silvino chegou a Poço Comprido para tomar satisfações com Joaquim.
Visão atual do Distrito de Pirauá – Foto – Rostand Medeiros
Surpreendido, o comerciante clamou pela vida. O chefe cangaceiro declarou que Joaquim estava preso e que sua liberdade custaria muito caro. Foi quando o detido se lembrou do comerciante e amigo Gonçalo José de Medeiros, que morava no povoado de Pirauá, já na fronteira com a Paraíba, argumentando com Antônio Silvino que certamente seu camarada teria condições de pagar pelo resgate.
Antes de seguir para Pirauá, o armazém de Quincas Tavares foi saqueado, suas armas e munições foram tomadas e muitos mantimentos foram espalhados na principal rua do lugarejo para que fossem recolhidos pelos mais pobres.
Casa do major Gonçalo José de Medeiros, em Pirauá, na fronteira entre Pernambuco e Paraíba, para onde Antônio Silvino e seu bando levaram Joaquim Tavares Vieira de Melo como refém. Foto – Rostand Medeiros
Em Pirauá, Major Gonçalo, como era conhecido o mais importante comerciante local, disse a Silvino que possuía apenas duzentos mil réis e que daria todo aquele dinheiro para que seu amigo fosse solto pelo bando. Antônio Silvino, irritado com o baixo valor oferecido pelo prisioneiro, respondeu que a liberdade de Joaquim valia dois contos de réis.
Diante do ime, o chefe cangaceiro decidiu partir pela estrada que segue para a região do Sítio Gitó, já na Paraíba. Segundo uma das versões da história, Silvino iria levar seu prisioneiro para ser morto embaixo de uma frondosa cajazeira que ficava à beira da estrada.
Apesar das ameaças, o experiente cangaceiro percebeu que matar aquele homem não lhe traria nada de valor, além de problemas e perseguições. O melhor era receber os duzentos mil réis do
Major Gonçalo e evitar mais essa morte nas suas costas.
Ameaçou, então, um camponês que ava, exigindo que ele trouxesse o dinheiro que o comerciante de Pirauá havia oferecido em troca da vida de Joaquim.
Depois de receber e contar as notas, soltou seu prisioneiro.
Quase um ano depois do ataque a Macapá, Antônio Silvino e seu bando fariam um assalto a um engenho cujo proprietário era uma pessoa ligada a membros da família Moraes.
O fazendeiro Manoel Inácio de Andrade Lima. Fonte: Arquivo de José Inácio Moraes Andrade
Manoel Inácio de Andrade Lima era o senhor do Engenho Mirador, próximo à cidade de Bom Jardim, Pernambuco. Era uma terra poderosa, rica, com grandes áreas de plantações de cana-de-açúcar.
O motivo da visita do chefe cangaceiro seria uma vingança.
Em uma ocasião anterior, Silvino havia mandado um mensageiro pedir dinheiro ao dono do Engenho Mirador. Era uma das famosas solicitações de Antônio Silvino, que descaradamente alegava que não podia trabalhar por causa da perseguição do governo à sua pessoa. Então, argumentava que, como não queria roubar, apenas “pedia aos amigos”.
Manoel Inácio se recusou a atender não apenas a este, mas a vários outros pedidos feitos pelo cangaceiro. O problema era que o bandido não se esquecia dessas negativas e, quando tinha oportunidade, saía para cobrar o que havia pedido ou para gerar um prejuízo de grande porte.
Antônio Silvino, movido pela vingança, mandou seus cangaceiros abaterem a tiros de rifle todo o gado do Mirador e destruírem a casa-grande do engenho, principalmente seus móveis. Antes de deixar o local, gritou para os moradores: “Não é para aproveitar nem o couro dos bichos mortos!”.
O prejuízo – associado ao trauma do ataque dos cangaceiros – foi tão intenso que Manoel Inácio de Andrade Lima decidiu vender o Engenho Mirador e se mudar para uma propriedade próxima ao povoado de Poço Comprido. Começou a plantar outras culturas agrícolas, mas não prosperou. Então, vendeu a gleba e arrendou o Engenho Paquevira, nos arredores de Macapá, que pertencia à Senhora Maria Borba, mãe do futuro governador pernambucano Manuel Borba.
Xilogravura com a figura de Antônio Silvino
Somente dez anos depois do ataque de Antônio Silvino, o fazendeiro Manoel Inácio pôde se recuperar financeiramente. Ele comentava com seus descendentes que “valia mais a pena ser arrendatário plantando cana-de-açúcar do que ser proprietário de uma terra e plantar outras culturas”[3].
Existe, ainda, um último e importante caso envolvendo um membro da família Moraes e o cangaceiro Antônio Silvino: o do Bacharel Francisco Porfírio de Andrade Lima.
Sobre esse personagem, utilizamos o ótimo trabalho de pesquisa genealógica desenvolvido por José Ignácio de Andrade Lima. Segundo o estudioso, Porfírio nasceu em 1863 e se formou Bacharel em Direito pela tradicional Faculdade do Recife no ano de 1887.
O Bacharel Porfírio foi casado com Cândida Rosa Albuquerque de Morais, que faleceu em 4 de agosto de 1920, quando Porfírio era Juiz de Direito em Timbaúba. A união gerou quatorze filhos, entre eles, Ana de Moraes Andrade, de quem falaremos adiante.
Francisco Porfírio de Andrade Lima. Fonte: Acervo fotográfico da Fundação Joaquim Nabuco, Recife, Pernambuco
Ainda sobre Porfírio, sabemos que ele foi um dos fundadores da Loja Maçônica “Obreiros do Porvir”, da cidade de Nazaré, e que foi avô materno de Jarbas de Andrade Vasconcelos, ex-governador e atual senador pernambucano[4].
Em 1912, Francisco Porfírio era Chefe de Polícia em Pernambuco, cargo que pode ser comparado ao atual Secretário de Segurança do estado. Junto com o Bacharel Hercílio de Souza, então Secretário de Justiça, elaborou um plano que poderia ajudar a acabar com as ações do cangaceiro Antônio Silvino.
A ordem para esse projeto partiu do governador pernambucano na época, o General Emídio Dantas Barreto, que esteve à frente do Poder Executivo do estado entre 1911 e 1915[5].5
Capturar Antônio Silvino era uma das mais importantes demandas na área de Segurança Pública do governo pernambucano naqueles tempos.
Há anos o famoso chefe do cangaço dominava os sertões de Pernambuco, da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Agindo com extrema mobilidade, Silvino não reconhecia a existência de fronteiras, mas as polícias estaduais – fracas, despreparadas e pouco numerosas – ainda tinham o agravante de não poderem cruzar os limites entre os estados.
Mensagem do governador pernambucano lida na Assembleia Legislativa do estado, em 1913, mencionando a reunião interestadual organizada por Porfírio. Fonte: Arquivo do autor
Percebendo que isoladamente as polícias não resolveriam a questão, Francisco Porfírio, mais conhecido na família Moraes como Dr. Chico Porfírio, concluiu, junto com Hercílio de Souza, que apenas a união de esforços dos governos estaduais e de seus aparatos de segurança pública poderia resolver o caso Antônio Silvino.
Foram enviadas mensagens para os governos dos estados da Paraíba, Rio Grande do Norte e do Ceará solicitando a presença de representantes em Recife para uma reunião que ocorreria no dia 25 de novembro de 1912.
O chamado foi respondido positivamente.
Da Paraíba, seguiu o público e folclorista José Rodrigues de Carvalho. Do Rio Grande do Norte, veio o poeta, educador e escritor Henrique Castriciano de Souza e, do Ceará, seguiu para a importante reunião o escritor José Getúlio da Frota Pessoa[6].
Apesar da maioria dos respeitáveis representantes estaduais serem homens mais ligados à pena, utilizada para desenvolver poesias e textos literários, a reunião seguiu o caminho para o qual havia sido planejada. Os assuntos versados foram a criminalidade e a repressão ao banditismo, especialmente o caso Antônio Silvino.
Durante nossas pesquisas contamos com o apoio do pastor, pesquisador e professor Geraldo Batista (na cabeceira da mesa), que aqui está junto a Fernando Leitão de Moraes (a direita do Prof. Geraldo) e o autor deste trabalho (de camisa azul). Mestre Geraldo é uma grande figura humana, sempre disposto a ajudar, sendo imensamente devotado a Deus, a instrução e a história do seu lugar.
Ao final do encontro, foi realizado um festivo e concorrido almoço na conhecida “Pensão Landy”, à Rua Benfica, no centro da “Veneza brasileira”.
Henrique Castriciano de Souza retornou ao Rio Grande do Norte a bordo do paquete “Ceará”, da Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro, em 3 de dezembro, sendo recebido no porto pelo governador Alberto Maranhão. No entanto, Castriciano não adiantou quase nada aos jornais da capital potiguar, visto que a reunião tinha “caráter reservado”.
Logo o periódico “A Republica” estampava um editorial no qual apontava que;
“Graças às medidas de vigilancia e perseguição postas em prática pelo Governo do Estado, agora mais efficazes com o acordo firmado em Pernambuco, os bandos de malfeitores acossados pelas polícias dos Estados compromettidos nessa obra saneadora dentro em breve terão desapparecido. Antonio Silvino, de todos os bandidos o mais sagaz, não escapará as deligencias inteligentemente combinadas, para extirpar do seio sertanejo, a sua mais profunda raiz do banditismo”.[7]
Cada estado participante do convênio idealizado por Porfírio deveria criar condições para ampliar o combate aos cangaceiros de Silvino. No caso do Rio Grande do Norte, o governador Alberto Maranhão atendeu ao que havia sido acordado e anunciou que ampliaria o efetivo do Batalhão de Segurança.[8]
Após a reunião dos governadores, a atuação de Antônio Silvino aparentemente se tornou extremante limitada, apesar de não haver indícios deste cangaceiro ter associado o enfraquecimento do seu poder à ação istrativa tocada pelo Dr. Chico Porfírio.
Sobre a captura de Antônio Silvino em 1914.
Ainda que o esforço de Porfírio tenha colhido bons resultados, ele não testemunharia, como Chefe de Polícia, a captura de Antônio Silvino, pois já havia deixado o cargo. Em seu lugar, assumiu o Bacharel Joaquim Maurício Wanderley.[10]10.
No dia 27 de novembro de 1914, dois anos depois da do convênio firmado entre os quatro estados nordestinos, o procurado chefe do cangaço foi capturado. Mas não por uma força conjunta interestadual, e sim por uma volante da polícia pernambucana comandada pelo militar Theophanes Ferraz Torres.[11]
O fato se deu em uma propriedade denominada Lagoa da Laje, na época pertencente territorialmente ao município pernambucano de Taquaritinga do Norte.
Notícia do jornal “Diário de Pernambuco”, informando a liberdade de Antônio Silvino.
Ferido, Antônio Silvino foi enviado a Recife. Depois, foi julgado e condenado a trinta e nove anos e quatro meses de reclusão em regime fechado. Ele só seria libertado em 13 de março de 1937, mediante um indulto assinado pelo então presidente Getúlio Vargas.
O temido cangaceiro permaneceu vinte e três anos, dois meses e dezoito dias na prisão. Faleceu em 28 de julho de 1944, em extrema pobreza, morando de favor na casa de uma prima na cidade de Campina Grande, Paraíba.
[1] As edições do jornal “A Provincia” aqui mencionadas se encontram na Hemeroteca do Arquivo Público do Estado de Pernambuco, na Rua do Imperador D. Pedro II, 371, Bairro de Santo Antônio, no Centro de Recife (PE).
[2]Poço Comprido, que tem mais de 120 anos, teve como um de seus fundadores justamente Joaquim Tavares. Quando era criança, ele tomava banho, junto com alguns amigos, em um poço construído na horizontal, uma espécie de canaleta para escoar a água, que ficou conhecido como Poço Comprido. O local ficava a cerca de três quilômetros da casa de seus pais, que residiam na Serra do Aburá. Quando casou, Joaquim construiu uma casa ao lado do poço e lá foi morar com sua esposa – daí surge o povoado. Informação gentilmente cedida por Creuza Olívia de Moraes Cavalcanti, de Macaparana, sobrinha De Fernando Leitão de Moraes.
[3] Manoel Inácio era o bisavô de José Inácio Moraes Andrade, sobrinho do nosso biografado, que ouviu a narrativa do caso contada pelo seu pai, José Inácio Filho.
[4] Em uma nota publicada no Jornal do Commercio (Recife, 17 jun. 2000), o ex-governador de Pernambuco e atual senador Jarbas Vasconcelos recordou que, pelo fato de seu avô ser Chefe de Polícia, a sua mãe, Dona Áurea de Andrade Vasconcelos, nasceu no mesmo prédio que abrigava, no ano de 2000, a Direto ria de Polícia Civil, na Rua da Aurora. Como os governadores pernambucanos residiam no primeiro andar do Palácio das Princesas, o avô do senador Jarbas morava no primeiro andar do prédio de sua repartição, mantendo no térreo o gabinete onde trabalhava.
[5] Emídio Dantas Barreto nasceu em Bom Conselho, Pernambuco, em 1850. Era militar, participando da Guerra de Canudos como Tenente-coronel; foi um dos primeiros a publicar registros sobre o acontecimento, narrando sua experiência no livro ”Última Expedição a Canudos”, lançado em 1898. Foi Ministro da Guerra no governo Hermes da Fonseca, depois governador e senador de Pernambuco. Além da carreira militar e política, Dantas Barreto redigiu obras científicas, estudos militares e romances históricos, deixando extensas informações sobre campanhas militares do seu período. Morreu no Rio de Janeiro, em 1931, aos 81 anos de idade.
[6] Segundo as amareladas páginas do jornal “A Republica”, que constam no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e no Arquivo Público do Rio Grande do Norte, em 1912, Henrique Castriciano de Souza respondia pelo cargo de Procurador Geral
do Estado.
[7] Em 1912, os termos “cangaço” e “cangaceiro” não eram muito utilizados pela imprensa nordestina. Eram mais comuns os vocábulos “banditismo”, “facinorosos” e “bandoleiros”. O texto é uma reprodução idêntica à redação da época.
[8] Esse aumento de efetivo foi publicado no jornal “A Republica”, em 18 de dezembro de 1912, através do Decreto Estadual nº 279. Interessante é notar a diferença de rendimento entre esses militares. Enquanto o capitão recebia 350$000 réis de gratificação mensal, aos soldados eram destinados apenas 5$000 réis. Para maiores detalhes, ver “A Republica”, edição de 22 de janeiro de 1912, p. 3.
[11] Ferraz Torres nasceu em 27 de dezembro de 1894, na cidade pernambucana de Floresta, e tinha o posto de Alferes em 1914. Ficou conhecido pelos combates, na década de 1920, contra Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.
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Rostand Medeiros – Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN
O ano de 1926 iniciava de forma tranquila para a pequena cidade de São Miguel, mas pelo Brasil afora fortes tensões e graves problemas políticos cresciam desde 1922.
Em 1924 estouram vários levantes armados pelo país, com os mais sérios ocorrendo em São Paulo e no Rio Grande do Sul.
Grupo Escolar Padre Cosme, em São Miguel, um ano após a agem dos Revoltosos pela região – Fonte – Livro “João Rufino-Um visionário de fé”, pág. 65
Estes movimentos eram sempre motivados pela insatisfação generalizada da jovem oficialidade militar em relação a política do então presidente da República, o mineiro Artur Bernardes. Este era um homem de temperamento complicado e extremamente autoritário. Como exemplo podemos comentar que durante a gestão Bernardes, todo o seu período governamental, do primeiro ao último dia, foi realizado com o país em estado de sítio.
Foto aérea de São Miguel na atualidade – Foto – Prefeitura Municipal de São Miguel – Fonte – Livro “João Rufino-Um visionário de f´é”, pág. 367
As forças do governo em pouco tempo esmagam estas ações, mas os grupos revoltosos de São Paulo e do Rio Grande do Sul resistem e formam duas colunas revolucionárias. Os paulistas eram comandados pelo general Miguel Costa e os gaúchos pelo tenente engenheiro Luís Carlos Prestes. No dia 11 de abril de 1925 os dois grupos se encontram próximos a Foz do Iguaçu. Deste encontro os revoltosos, como ficaram conhecidos na época, decidem realizar a “guerra de movimento”, marchando pelo interior do Brasil, permanecendo na luta até a população se sensibilizar com o exemplo destes guerreiros, ajudarem a derrubar o despótico governo de Artur Bernardes e criar uma nova ordem.
Notícia sobre a invaso de São Miguel – Fonte – Coleção do autor
No início de fevereiro de 1926, dez meses depois de deixarem a fronteira com o Paraguai e cruzarem grande parte do país, a Coluna está deixando o estado do Ceará e seu caminho segue em direção ao Rio Grande do Norte, mais precisamente a São Miguel.
O então Governador potiguar, José Augusto Bezerra de Medeiros, sabendo da aproximação da Coluna de Revoltosos, informa ao coronel João Pessoa de Albuquerque, então Presidente da Intendência de São Miguel, cargo equivalente atualmente ao de prefeito, que os Revoltosos se aproximavam de sua cidade. Um curto telegrama informava que o grupo de revoltosos era composto de “70 combatentes”.
A Ladeira do Engenho, local do combate entre os revoltosos e os defensores de São Miguel – Foto – Rostand Medeiros – Fonte – – Fonte – Livro “João Rufino-Um visionário de f´é”, pág. 269
Foi formado então um contingente para interceptar o grupo na conhecida Ladeira do Engenho, um antigo caminho que ligava a região serrana ao Jaguaribe, no Ceará.
O advogado, atualmente residente na cidade de Coronel João Pessoa, Nivaldo Moreno Pinheiro, comenta que seu pai, o comerciante João das Chagas Moreno, mais conhecido como “Joca Gato”, participou da resistência. Homens da cidade se reuniram em seu ponto comercial, um bar conhecido como “bodega de Joca Gato”, onde o grupo aproveitou para tomar algumas “lapadas” de cachaça para dar o combustível da coragem. O proprietário do bar estava preocupado e questionou o grupo se os homens da cidade de São Miguel que se dispunha a lutar contra os Revoltosos, possuíam armamento e munição em condições adequadas? Ao invés de debaterem seriamente sobre a dúvida informada pelo precavido vendeiro, este foi sumariamente perguntado “-Se estava com medo?”. Diante destas discussões, “Joca Gato” nada mais perguntou, nem esperou por novos debates. Apenas foi em casa, pegou seu rifle Winchester, farta munição de calibre 44, lubrificou sua arma e partiu juntamente com um grupo, que os pesquisadores locais apontam como sendo superior a vinte homens armados.
Ata da então Intendência de São Miguel, sobre os Revoltosos – Fonte – Coleção do autor
Sobre esta questão, a ata da “Sessão Ordinária da Intendência Municipal de São Miguel”, datada de 3 de maio de 1926, elaborada três meses após a agem da Coluna de invasores, lista nominalmente vinte “patriotas”, mas informa haver “alguns outros” membros que faziam parte do grupo de defensores da cidade. Este importante e histórico documento se encontra atualmente nos arquivos da prefeitura municipal de São Miguel.
Já Raimundo Nonato é categórico ao afirmar em seu livro que os “patriotas” foram vinte civis e quatro policiais do destacamento de São Miguel. Este grupo potiguar foi reforçado por mais quatro homens do vizinho município cearense de Pereiro.
No total, apenas vinte e oito combatentes.
Aspecto da trilha da Ladeira do Engenho – Foto – Rostand Medeiros
Do outro lado os números são diversos. O documento elaborado pela municipalidade de São Miguel aponta que a Coluna de Revoltosos era composta de 2.000 homens. Os que se debruçaram sobre o assunto apontam um número mais modesto, entre 450 a 1.000.
O advogado Nivaldo Moreno Pinheiro em uma solenidade quando era prefeito da cidade de Coronel João Pessoa – Fonte – Livro “João Rufino-Um visionário de fé”, pág. 132
Mas voltando ao dia 3 de fevereiro de 1926, que São Miguel jamais esqueceu, Nivaldo Moreno informa que o grupo se posicionou na “cabeça”, no alto da ladeira do Engenho, já em território da vizinha cidade cearense de Pereiro, aguardando os “70 Revoltosos”, como dizia o documento do governo estadual.
O que os valorosos defensores avistaram do alto da sua privilegiada posição, a uma altitude em torno dos 650 metros, nem de longe se parecia com o reduzido grupo anteriormente informado. Diante dos seus olhos se avolumava uma grande quantidade de combatentes, mostrando-se como um verdadeiro exército em marcha.
Mesmo diante desta multidão motivada, armada, a maioria fardada de uniformes de cor kaki, lenços vermelhos ao pescoço e extremamente calejados na guerra de guerrilha, o grupo de combatentes de São Miguel não titubeou.
O primeiro a atirar teria sido Francisco da Costa Queiroz, o “Chico Queiroz”. Ele teria disparado não contra o grosso de um dos quatro grupos que formavam a Coluna, mas contra um contingente de umas trinta pessoas, que efetuavam a averiguação do terreno, em busca de possíveis inimigos. Os jornais antigos existentes no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte afirma que o grupo de defensores de São Miguel ainda conseguiu atingir e matar um dos revoltosos.
Mas a resposta dos experientes seguidores de Miguel Costa e Luís Carlos Prestes foi uma intensa chuva de balas. Um dos revoltosos atirou a poucos
metros da trincheira dos defensores com duas armas curtas. Os rebeldes recuaram deixando alguns materiais. Por sorte o grupo de defensores de São Miguel se protegeu atrás de várias pedras.
Logo outros membros da Coluna retornavam para novo combate. Os defensores da cidade serrana recuaram, se entrincheirando em uma casa e, segundo Raimundo Nonato, sustentaram forte tiroteio por duas horas.
A conhecida “Cruz do Revoltoso”. Segundo a tradição oral da região neste lugar estaria enterrado um membro da Coluna Prestes – Foto – Rostand Medeiros – Fonte – Livro “João Rufino-Um visionário de fé”, pág. 271
Diante do volume avassalador de fogo efetuado pelos membros da Coluna, que cercava a casa, além da noite se aproximando, o grupo onde estava “Joca Gato” percebeu que a sua resistência era inútil e todos fugiram deste local.
Nas primeiras horas do dia 4 de fevereiro de 1926, um novo grupo de doze defensores voltou para fustigar a Coluna de Revoltosos.
O grupo partiu armado de rifles, comandados por Manoel Vicente Tenório, tendo sido reunido em São Miguel, quando o fazendeiro Manuel Antônio Nunes, utilizou uma prática comum na época e atualmente esquecida nas cidades do
sertão; com um búzio marinho, ele “buzou”, alertando e chamando as pessoas na casa do coronel João Pessoa, para seguirem para a luta.
Resto do antigo engenho, que serviu de abrigo aos defensores de São Miguel contra os Revoltosos – Foto – Rostand Medeiros
Era noite fechada quando no sítio Crioulas, a alguns quilômetros da cidade, os defensores defrontaram-se com um contingente de trinta rebeldes. O tiroteio foi rápido, mas rendeu para os defensores a prisão do revoltoso Policarpo Gomes do Nascimento.
Este era natural do Maranhão, onde havia aderido às hostes revoltosas quando da sua agem pelo seu estado natal.
O dia vinha clareando quando este grupo de defensores retorna a São Miguel com o prisioneiro. Tenório está com mais dois outros companheiros quando na entrada da cidade estoura um novo tiroteio. Apesar da reação dos defensores, este grupo de rebeldes era mais numerosos e o chefe Tenório recebeu dois
balaços de fuzil na coxa esquerda.
Agora não tinha mais jeito, a Coluna de Revoltosos entrou em São Miguel.
Fonte – Coleção do autor
Ao adentrarem a cidade, primeiramente um oficial em um cavalo negro percorria as ruelas e gritava para que o povo não tivesse medo, que eles lutavam para derrubar um governo podre.
Depois um grupo vai direto á a agência dos correios onde destroem a estação telegráfica, para evitar a transmissão de informações à polícia em Pau dos Ferros. Estas informações foram transmitidas pela micaelense Zenaide Almeida Costa, autora do livro “A vida em clave de dó”. Na época da invasão Zenaide era uma criança, que juntamente com a família, foram alguns dos poucos habitantes de São Miguel a ficarem na cidade e testemunharem os fatos.
Logo uma grande quantidade de cavaleiros, com algumas mulheres, que acompanhavam seus homens pelos sertões afora, entraram na pequena cidade. Tiros eram dados para o alto e um grupo acampou diante da casa da família de Zenaide.
Igreja de São Miguel Arcanjo, com a fachada igual a época do ataque dos Revoltosos – Foto – Manuelito, através de material cedido pelo historiador René Guida – Fonte — Livro “João Rufino-Um visionário de f´é”, pág. 287
Segundo Nivaldo Moreno, os líderes dos revoltosos ficaram na casa de Manoel Vieira de Carvalho, que buscou receber o grupo da melhor forma possível. Outros membros foram ao cartório público, retiraram praticamente toda a documentação, fizeram uma pilha diante do prédio, jogaram querosene sobre a papelada e atearam fogo. Outro grupo ateou fogo em documentos diante da prefeitura.
Nivaldo conta que os invasores solicitaram ao então tesoureiro municipal, Chico Dias, a chave do cofre da prefeitura. Ao tentar entregar a chave, o tesoureiro foi obrigado ele próprio a abrir o cofre da municipalidade e o material que se encontrava no interior foi examinado pelos revoltosos. Membros do grupo obrigaram pessoas da comunidade a lavrar um termo onde apontavam o que continha este cofre. Foi encontrado dinheiro, que foi contado, listado, mas nada foi retirado.
Antiga Cadeia Pública de São Miguel, edificação com mais de 200 anos, que viu a Coluna ar diante de suas portas. Foto – José Guadêncio Torquato – Fonte – Fonte – – Livro “João Rufino-Um visionário de f´é”, pág. 357
Segundo o advogado, algumas pessoas indicaram para um grupo retardatário e revoltosos que determinados proprietários de casas comerciais afirmavam ser contra as causas que motivavam aquele grupo contra o Governo Federal, ou que este ou aquele dono de loja havia participado do tiroteio na Ladeira do Engenho.
Ao tomarem conhecimentos destes relatos, muitos destes inverídicos, alguns revoltosos promoveram diversos saques em várias casas comerciais de São Miguel. Foram espalhadas pelas poeirentas ruas de terra batida farta quantidade de produtos. Peças de tecidos foram abertas, a farmácia de Chico Queiroz foi saqueada, gêneros alimentícios subtraídos e em outros locais a cena foi se repetindo. Segundo a edição do jornal natalense “A Republica”, de 10 de fevereiro de 1926, o número de casas comerciais atingidas foi de dezessete. Para Nivaldo Moreno, inúmeras pessoas, algumas até mesmo com determinado nível financeiro de São Miguel, se aproveitaram da situação.
Nezinho Moreira, quando criança ficou frente a frente com os Revoltosos, nunca esqueceu que utilizavam lenços vermelhos no pescoço – Fonte – Livro “João Rufino-Um visionário de f´é”, pág. 330
Um grupo de batedores seguiu da cidade em direção a fazenda Riacho Fundo, analisando o caminho por onde seus companheiros deveriam prosseguir. Ao chegar neste local foi feito um contato e ocorreu uma troca de tiros com um contingente da polícia militar do Rio Grande do Norte comandado pelo tenente Juventino Cabral. Este pelotão policial havia saído de Pau dos Ferros, sendo composto por vinte homens e haviam levado oito horas para chegar ao Riacho Fundo.
Como resultado do encontro armado, um jovem morador deste sítio foi morto por disparos feitos pela força governamental, com balaços que lhe atingiram a cabeça.
Para a polícia potiguar, diante da realidade de se combater um grupo lutador e motivado, que superava todo o contingente policial potiguar da época, o melhor a fazer era dar meia volta em direção a Pau dos Ferros. Nesta cidade, esperando a chegada dos revoltosos, se encontrava um contingente de 150 homens armados e sob as ordens do major Luís Júlio, então comandante do Regimento de Polícia Militar.
Sítio Riacho Fundo, local do combate entre os membros da Coluna e a Polícia Militar do Rio Grande do Norte – Foto – José Correia Torres Neto
Para os rebeldes, o tiroteio no Riacho Fundo aparentemente motivou o grupo a seguirem pôr uma rota que os levaria para os sítios da Serrinha de João Paulo e Pau Branco.
Segundo Raimundo Nonato, se não tivesse ocorrido os confrontos na Ladeira do Engenho, nas Crioulas, na entrada da cidade e o encontro armado com a polícia no Riacho Fundo, provavelmente o tempo que os revoltosos ficariam em São Miguel seria mais longo. Ou como resultado destes combates a Coluna, ao invés de seguir em direção a Paraíba, poderia ter tomado o rumo de outras cidades potiguares, que seriam interessantes de serem conquistadas, como Pau dos Ferros, Apodi, Mossoró, ou até mesmo Areia Branca e seu importante porto.
Desfile cívico em São Miguel. Cidade de tradições.
Os historiadores que se debruçaram sobre este assunto não concordam com esta versão. Para eles a entrada da Coluna no território potiguar era apenas uma agem para os estados vizinhos e não tinham o intuito de atacar outras localidades potiguares.
Os líderes dos revoltosos esperavam que os oficiais do Exército Brasileiro, Souza Dantas, Seroa de Melo e Cleto Campelo, todos ligados a causa revolucionária, conseguissem rebelar os seus respectivos quartéis e aderissem ao grupo de combatentes revolucionários. Os dois primeiros militares estavam lotados na capital paraibana e o último em Recife. Mas as tentativas de rebelião destes militares fracassaram.
Membros do batalhão criado para defender Caicó dos membros da Coluna – Fonte Livro “Era uma vez em Caicó”, de Marcelo Rocha Coelho
Já o então deputado federal e futuro governador potiguar, Juvenal Lamartine de Faria, temeroso que diante de alguma ação bélica da polícia da Paraíba, houvesse a possibilidade dos revoltosos retornarem ao Rio Grande do Norte pela região do Seridó, organizou grupos de defesa em Caicó, Serra Negra do Norte, Jardim de Piranhas, Parelhas e outras localidades. Em Caicó, a mais importante cidade da zona seridoense, o grupo de defensores ali criado foi pomposamente chamado de “Batalhão Patriótico de Caicó”, ou “Batalhão Treme Terra”. Este era formado, segundo o pesquisador Adauto Guerra Filho, autor do livro “O Seridó na memória de seu povo” (2001), por um contingente que chegava a 300 combatentes. Para muitos, Juvenal Lamartine aproveitou a agem dos revoltosos para ganhar politicamente com o fato e assim ratificar sua indicação como futuro governador potiguar. Fato que ocorreu em 1927.
Juvenal Lamartine a frente do Batalhão de Caicó – Fonte – Coleção do autor
O certo é que a partir das notícias do combate no Riacho Fundo, o grosso dos combatentes rebeldes converge em direção ao sítio Pau Branco.
Uma parte do contingente de milicianos revoltosos ou na mesma estrada que hoje a exatamente defronte a sede da fazenda São Gonçalo, pertencente à família de João Alves de Lima, o João Rufino, o nosso biografado.
A Coluna de Revoltosos seguiu em direção aos atuais territórios dos municípios potiguares de Venha Ver e Luís Gomes, onde o trajeto utilizado aparentemente foi através dos sítios Bananeira, Formoso, Bartolomeu e depois Venha Ver, na época uma fazendola com algumas casas na beira de um açude.
A rezadeira Maria Bernarda de Aquino, conhecida como Dona Cabocla – Foto – Rostand Medeiros
Nesta cidade, segundo relatos da conhecida rezadeira Maria Bernarda de Aquino, conhecida como Dona Cabocla, através do que seus pais lhe contaram, enquanto o grosso da tropa seguia adiante, alguns membros da Coluna acamparam próximos ao açude, aonde chegaram a permanecer alguns poucos dias na região, inclusive com suas mulheres. Estas utilizavam lenços e panos na cabeça de cor vermelha, mostrando orgulhosamente que faziam parte do grupo rebelado.
Logo os revoltosos mataram vários porcos para sua alimentação e não molestaram ninguém. Estavam sempre com um vigilante permanentemente de plantão e andavam todo o tempo “equipados”, com suas amas e munições prontas para o uso imediato.
Uma mulher de Venha Ver, conhecida como Josefa, ou Zefa de Zé Lauro, ajudou as mulheres dos rebeldes com lavagens, concertos de roupas e preparação de alimentação. Como pagamento pelo seu trabalho ela ganhou farta quantidade de dinheiro, tecidos, redes, lençóis, roupas prontas e utensílios variados.
A cidade de Venha Ver – Foto – José Correia Torres Neto
Para Dona Cabocla a pobreza naquela época era tão grande que sua mãe, Maria das Dores de Jesus, comentava que com este material, a família de Zefa de Zé Lauro se tornou “rica” do dia para a noite em Venha Ver.
Após saírem deste lugarejo, a Coluna de Revoltosos seguiu em direção a propriedade Cacos (ou Cactos), e após arem pela Ladeira dos Miuns, estiveram na região dos sítios Tigre, Imbé, São Bernardo, Feira do Pau e na pequena área urbana da cidade de Luís Gomes.
Praça central da cidade de Luiz Gomes – Foto – Rostand Medeiros
Em Luís Gomes se repetiram as “ações revolucionárias”, com uma sequência de saques de casa residências e comerciais. Foram provocados incêndios no cartório e na agência dos correios. Já no dia 6 de fevereiro, os revoltosos deixaram Luis Gomes e o Rio Grande do Norte, adentrando na Paraíba.
Depois de deixarem terras potiguares, a Coluna de Revoltosos combateu ainda por vários estados brasileiros.
Cruzeiro nas proximidades da Ladeira dos Miuns, local de agem dos revoltosos – Foto José Correia Torres Neto – Fonte – Livro “João Rufino-Um visionário de f´é”, pág. 277
Exatamente um ano após ar por São Miguel, a 4 de fevereiro de 1927, o grupo cruzou a fronteira com a Bolívia, onde foi dissolvido.
Já seus líderes tomaram rumos diversos. Luís Carlos Prestes, o mais conhecido e respeitado de todos, inspirou o mito do “Cavaleiro da Esperança”, que durante anos alimentou aspirações das camadas médias urbanas por uma vida melhor. Em 1930 Prestes adere ao comunismo e continua fiel a esta ideologia até a sua morte em 1990. Com o ar dos anos, conforme a popularidade do antigo comandante crescia, o exemplo de sua liderança e ideais se tornam conhecidos, a Coluna de Revoltosos é esquecida e se torna a Coluna Prestes.
Para São Miguel e região, este foi o mais importante acontecimento histórico ocorrido no século ado.
Mesmo diante de um inimigo extremamente experiente e poderoso no número de combatentes, mesmo com invasão da cidade pelos revoltosos sendo inevitável, a postura de seus defensores demonstra a capacidade de luta do seu povo e merece ser lembrada sempre.
Fonte – Coleção do autor
Entretanto, na opinião deste pesquisador, este momento histórico é timidamente recordado pela comunidade e consequentemente pouco conhecido pelos habitantes mais jovens de São Miguel.
Na região oeste potiguar é notório o enorme sucesso do trabalho de resgate da memória, em relação à resistência da população da cidade de Mossoró contra o bando do cangaceiro Lampião, no dia 13 de junho de 1927.
São Miguel na década de 1950.
Entretanto não podemos deixar de comentar que no dia do ataque de Lampião a esta cidade, um número em torno de 200 defensores em armas estavam preparados, em diversas barricadas, para defender Mossoró contra um grupo de cangaceiros que girava em torno de cinquenta membros.
Proporcionalmente a “Capital do Oeste” teve uma nítida vantagem. Já no caso de São Miguel, sem contar o tiroteio na fazenda Riacho Fundo, protagonizado entre revoltosos e policiais, nos outros três entreveros antes da Coluna adentrar a cidade, o número máximo de defensores foi apenas de vinte e oito homens.
Capa do nosso trabalho onde está inserido este artigo – Fonte – Coleção do autor
Mesmo fracionada, os revoltosos chegaram a esta região serrana com um número muito superior ao de cangaceiros que atacaram Mossoró. Além do mais, sem desmerecer o fato, mas não se pode esquecer que Mossoró se defendeu de cangaceiros. De bandoleiros que praticavam a rapinagem e o sequestro em larga escala. Mesmo levando-se em conta a capacidade de combate dos homens de Lampião, São Miguel tentou a defesa, considerada impossível, contra um número muito maior de calejados e motivados combatentes. Homens e mulheres comandados por alguns dos mais corajosos, idealistas e preparados grupos de oficiais que o Exército Brasileiro já formou.
Noite de autógrafos em São Miguel – Fonte – Coleção do autor
Os quatro dias da agem do bando de Lampião em território potiguar, teve um enorme saldo negativo. Foram assassinatos, diversos sequestros, suspeitas de estupros, roubos, saques e outros tantos delitos.
Nos dias da agem da Coluna Prestes no Rio Grande do Norte, é inegável que os revoltosos saquearam casas comerciais, em busca de medicamentos e materiais para a continuidade da luta. Várias foram às apropriações de equinos para a continuidade de sua marcha e, antes deles terem matado alguém, tiveram um dos seus combatentes morto na subida da Ladeira do Engenho.
Para quem estuda o fenômeno de banditismo social ocorrido no Nordeste do Brasil entre 1820 e 1944, conhecido por cangaço, conversar com os raros sobreviventes ou suas famílias, tentar uma entrevista com muitas destas pessoas, muitas vezes é tratar de um assunto delicado, difícil e complicado, diante do que as pessoas aram nas mãos de bandidos da pior espécie.
Já ao tratarmos do tema Coluna Prestes em São Miguel, ocorre uma situação totalmente inversa. Na região da serra as pessoas têm orgulho em contar que a “Coluna ou na minha casa”, como os descendentes de João Rufino têm ao comentarem sobre a agem de membros da Coluna Prestes diante de sua propriedade na fazenda São Gonçalo.
Festa de lançamento, com exposição fotográfica – Fonte – Coleção do autor
Para as pessoas da região, diferentemente de Lampião, os revoltosos possuíam um ideal, eram educados, tinham um objetivo.
Apesar de serem movimentos históricos distintos em diversas características, pelo que aqui foi descrito, em nossa opinião, este momento histórico deve ser lembrado na região de São Miguel com maior ênfase, para evitar o seu total esquecimento.
Este texto é parte integrante do livro “João Rufino-Um visionário de Fé”, páginas 268 a 280, de nossa autoria. Est obra foi lançada em São Miguel-RN, em abril de 2010, com o ISBN nº – 9788590942412, editado pela Caravela Selo Cultural, de Natal-RN.
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Dentre os inúmeros “raids” de aviação que utilizaram Natal como ponto de apoio, durante as décadas de vinte e trinta do século ado, um deles deixou como legado histórico para a nossa cidade, um presente que apenas outra cidade do Novo Mundo tem orgulho de ostentar. Uma legítima coluna de mármore, vinda do Capitólio Romano, com cerca de 2.000 anos de idade.
Coluna Capitolina
E este emblemático presente foi conseguido apenas com um gesto que é típico, comum e totalmente natural para quase todos os potiguares; sempre, ajudar e acolher dignamente aqueles que nos visitam.
Foi isto que ocorreu na então pequena Natal de 35.000 habitantes, em 1928, quando recebemos dois pilotos italianos que aqui chegaram com a intenção de bater um importante recorde, na época em que voar era uma ação pioneira e perigosa.
Mas como Natal foi incluída neste trajeto e porque da nossa cidade foi contemplada com este presente?
As Causas
Durante a segunda metade dos anos vinte do século ado, a Itália estava dando muita atenção e patrocinando empreitadas aéreas pelo mundo afora.
O país chegaria até mesmo a investir em explorações aéreas no ainda pouco conhecido Polo Norte. Em 15 de abril de 1926 o ditador italiano Benito Mussolini patrocinou a ida do dirigível batizado como “Itália”, comandado por Umberto Nobile e composto de uma tripulação de militares e cientistas. Após alcançar o Pólo Norte, no dia 28 de maio, o “Itália” cai no gelo. Uma grande e frenética expedição de socorro, com a participação de vários países foi organizada. Caberia ao quebra-gelo “Krassin”, da extinta União Soviética, resgatar parte do grupo.
Benito Mussolini
Na visão governamental a expedição de Nobile foi um vexame. Para Mussolini ver o nome do país em um dirigível caído na banquisa polar não era nada positivo para seu governo, que era pra lá de personalista e extremamente nacionalista. Todos estes fatos levam o Governo Italiano a responsabilizar severamente Nobile pelos problemas ocorridos, sendo ele acusado de abandonar seus companheiros.
Para alcançar novos feitos aeronáuticos enaltecendo a força do seu governo, Mussolini convoca o Secretário da Aeronáutica Ítalo Balbo, para idealizar novos projetos aéreos que possam apagar dos noticiários a tragédia do dirigível “Itália”.
Ítalo Balbo
Um destes empreendimentos gera um novo aeroplano na fábrica Savoia-Marchetti, em Sesto Calende, na província de Varese. Este avião tinha a missão era bater dois recordes aeronáuticos de reconhecimento mundial: o de voo em distância e duração em circuito fechado e o recorde de distância em vôo em linha reta.
Este último recorde estava em poder dos pilotos norte americanos Clarence D. Chamberlin e Charles A. Levine, que entre os dias 4 e 6 de junho de 1927 decolaram de Nova York com destino a Berlim, mas são obrigados a pousar pôr falta de gasolina em Eisleben (Alemanha). Mas estes pilotos conseguem completar a espantosa marca para a época de 6.294 quilometros de distância percorrida.
Na Itália são escolhidos os dois homens para bater esta marca. Serão os experientes aviadores Arturo Ferrarin e Carlo Del Prete.
Os pilotos e Sua Máquina Aérea
Arturo Ferrarin
Arturo Ferrarin era conhecido pelo apelido de “IL Moro” (o mouro), pôr possuir pele morena. Nasceu em 13 de fevereiro de 1895 na cidade de Thiene, província de Vicenza, na região do Veneto e a sua paixão pela aviação começa cedo. Com a Primeira Guerra Mundial é incorporado ao Batalhão de Aviação, sendo enviado a 75º esquadrilha de caça, participando primeiramente como metralhador de cauda. Em 1916 consegue seu brevê e em 1917 é incorporado a 82º esquadrilha de caça. Ao terminar o conflito Ferrarin ostenta duas cruzes de mérito, uma medalha de bronze e uma de prata de valor militar. Com o desenvolvimento da aviação e o surgimento dos “raids”, Ferrarin decide realizar, ao lado do piloto Guido Masiero, um percurso inédito entre a Itália e o Japão. Será utilizado na aventura um simples biplano italiano SVA, de estrutura de madeira, coberto com lona, cabina aberta e sem radiocomunicação. Este “raid” foi idealizado pelo poeta italiano Grabielle D’Annunzio, durante uma fase de intenso intercâmbio entre os dois países. Os dois pilotos partiram no dia 14 de fevereiro de 1920, percorrendo 18.000 km, em quarenta e duas etapas cheias de contratempos, durante 106 dias e chegando ao país do sol nascente no dia 31 de maio. No Japão foram recebidos como heróis, tendo inclusive o imperador japonês entregue aos aviadores espadas de samurai em reconhecimento pelo esforço.
No retorno a Itália, os dois pilotos foram praticamente ignorados pelo Governo e pela imprensa. Para Ferrarin a dor só não foi pior pela intensa manifestação positiva realizada em Thiene, sua cidade natal.
Em 1926 e 1927 Ferrarin participa como membro da equipe italiana, de duas edições da então famosa Copa Schneider. Esta era uma competição de velocidade para aviões em circuito fechado. Após sua participação em 1927, ele é convocado para bater o recorde em direção ao Brasil.
Carlo Del Prete
Já Carlo Del Prete nasceu em Fivizzano, na província de Lucca, em 21 de agosto de 1897. Aos 15 anos já é ingresso na Academia Naval de Livorno, alcançando o posto de guarda-marinha e embarca na nave “Giulio Cesare” para participar da Primeira Guerra Mundial. Depois é transferido para o setor de submarinos e participa de várias ações de combate. A partir de 1917 a a interessar-se pela aeronáutica, tendo conseguido seu brevê de piloto aviões em 6 de outubro de 1922. No ano seguinte forma-se em engenharia mecânica e eletrotécnica e tempos depois sofre um grave acidente aéreo no Golfo Della Spezia. Mesmo depois de uma recuperação lenta e penosa, Del Prete não desiste da aviação e entre fevereiro e junho de 1927, participa com o Marquês sco De Pinedo da dupla travessia do Atlântico no avião “Santa Maria”.
Este “raid” o traria pela primeira vez a Natal e sendo justamente esta visita que definiria a rota a ser seguida. Del Prete não chegou nem a desembarcar do hidroavião pousado no Rio Potengi, mas compreendeu as vantagens da capital potiguar em relação a ser o melhor ponto de apoio no Brasil para quem atravessa de aeroplano o Oceano Atlântico.
Savoia-Marchetti S-64
Em Sesto Calende o engenheiro Alessandro Marchetti desenvolveu uma aeronave com 21,50 metros de área de asa, peso total de 6.800 quilos, com 27 tanques de combustível, que lhe conferia um peso de combustível de 3.850 quilos. A nave possuía uma rudimentar estação de rádio que transmitia em código Morse, mas não captava ninguém. Para manter o avião no ar ele possuía um motor FIAT A22T, com 12 cilindros e 550 HP de potência, que proporcionava uma velocidade media de 163 km/h, tudo acondicionado em um único monobloco de madeira. Ela foi batizada com o Savoia-Marchetti S-64.
O S-64, seus engenheiros e pilotos
A Rota e o Início do Voo
Del Prete sabia que os ventos em direção a Natal são mais os favoráveis para a missão desejada. Tem o conhecimento que a cidade possui certa infraestrutura de apoio, comunicação e que um novo campo de pouso criado pelos ses está em operação, em um lugar que ficaria mundialmente conhecido como Parnamirim.
Visita de Mussolini e Balbo a Ferrarin e Del Prete
Outro fator que teria estimulado a rota em direção a Natal foi o episódio envolvendo os espanhóis do avião “Jesus Del Grand Poder”. Estes tinham fracassado ao tentarem bater o mesmo recorde de distância dos Norte-americanos Chamberlin e Levine, utilizando, entretanto uma rota em direção ao oriente. A desistência ocorreu pôr conta de uma forte e inesperada tempestade de areia sobre o Iraque, que danificou o aeroplano espanhol. Apesar da travessia sobre o Atlântico, este episódio mostrou que a rota para Natal era muito mais tranquila.
Mapa de época com o trajeto para a quebra do recorde em circuito fechado
Mas antes do “raid” para o Brasil, os dois pilotos batem na Itália o recorde de duração e de distância de voo em circuito fechado. Este evento constituía de decolar o avião, circular por uma área pré-determinada pelo máximo de tempo possível, sendo toda hora observados por juízes. Era uma prova de resistência que foi efetuada entre os dias 31 de maio e 2 de junho de 1928, onde os dois italianos percorreram uma distância de 7.667 km, em um tempo total de 58 horas e 34 minutos, a uma velocidade média de 139,2 km/h.
Del Prete ovacionado com a quebrado recorde em circuito fechado
Animados pôr este feito, um mês depois, no campo de aviação de Montecelio, próximo a Roma, numa pista com 1.200 metros de extensão, construída propositadamente com inclinação acentuada para facilitar a decolagem, o Savoia-Marchetti S-64 alça voo no dia 3 de julho de 1928, ás 18:51 no horário local.
Decolagem do S-64 de sua pista especial
Ferrarin e Del Prete seguiram então sem maiores problemas para a costa mediterrânea da África. Eles sobrevoaram sem paradas a colônia britânica de Gibraltar, depois Casablanca, Villa Cysneiros, Lãs Palmas, São Vicente, Porto Praia e depois iniciaram a travessia do grande Oceano Atlântico.
A Chegada em Touros
Já no dia 27 de junho os jornais de Natal informaram a partida de Ferrarin e Del Prete da Itália e a partir de então crescia a tensão para a chegada dos pilotos.
O S-64 em voo
Conforme nos conta Paulo Pinheiro de Viveiros, em seu livro “História da aviação no Rio Grande do Norte”, na manhã do dia 5 de julho a estação de rádio da Marinha, localizada em Réfoles, as margens do Rio Potengi, captou a informação que os italianos estavam a apenas 50 milhas náuticas do Arquipélago de São Pedro e São Paulo. Depois de ser confirmada a notícia por uma estação telegráfica particular, não houve mais informações sobre os aviadores.
A população natalense prestava bastante atenção aos céus, aguardando com ansiedade a chegada do Savoia-Marchetti S-64. Por ironia do clima e para dificultar a situação dos italianos, desde o dia 3 de julho chovia muito forte no nosso litoral. Durante todo dia 5, Natal estava coberta pôr pesadas nuvens e o povo já dava como certo que o avião italiano seguiria para Recife.
Após alcançarem o litoral os aviadores vagaram por várias áreas, existindo a suspeita que chegaram até mesmo a alcançar estados vizinhos. Retornaram a região onde avistaram primeiramente a costa brasileira e finalmente, ás 16:10 da tarde, sobrevoaram Natal. Da cabine Ferrarin e Del Prete viram as pessoas que acenavam com lenços brancos das ruas.
Após sobrevoarem Natal, buscaram o campo de Parnamirim, que sabiam ficar ao lado de uma estrada de ferro, mas sem resultado positivo. Seguiram então a baixa altitude em direção norte, ando sobre as praias em busca de um local de pouso. Ao sobrevoarem a praia de Genipabu foi observado pôr um fazendeiro, que prontamente reportou o fato para a sede do jornal “A Republica” e para as autoridades da cidade.
Sejam motivadas pelo relato deste observador, ou pela falta de maiores notícias, as autoridades da cidade aprestaram rapidamente o rebocador do porto de Natal, o “Lucas Bicalho”, para tentar ajudar os italianos que estariam em alguma das então desertas praias do litoral norte. Faziam parte da tripulação o engenheiro Décio Fonseca, chefe do porto de Natal, o comandante da Escola de Aprendizes de Marinheiros, Nereu Chalreu, o piloto da Marinha do Brasil, Djalma Petit e outros.
O rebocador estava preste a partir quando a tripulação foi informada que o aeroplano e seus aviadores encontravam-se na cidade costeira de Touros, hóspedes do vigário local, o padre Manuel da Costa.
Na manhã seguinte, dia 6 de julho, um avião Breguet XIV, número 158, da C. G. A. (Compagnie Generale Aeropostale) pilotado pelo francês André Depecker, acompanhado pelo mecânico Chaulat, decolou do aeródromo de Parnamirim, seguindo a linha litorânea até Touros, a 80 quilômetros de Natal.
As autoridades locais e os visitantes foram ao encontro do avião que estava a dois quilômetros da pequena cidade litorânea, sobre uma área de dunas, entre 600 metros e a um quilômetro da beira mar.
O S-64 pousado em Touros
O aposentado Geraldo Lopes de Oliveira, nascido no então vilarejo de Touros, tinha oito anos à época do pouso forçado do Savoia-Marchetti S-64 naquela localidade. Em declarações ao jornal “Diário de Natal” (25/01/1998), disse que “acompanhou de perto a chegada dos pilotos italianos”. Declarou que na ocasião “o vilarejo tinha cerca de 800 habitantes e o barulho causado pela aeronave assustou a população local”.
No outro dia, já mais repousados, os aviadores italianos conseguiram que dois pescadores ficassem como vigias junto ao avião, até que pudesse o mesmo ser transportado. Essa tarefa coube aos pescadores Antônio Marcolino e Antônio Pereira, segundo relato do Sr. Geraldo. Em troca, os improvisados vigias poderiam consumir a farta alimentação trazida a bordo, juntamente com seus familiares. Esta alimentação, com estoque para 15 dias de viagem, fora preparada pelo renomado restaurante “Casina Valadier”, localizado na área da Villa Borghese, mais precisamente na Piazza Bucarest, em Roma. Seguramente foi uma degustação bem diferente a qual as famílias dos improvisados vigias estavam acostumadas.
O S-64 na beira mar de Touros
Com o auxílio de cerca de 80 homens da cidade, foi aberta uma picada que possibilitou o deslocamento da aeronave do local do pouso à praia. No dia 7 de julho, Del Prete e Ferrarin estavam a bordo do rebocador “Lucas Bicalho” com o objetivo de transportar o Savoia-Marchetti S-64 para Natal e submetê-lo aos reparos necessários. Como o rebocador não tinha condições de aproximar-se da praia, o avião foi primeiramente colocado numa balsa e depois atado ao valente “Lucas Bicalho”. Em seguida iniciou-se o lento e cuidadoso deslocamento para a capital potiguar.
Em Natal
O S-64 as margens do Rio Potengi, nas proximidades da área do prédio histórico da Rampa
Enquanto o avião era consertado os dois heróis foram muito homenageados. Eles foram os únicos aviadores estrangeiros deste período que receberam títulos de “Cidadão Natalense” em solenidade realizada no palácio do Governo. Eles foram entusiasticamente saudados pela comunidade e autoridades, entre elas o então governador Juvenal Lamartine.
Rota do S-64 da Itália para o Brasil
Foram remetidas notícias para todo o mundo do pouso dos italianos em Touros. No total foram completados 7.158 quilômetros de distância, em 58 horas e 30 minutos de voo ininterrupto, a uma velocidade média de 175 km/h. Os recordes foram homologados a partir de cálculos fixados pela Comissão Técnica do Aeroclube do Brasil e encaminhados ao Embaixador da Itália no Brasil, através de ofício datado de 9 de julho de 1928. Os resultados foram também comunicados ao Real Aeroclube da Itália e à Federação Aeronáutica Internacional, para fins da necessária homologação.
Os pilotos ficaram hospedados no Palace Hotel, no bairro da Ribeira, sendo carinhosamente assediados pela população local e recebendo diversas homenagens. Naquele momento a cidade também recebia a visita da líder feminista brasileira Bertha Lutz, que promovia a campanha do voto feminino. Os pilotos tiveram um encontro com a Senhorita Lutz e explanaram a necessidade das mulheres participarem da aviação, no que foram muito elogiados nos jornais locais.
Natal. Av. Rio Branco em 1928
Ferrarin e Del Prete encantaram a população potiguar pelo extremo cavalheirismo e atenção, participando de diversas atividades sociais.
S-64 sendo içado para reparos no porto de Natal
Levaram vários dias para o Savoia-Marchetti S-64 ficar em condições para realizar uma decolagem e seguir em direção sul. O jornal “A República” informa que o hidroavião batizado como “Potyguar”, pertencente à empresa Sindicato Condor, trouxe do Rio de Janeiro as peças e os mecânicos para ser feita à manutenção e realizar uma nova decolagem. Este mesmo jornal relata que o Savoia-Marchetti S-64 ficou na Gamboa Jaguaribe, no lado esquerdo do Rio Potengi, próximo ao Porto do Cajueiro. Tudo indica que o concerto do avião foi realizado neste local, onde o terreno é plano, mas o solo não é muito rígido. Na pressa de seguirem o Rio de Janeiro, então a Capital Federal, os italianos decidiram arriscar a decolagem nesta área. Quando procediam à manobra, o trem de pouso enterrou na areia e pôr pouco o avião não capotou.
O S-64 “atolado” no outro lado do Rio Potengi
Diante do ocorrido e ados vinte e três dias após a chegada ao Rio Grande do Norte, Ferrarin e Del Prete viajaram de Natal para o sul do país a bordo de um avião Bréguet, da Aeropostale.
No dia 1 de agosto de 1928, os jornais locais informam que o avião S-64 será transportado para o Rio de Janeiro no vapor “Macapá”. Tudo indica que esta aeronave foi doada ao Governo Federal, sendo a informação não confirmada.
Ferrarin e Del Prete ovacionados no Rio de Janeiro
Na então Capital Federal, os aviadores eram os heróis do momento, mas o destino lhes seria cruel e traria uma nova e triste situação.
A Tragédia
Em uma ocasião, em companhia do Suboficial Raul Inácio de Medeiros, os pilotos italianos decolaram com um aeroplano Savoia-Marchetti S-62 (similar ao S-64), para um voo de testes. Os três tripulantes ocuparam os seus lugares, cabendo a Del Prete a pilotagem. Foi dada a partida no motor, o Savoia-Marchetti afastou-se lentamente do atracadouro e iniciou a decolagem tomando o rumo sul da Baía de Guanabara.
A aeronave evoluía numa altura calculada em 50 metros quando subitamente, numa curva fechada para o lado direito, projetou-se contra as ondas. Rapidamente foram providenciados socorros, deslocando-se diversas lanchas da Escola de Aviação Naval da Marinha do Brasil ao local do acidente.
Desenho do quarto do hospital onde agonizava Del Prete, publicado em um jornal carioca e reproduzido pela imprensa recifense
Os três tripulantes foram encaminhados imediatamente à enfermaria para receberem os primeiros socorros.
O ferido mais grave era Del Prete, que tinha fraturado ambas as pernas, além de se queixar de fortes dores no tórax. A notícia do acidente rapidamente tomou conta da cidade, sendo várias vezes transmitidas em boletins especiais das rádios locais. A imprensa ou a acompanhar o assunto, divulgando entrevistas, editoriais e matérias especiais.
O suboficial brasileiro ferido na queda do avião, sendo visitado por Ferrarin
Na Casa de Saúde São Sebastião, Del Prete sofreu algumas cirurgias, mas seu estado foi piorando gradativamente. A amputação da perna direita não impediu que a infecção se generalizasse e Carlo Del Prete faleceu ao amanhecer do dia 16 de agosto, oito dias após o acidente.
As Homenagens e o Legado da Aventura
O corpo foi embalsamado, levado a Embaixada Italiana, onde ocorreu o velório. A romaria à representação diplomática foi impressionante para a época. Cálculos efetuados mostraram que cerca de dez mil pessoas aram em frente à urna funerária, em um último adeus ao herói que deu a vida na conquista de um ideal. Seguiu-se a missa de corpo presente, após foi realizado o cortejo a pé, saindo do Bairro das Laranjeiras, ando pelo Catete, Flamengo, cruzando a Avenida Rio Branco para chegar à Praça Mauá, onde se encontrava atracado o navio italiano “Conte Rosso”. Este transatlântico estava casualmente de agem pelo Rio de Janeiro, tendo Gênova, na Itália, como ponto de destino.
Pôr onde o cortejo ava, as ruas estavam repletas. Um jornalista comentou que “O ambiente era de irresistível sugestão dolorosa e a população ali estava presente, pois o nome do herói, desde a ocasião do acidente, havia alcançado a simpatia do povo, comovida e triste com o desenlace”.
Com o retorno de Ferrarin a Itália, o mesmo ou a se dedicar a descrever sua viagem em companhia de Del Prete. Logo lançou um livro intitulado “Voli por il Mondo” (Voando pelo mundo), que foi um estrondoso sucesso de vendas. Em sua obra Ferrarin enaltece a atenção recebida dos brasileiros, especialmente os fatos ocorridos em Touros e o tempo em que estiveram em Natal, criando na Itália a ideia de presentear o Rio Grande do Norte pelo apoio ofertado aos seus pilotos.
Capa do livro de Ferrarin
Para o governo de Mussolini, a morte de Del Prete significou o fim dos “raids” com apenas uma aeronave. No futuro, apenas esquadrilhas italianas seriam patrocinadas pelo governo e, desta forma, Natal receberia a sua “Coluna Capitolina”.
Em 1931, comandada por Ítalo Balbo, uma esquadrilha de aviões “Savoia” amerissava no Rio Potengi, enquanto um navio de guerra italiano transportava no seu porão o nosso mais importante regalo presenteado a Natal por uma nação estrangeira.
Quadro existente na Itália, mostrando a chegada de Balbo a Natal
Tempos depois, em outro famoso “raid”, Balbo e outra numerosa esquadrilha de “Savoias”, visitaram os Estados Unidos, mais precisamente a cidade de Chicago. Esta cidade receberia idêntico presente que anteriormente fora ofertado a Natal. Vale frisar que Chicago é uma cidade que possui uma das maiores colônias de imigrantes italianos nos Estados Unidos, sendo compreensível à oferta do presente. Já Natal, com tão poucos imigrantes italianos entre a sua população, recebeu o distinto artefato unicamente pela disposição de ajudar seus visitantes, qualidade natural do seu povo.
Pode-se argumentar que neste período o governo Italiano desejava uma aproximação diplomática mais forte com o governo brasileiro e que a Coluna nada mais era que um “mimo” para sacramentar esta relação. Mas já que a ideia era esta, por que então não doar a antiga Coluna para a Capital Federal, o Rio de Janeiro? O monumento ficaria ótimo em alguma praça de Copacabana.
Postal italiano mostrando a Coluna Capitolina em seu primeiro local de exibição em Natal, próximo ao porto
Outra argumentação poderia ser que a Coluna Capitolina foi doada pelos italianos a Natal para “amaciar” a instalação de uma futura agência de aviação comercial daquele país na cidade. Com isso os italianos desejavam marcar sua posição em uma das mais importantes estações de aviação a nível mundial, fazendo companhia as empresas de aviação de ses, alemães e norte-americanos já instaladas por aqui. Mas este fato só ocorreria alguns anos depois.
Daí surge uma questão; para conseguir a instalação deste ponto de apoio aeronáutico, os italianos necessitariam se doar um dos seus preciosos artefatos históricos com 2.000 anos?
Mesmo sem receber igual homenagem, em novembro de 1999, a Prefeitura do Rio de Janeiro inaugurou um busto homenageando o piloto Carlo Del Prete, em uma praça que leva o seu nome, no bairro das Laranjeiras.
Já em Natal, até há pouco tempo, a Coluna Capitolina, nosso maior presente, estava embaixo de um viaduto e apenas por iniciativa dos membros do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, esta peça atualmente repousa ao lado desta casa que preserva a memória da nossa terra.
O Livro “Os Cavaleiros dos Céus-
A Saga do Voo de Ferrarin e Del Prete
Em 2009, quando fazia parte da Fundação Rampa, junto com Fred Nicolau criamos o livro “Os Cavaleiros dos Céus-A Saga do Voo de Ferrarin e Del Prete”. Esta obra possui 184 páginas, mais de oitenta fotos e mapas, com tiragem de 1.150 exemplares, projeto e coordenação editorial de José Correia Torres Neto e está inscrito na Biblioteca Nacional com ISBN 978-85-909424-0-5, com direitos autorais pertencentes aos autores.
Este trabalho contou com o apoio da Força Aérea Brasileira, Embaixada da Itália no Brasil, UNP-Universidade Potiguar, Prefeitura Municipal de Touros, entre outros.
Para maiores detalhes sobre este trabalho, sugiro aos leitores verem os links abaixo;
Contar com o apoio do amigo Zé Gaudêncio Torquato no nosso livro “João Rufino-Um Visionário de Fé” não é um privilégio, mas uma honra.
Este orgulhoso micaelense é um competente arquiteto e trabalha nesta área na Caixa Econômica Federal em Natal. Mas eu acredito que Zé Gaudêncio gosta mesmo é de trabalhar com música, de ter nascido em São Miguel, de sua família e de mais outras coisas boas. Zé possui músicas maravilhosas, escreve letras e poesias desde muito tempo e algumas de suas obras eu tive o privilégio de ouvir. Elas me deixando realmente encantado.
Zé Gaudêncio Torquato lendo seu prefácio para a multidão de 15.000 pessoas presentes ao evento
Ele é um grande incentivador da grande “Banda Independente da Ribeira”, que desde 1999 está na luta pelo espaço na nossa muitas vezes combalida cultura potiguar.
Aqui apresento o seu prefácio.
Valeu micaelense arretado.
Um Cheiro de Café
Nas aulas de catecismo do Grupo Escolar Padre Cosme, ministradas pela professora Branca de Castro, além dos ensinamentos básicos dos princípios da religião católica, as pregações centravam no sentido e aplicação dos dez mandamentos (amar ao próximo, não roubar, não matar, não desejar a mulher alheia, etc. Para os pequenos alunos, com suas mentes infantis, que tinham como divertimento no horário do recreio roubar cajus do sítio de Nucha Augusto, do outro lado da cerca e caçar ovos de arinhos, saqueando os ninhos nas copas das canafístulas, nada era pecado mesmo porque, menino, arinho, frutinhas do mato era tudo brincadeira no mundinho daquelas inocentes crianças.
Somente encontrávamos um sentido para aquelas intermináveis repreensões da aguerrida mestra, quando toda manhã, ao sairmos de casa encontrávamos Seu João de joelhos, mãos postas, olhos semi cerrados fitando uma pequena imagem posta no nicho do frontão superior do prédio da torrefação Nossa Senhora de Fátima, a balbuciar o que imaginávamos serem orações debulhadas no terço diário, antes de escancarar as portas do seu estabelecimento comercial e oferecer “um cafezinho” às mulheres freguesas dos pacotezinhos de 200 gramas, distribuídos como em comunhão àquelas pobres Marias, Teresas, Dos Anjos, Antonias, Ritas, Das Dores, peregrinas matinais do santuário do Café Nossa Senhora de Fátima no centro da cidade quase acordada.
São Miguel sempre foi pródiga em cafés, pequenos estabelecimentos que alimentavam as conversas, os encontros, as notícias, as refeições e obviamente, serviam fumegantes xícaras de cafés ao sabor das palestras conduzidas por seus assíduos freqüentadores. O café de Maria Angélica defronte ao Estúdio e Hotel Municipal, o café de Bastião Preto próximo ao posto de gasolina de Gualter, o café de Chico Lero pertinho da Tarimba, o café de Creuza e Nêgo Rico ao lado do Mercado e o café de seu Dito que findou no próprio mercado e que era o mais madrugador da cidade, serviram todos para configurar e consolidar em São Miguel o gosto pelo convívio regado ao sabor das variedades que essa agradável bebida propicia.
Da esquerda para direita vemos Zé Gaudêncio, Seu João, Fagner e o autor
A nossa casa, no cento da cidade, na praça sete de setembro – Praça do Mercado – não tão longe de todos esses cafés, era bem próxima à torrefação Nossa Senhora de Fátima, o café de seu João Rufino, em sua evoluída versão semi industrial. A esquina da torrefação era habitualmente local de encontro e parada obrigatória de tantos e quantos transeuntes que por ali transitavam em torno do mercado em dias de feira. Ponto garantido de Meu Tinhô, o engraxate “oficial” do lugar, sempre a polir não somente os sapatos da freguesia, como a escovar a poeira dos os mal dados por alguns e tentar limpar a sujeira de uns tantos outros.
Era dali daquela esquina que uma chaminé incensava as manhãs enevoadas de inverno e despejava o cheiro matinal do café torrado que impregnava o ar e a fumaça se encarregava de espalhar por toda a cidade.
Esse cheiro ficou pregado definitivamente em mim e carrego comigo como um bálsamo depositado nos recônditos das minhas melhores memórias e tanto que ao longo de todos esses anos, em todas as cidades que morei, quando os primeiros ruídos despertam os dias, quando fiapos de luzes clareiam as manhãs e quase nítida se esboça a vida entre as frestas da memória, um cheiro gostoso de café me toma e acende em mim a lembrança viva e quase palpável de São Miguel, da praça do mercado, do sino da igreja a repicar, dos burburinhos da rua, do barulho dos cilindros das padarias de Zé Augusto, Nonato e Zé Rocha a desdobrarem as massas para fabricação dos pães e bolachas comuns de cada dia e claro, do café Nossa Senhora de Fátima que da cozinha de casa minha mulher prepara toda manhã, sem perceber.
Obrigado Seu João pelo sabor do café de todos esses dias.
Seu João era especialista em tirar carro do prego. De quem quer que fosse ou viesse de qualquer canto do município, pois possuía uma rara aptidão nata para por em funcionamento engrenagens, máquinas e motores os mais diversos, como se eles lhes obedecessem aos mais simples gestos de mãos, pequenos acenos, cadenciados afagos e ligeiros mas precisos toques aqui, apertos ali, ajustes acolá e pronto, o motor obedecia e danava-se a funcionar, movimentando-se num sincronismo explosivo de velas, pistões, polias, rodas, enfim, de engrenagens em revolução, numa batucada exuberante das engrenagens mecânicas que as juntas e tampões patrocinavam. Esse era seu João que sempre sereno, punha a vida, sem sobressaltos da cidadezinha serrana, a tocar no ritmo de suas destrezas, desprendimento e habilidades.
Seu João é um homem singular, simpático, singelo e simples, mas de gestos largos e uma generosidade imensurável, sem medida mesmo. Sempre que nos encontramos, seja onde for, trocamos um afetuoso e apertado abraço, como aqueles que dava o meu avô em seus amigos diletos e compadres, e ele, aquele graveto de aroeira, aquele garrancho de goiabeira, esbelto mas firme, flexível mas inquebrável, após as brandas tapas nas costas, tentava levantar-me do chão e eu a ele suspendendo-o uns pouco centímetros, confesso sem tanto esforço, não por ele ser magro, muito menos por eu ser forte ou ter tanta força, mas, simplesmente por ele não ter peso nenhum na consciência e possuir uma alma leve, levíssima tenho certeza, daquelas que só os santos possuem e carregam sem o mínimo esforço.
Assim é seu João, uma das melhores essências de gente que habita esse velho mundo de Deus, um santo homem.
Sempre ouvir muito falar no mítico jasmineiro plantado no horto da casa da poetisa potiguar Auta de Souza, na bela cidade de Macaíba, mas pouco sabia de sua história.
Auta de Souza
Até que um dia, pesquisando nas velhas páginas de “A Republica”, encontrei na edição do dia 3 de julho de 1930, um interessante artigo da igualmente consagrada poetisa potiguar Palmyra Wanderley, sobre esta famosa planta da família das Oleáceas.
Parte final do verso “Flor do Campo”, publicado em 1899, inicialmente em jornais no ano de 1899
Nascida em 12 de setembro 1876, na cidade de Macaíba, Auta Henriqueta de Souza foi uma mulher extremamente marcada pela morte. Perdeu a mãe quando tinha três anos e o pai pouco tempo depois. Apesar de viver em uma cidade próspera e progressista, um dos principais centros de decisões políticas no Rio Grande do Norte daquela época, ela e seus irmãos, Henrique Castriciano, Eloy de Souza e Irineu Leão, vão para o Recife, onde ficam sob a guarda da avó materna, Silvina Maria da Conceição de Paula Rodrigues, conhecida como Dindinha.
Eloy de Souza
Na capital pernambucana Auta foi primeiramente alfabetizada por professores particulares, depois foi matriculada no Colégio São Vicente de Paula, no bairro da Estância.
Mas o calvário de Auta de Souza continuou. Aos doze anos vivencia a morte de Irineu, carbonizado pelas chamas de uma lamparina que foi derrubada por acidente. Dois anos depois a tuberculose, causa da morte de seus pais, é diagnosticada em seu corpo e ela teve que interromper seus estudos.
Retorna ao Rio Grande do Norte e, em busca de cura, realiza uma longa viagem pelo interior do estado.
Segundo seus biógrafos, tempos depois Auta se enamorou pelo jovem Promotor Público de Macaíba, João Leopoldo da Silva Loureiro, onde manteve uma casta relação que durou mais de um ano. Estava decidida a unir-se a este rapaz, mas a doença seguia adiante. Seus irmãos lhe convenceram a renunciar e a separação foi cruel para a já sofrida jovem. O Promotor logo foi transferido da região e em seguida faleceu da maldita tuberculose.
Em meio às doses de sofrimento, Auta produzia seus versos, que foram publicados em jornais e revistas do Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e de Natal.
Exemplar da 2ª ed. de “O Horto”, que pertenceu ao meu tio-avô Antônio Isidoro de Medeiros
Logo grande parte de seu trabalho seria reunido em um manuscrito, que primeiramente se intitulou “Dhálias”. Seus irmãos Henrique e Eloy, políticos e escritores no estado, levam o manuscrito para a Capital Federal, no Rio de janeiro, para que o amigo e poeta Olavo Bilac lesse o material. Bilac, o mais importante poeta brasileiro da época, se encanta com os escritos de Auta e prefacia os originais. A obra é então criada com seu nome definitivo; “O Horto”.
O livro foi publicado pela primeira vez em 20 de junho de 1900. Continha 114 poemas, colocados em 232 páginas e se tornou um enorme sucesso.
Informativo sobre a venda do livro “O Horto”
Em pouco tempo os jornais paraibanos “O Commercio” e “A União”, publicam no mesmo dia, 8 de julho de 1900 (um domingo), vastas e positivas matérias sobre o livro. Logo outros periódicos, de outras localidades, vão fazer o mesmo e em pouco tempo a primeira edição se esgota. No futuro outras edições de “O Horto” serão publicadas.
Mas Auta de Souza pouco aproveitaria deste momento. A doença avançou e ela faleceu aos 24 anos, no dia 7 de fevereiro de 1901. A capital do Rio Grande do Norte enterrou a jovem revelação das letras no Cemitério do Alecrim, em meio a uma forte comoção.
Palmyra Wanderley, uma grande iradora de Auta de Souza
Na narrativa de 1930, a poetisa Palmyra Wanderley conta que estava na sua casa, quando foi mexer em velhas cartas amareladas que ficavam uma caixa de madeira, com um determinado símbolo marcado a fogo na tampa.
Esta ilustre dama das letras potiguares, então com 36 anos, acreditava que lendo velhas missivas, renovaria a sua alma. Mas estranhamente o que lhe chamou atenção não foi alguma carta, mas uma foto. Uma foto que a poetisa considerava preciosa.
Segundo sua narrativa, a imagem congelada no tempo mostrava um jasmineiro laranja, com muitas folhas e que projetava a sua sombra na areia.
Na base da simples fotografia estava escrito em uma “letra máscula”, segundo sua definição, a seguinte mensagem; “- O jasmineiro de Auta, plantado pela poetisa no pomar de sua residencia em Macahyba”.
Segundo Palmyra, o autor da mensagem não era outro senão Henrique Castriciano, irmão da brilhante Auta de Souza.
Henrique Castriciano
Henrique, considerado pelo paraibano Rodrigues de Carvalho (autor do livro Cancioneiro do Norte) como “um gênio”, havia doado a Palmyra aquele instantâneo numa clara manhã de abril. Quando contou a história do jasmineiro e o que ele significava, seus olhos ficaram marejados de saudade.
Ao longo do texto, a definição que Palmyra faz de Auta de Souza era de uma “poetisa santa”, que havia utilizado suas mãos de doente resignada, para plantar no quintal de sua casa aquele jasmineiro frondoso.
Para Palmyra, que tinha apenas sete anos quando Auta de Souza faleceu, a poetisa de Macaíba era certamente uma espécie de heroína diante de toda sua sofrida história, se não uma de suas maiores influências.
Ela informa que em certa época havia chegado aos ouvidos de Henrique Castriciano que jovens delinquentes haviam tentado destruir esta preciosa Oleácea. Indignado, o irmão da falecida Auta de Souza partiu para saber o que ocorria. Mas voltou de Macaíba com a alma e o espirito renovados, pois a população local protegia o jasmineiro. Sobre sua sombra casais de pássaros “se casam” e as crianças de Macaíba brincavam e cantavam os versos de Auta. Noivas seguiam ao local, fazendo votos para uma boa união. O texto deixa no leitor a ideia que o local seria uma espécie de “santuário”, preservado pelo povo de Macaíba em memória de sua amada e sofrida autora.
“A Republica”, 3 de julho de 1930
Palmyra finaliza o texto apontando Auta de Souza como “-A maior poetisa mística de todos os tempos. E a mais magoada de todas as aves humanas que cantaram, em lágrimas, as melodias do coração”.
O jasmineiro original já não existe. Mas outra planta, segundo dizem descendente direta da original, está plantada no mesmo local, atualmente fazendo parte da Escola Estadual Auta de Souza.
Autor – Rostand Medeiros – Escritor e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN
Quem nasce no Rio Grande do Norte, gosta de ler livros interessantes, de aprender sobre fatos, pessoas e coisas que valham a pena serem conhecidos, dificilmente vai deixar de ler alguma referência, algum livro, ou mesmo episódios da vida de Luís da Câmara Cascudo (1898-1986).
Luís da Câmara Cascudo
Felizmente para este leitor, ele estará diante de toda uma plêiade de obras que vão dos estudos folclóricos, as pesquisas históricas, antropológicas, etnológicas, sociológicas e de outras áreas do conhecimento.
Este grande pesquisador das manifestações culturais brasileiras deixou um extenso material cujo conjunto é considerável em quantidade e qualidade, onde mais de trinta dos seus livros são listados como essenciais ou no mínimo importantes para muitas áreas da pesquisa.
Mesmo tendo ado toda sua vida na provinciana Natal, distante dos grandes centros culturais do país, Cascudo obteve reconhecimento nacional, internacional e sua obra ainda não foi superada.
Romance de Costumes
Como leitor contumaz do “Mestre Cascudo”, como ele é conhecido pelos potiguares, na sua vasta produção li poucas referências às cavernas, a espeleologia e seus assuntos correlatos. Até então tinha lido somente pequenos apontamentos sobre lendas envolvendo cavernas, a utilização de nomes ligados a espeleologia na toponímia de pontos geográficos pelo Brasil afora e outras referências. Imaginava que para Cascudo, a espeleologia e o universo de assuntos que rodeiam esta área do conhecimento eram limitados. Talvez um assunto que não tenha despertado o seu interesse?
Foi então que um amigo me apresentou um livro que o próprio autor definia como um “romance de costumes”, o único escrito por ele. Este livro é “Canto de Muro”.
A primeira edição em 1959.
Confesso que depois de ler “Geografia dos Mitos Brasileiros”, “História da Cidade do Natal”, “Dicionário do Folclore Brasileiro”, “Viajando o Sertão”, “Vaqueiros e Cantadores” e outras maravilhas do universo de Cascudo, aos quais tenho como referências obrigatórias em minhas pesquisas, eu não me animei em conhecer este “Canto de Muro”. Imaginava esta obra como sendo uma viagem literária do pesquisador, por uma área das letras “nunca d’antes navegada”.
Comecei a folhear o livro, onde os personagens que se apresentavam a minha frente eram um escorpião chamado “Títius”, ou a aranha “Licosa”, ou ainda a lagartixa “Vênia” e outros. Após o exame inicial, fiquei com vontade de devolver na mesma hora o objeto oferecido.
Mas como este amigo havia tido a gentileza de me emprestar seu livro, me entregando com um largo sorriso de satisfação no rosto, tive vergonha de devolvê-lo.
Em todo caso imaginei ir para casa aproveitar o “Canto de Muro” para contar algumas “historinhas de animais” para minha filha Tainá quando ela tinha apenas sete anos de idade e entretê-la na hora de dormir.
Ao folhear mais calmamente o romance de Cascudo, imaginando a “historinha” mais interessante para contar, quem verdadeiramente foi ficando no “Canto do Muro” fui eu.
O livro é verdadeiramente maravilhoso.
Cascudo fez um “romance de costumes”, mas de animais.
E que animais são estes? A maioria são justamente as espécies menos enaltecidas pelo homem. São aquelas que vivem literalmente no “Canto de Muro”. eiam por suas páginas aranhas, besouros, ratos, baratas, cobras, escorpiões e outros que vivem escondidos nos quintais das casas velhas, entre troncos decaídos, buracos, ripas, tijolos quebrados e em outros locais que são rejeito e entulho da desenvolvida humanidade.
O autor age unicamente como um narrador, em meio a uma primorosa escrita, aonde vai trazendo de forma romanceada, os aspectos naturais destes animais. Os capítulos se seguem como se fossem uma descrição feita em uma caderneta de campo de um pesquisador atento e minucioso. Cascudo comentou que desde cedo fora seduzido pela história natural, que foi se aprimorando quando captou, e anotou os episódios da vida dos protagonistas do livro. Ele realizou estas anotações, principalmente nos jardins e quintais da casa paterna, a chamada “Vila Cascudo”.
Com o ar do tempo, o homem crescia, mudanças surgiram em sua vida, seus caminhos literários se expandiam, mas nunca deixou de observar e anotar, desinteressadamente, o comportamento de alguns animais.
“Quiró”
Para minha satisfação, entre os animais observados e descritos por Cascudo, está o mais representativo membro da fauna cavernícola, os morcegos.
No terceiro capítulo vamos encontrar “O Mundo de Quiró”, onde o autor inicia com a citação de certo “Sr. Hemenegildo”, proprietário de um pomar em Natal, que resoluto questionava;
“- Faça-me o favor de dizer: para que Nosso Senhor fez o morcego?”
Logo após o escritor mostra uma das características mais conhecidas dos quirópteros, a forma como descansam;
“Quiró está com as unhas dos pés fincadas numa saliência da parede, voltado para ela, e com a cabeça para baixo, dormindo. Não sei de outro vivente que durma desta maneira. Dorme todo o dia e detesta a luz e mesmo as cores garridas e atraentes.”
Vai descrevendo de forma clara e simples o único mamífero voador, comparando-o a outros animais e de como utilizava suas características naturais.
Em meio a deliciosas informações biológicas, que certamente podem fazer muitos cientistas desta área torcerem o nariz, Cascudo afirmou que suas observações sobre os morcegos foram feitas em expedições noturnas no centro de Natal, nos bancos da tradicional Praça Sete de Setembro, defronte ao antigo Palácio do Governo.
Cascudo não estava escrevendo um chato, monótono e, como muitos realizam, inútil texto acadêmico. Suas informações fluem de uma maneira tranquila fazendo com que o leitor, de forma fácil, conheça sobre o peculiar mundo destes animais.
Como de praxe em suas obras não faltam citações explicativas de figuras históricas, como a do naturalista e escritor francês, George Louis Buffon, que tinha o título de conde de Leclerc (1707 – 1788), que afirmava serem os quirópteros “mais um capricho que uma obra regular do Criador”.
Lembrava o jesuíta e naturalista italiano, Lazzaro Spallanzani (1729 – 1799), aquele que em 1756 cegou quatro morcegos, colocou todos em um quarto escuro, com uma teia de fios verticais embebidos em forte visgo, para assim prender os pequenos animais ao menor esbarrão e, mesmo sem compreender, percebeu que os morcegos conseguiam se desviar dos finos obstáculos.
Ou uma citação do também naturalista francês, Georges Cuvier (1769 – 1832), que descreveu aspectos da gênese destes mamíferos e em 1797 batizou a família dos morcegos com o termo “quiróptero”.
Afirmava que o mamífero estava em terras brasileiras desde o início dos tempos, mas comentava com certa decepção que estes animais não tinham mito, ou lenda na memória popular no Brasil, servindo “apenas para fantasias de carnaval”.
Cascudo não procurou desfazer a triste lenda que afirmava “serem os morcegos, uma evolução dos roedores mortos”. Mostrava inclusive as ligações que havia entre os termos “morcego” e “rato” nos idiomas inglês, alemão e francês. Mas não fechou a questão da falsa evolução voadora dos roedores e deixava o tema em aberto.
Outra faceta dos quirópteros que o autor comentou, foi em relação ao sentido de orientação destes animais. Apontando que milhares de anos antes, estes já possuíam um radar.
Cascudo, a Cobaia dos “Morcegos-Vampiro”
Entre as espécies deste mamífero, a que mais chamou a atenção do folclorista foram os membros da família dos morcegos-vampiro (Desmodus rotundos). Cascudo buscou detalhar a forma como estes estranhos animais agiam em busca do seu alimento. Lembrou que foi o cronista português Gabriel Soares de Sousa, em seu “Tratado Descritivo do Brasilem 1587”, o primeiro estudioso a analisar a ação dos morcegos-vampiro.
Cascudo chega a afirmar que em algumas ocasiões, em locais onde proliferavam estes mamíferos, o famoso folclorista chegou a dormir despido da cintura para cima, na intenção de se transformar em cobaia. Seu desejo era conhecer os mecanismos do analgésico que estes animais utilizam para manter a vítima adormecida enquanto retiravam sangue.
Devido à tez bastante clara da sua pele e sua compleição forte, o pesquisador era um alvo fácil para estes quirópteros. Mas afirmava decepcionado que nunca foi mordido. Ele não podia então “dar seu depoimento pessoal sobre a ação destes mamíferos”.
Contudo informa que em uma ocasião viu um destes animais “saborear” o sangue de um jumento “Catolé” e este nem dar atenção ao banquete que faziam nele. Relembrou que no antigo Brasil colonial, os homens do campo atribuíam ao “Saci-Pererê”, a responsabilidade pelas sangrias nos pescoços e dorsos dos diversos tipos de alimárias que eram utilizados nas antigas fazendas.
Para quem gosta da espeleologia e não tem medo de quirópteros, o terceiro capítulo de “Canto de Muro” é uma ótima pedida de leitura.
Luis da Câmara Cascudo, nas últimas páginas, confessa que esta obra parecerá estranha aos que haviam lido seus trabalhos anteriores. Ele não pensava em publicá-lo, se assim o fizesse seria com um pseudônimo. O amigo e editor José Olympio aceitou as condições, mas a família e outros amigos convenceram-no a o “Canto de Muro”.
Lançado em 1959, quando o autor tinha então setenta e três anos foi um sucesso e uma surpresa para a intelectualidade brasileira. Este livro teve mais três edições, todas acolhidas de forma positiva por parte do grande público, principalmente aqueles que não se entregam ao cotidiano, que com olhos atentos sempre focalizam as coisas naturalmente interessantes. Mesmos as pequenas.
P.S. – Desde 1990 que participo de grupos dedicados ao conhecimento e preservação de cavidades naturais no Rio Grande do Norte, visitando estes ambientes na Região Oeste do estado e vendo muitos morcegos. Na foto abaixo estou na Gruta Três Lagos, no município de Felipe Guerra.
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